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Todo trabalho honesto pode ser orientado com espírito cristão e apostólico

Seria uma deformação dar lugar à ideia de que a esfera da economia e das finanças não pode ser objeto de trabalho apostólico. Esta ideia, muito difundida entre pessoas que procedem de ambientes clericais, é acompanhada pelo paradoxo de que muitos desses mesmos homens, não raro, estão envolvidos – sob a capa da Igreja – em negócios e em empresas, movimentando dinheiro abundante de outros, que confiam neles porque se dizem católicos. Alguém disse – não tão maliciosamente – dessas pessoas que têm os olhos no céu e as mãos onde caírem. A reserva e o preconceito, em relação às empresas económicas, não são cristãos, porque é mais uma tarefa que se deve santificar.

No entanto, esta suspeita teve – e continua a ter – grande influência entre os católicos e, em muitas ocasiões, impediu-os de fazer o bem com o seu trabalho neste domínio da economia, ou trabalharam mas com a consciência pesada, se é que não deixaram essas tarefas humanas à mercê de pessoas hostis à Igreja, que souberam e sabem usá-la para fazer abundante dano às almas.

A tal ponto é assim que se torna divertido ler algumas considerações piedosas da tradição eclesiástica – que se justificam, sem dúvida, pela mentalidade e o ambiente da época –, onde se afirma que Pedro, após a ressurreição do Senhor, pôde voltar à sua atividade de pescador – porque pescar é uma atividade honesta – mas que não era lícito a Mateus voltar à sua profissão, porque há atividades que é impossível exercer sem correr sérios riscos de pecar ou, muito simplesmente, sem cometer pecado. E a profissão de Mateus era uma delas72.

É preciso pôr fim a estes erros, criados por pessoas que professavam o contemptus saeculi: a vossa mentalidade laical não pode conceber que haja qualquer mal no facto de se ter uma atividade comercial ou financeira, porque sabeis sobrenaturalizar essas tarefas, como todas as outras, e orientá-las com espírito cristão e apostólico.

Notas
72

Cf. S. Gregorio Magno, Homiliae in Evangelia, XXIV, em Corpus Christianorum (Series Latina) CXLI, p. 197.

* «Sociedade Bíblica»: inicialmente chamada The British and Foreign Bible Society, ou simplesmente The Bible Society, foi fundada em 1804. Com outras sociedades bíblicas, faz parte das United Bible Societies, que procuram tornar a Bíblia acessível em todo o mundo. «Exército de salvação»: The Salvation Army é uma denominação cristã protestante e uma organização beneficente, fundada em 1865. (N. do E.)

* «não abandoneis o campo em nenhum tipo de regime»: a opção que Escrivá propõe é seguir a própria vocação profissional, a não ser que a Hierarquia católica disponha outra coisa. No caso do Opus Dei, é conhecida a acusação de colaboracionismo com o regime do general Franco, a partir do momento em que dois dos seus membros entraram no governo espanhol em 1957 e outros o fizeram em anos posteriores. Contudo, a Hierarquia católica espanhola não desaconselhou, mas até apoiou a colaboração dos católicos com o regime franquista, na medida em que, embora não reconhecesse as liberdades políticas, parecia garantir a presença da mensagem evangélica na vida pública. Cf. González Gullón - Coverdale, Historia del Opus Dei, p. 221-225; 227-234. (N. do E.)

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