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Há 3 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Esperança → do Céu.

A luta interior

Suporta os trabalhos como um bom soldado de Cristo, diz-nos S. Paulo. A vida do cristão é milícia, guerra, formosíssima guerra de paz, que em nada coincide com as empresas bélicas humanas, porque estas se inspiram na divisão e, muitas vezes, nos ódios, enquanto a guerra dos filhos de Deus contra o seu próprio egoísmo, se baseia na unidade e no amor. Porque, embora vivendo na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas com que combatemos não são carnais, mas fortaleza de Deus para destruir fortalezas, desbaratando com elas os projectos humanos e toda a altivez que se levantam contra a ciência de Deus. É a escaramuça sem tréguas contra o orgulho, contra a prepotência que nos dispõe a fazer o mal, contra os juízos cheios de soberba.

Neste Domingo de Ramos, quando Nosso Senhor começa a semana decisiva para a nossa salvação, deixemo-nos de considerações superficiais e vamos ao que é central, ao que verdadeiramente é importante. Pensai no seguinte: aquilo que devemos pretender é ir para o Céu. Se não, nada vale a pena. Para ir para o Céu é indispensável a fidelidade à doutrina de Cristo. Para ser fiel é indispensável porfiar com constância no nosso combate contra os obstáculos que se opõem à nossa eterna felicidade.

Sei que, imediatamente depois de falar em combater, nos surge pela frente a nossa debilidade e prevemos as quedas, os erros. Deus conta com isso. É inevitável que, ao caminharmos, levantemos pó. Somos criaturas e estamos repletos de defeitos. Eu diria até que tem de os haver sempre, pois são a sombra que faz com que se destaquem mais, por contraste, na nossa alma, a graça de Deus e o esforço por correspondermos ao favor divino. E esse claro-escuro tornar-nos-á humanos, humildes, compreensivos, generosos.

Não nos enganemos: na nossa vida, se contamos com brio e com vitórias, devemos também contar com quedas e derrotas. Essa foi sempre a peregrinação terrena do cristão, incluindo a daqueles que veneramos nos altares. Recordais-vos de Pedro, de Agostinho, de Francisco? Nunca me agradaram as biografias dos santos em que, com ingenuidade, mas também com falta de doutrina, nos apresentam as façanhas desses homens, como se estivessem confirmados na graça desde o seio materno. Não. As verdadeiras biografias dos heróis cristãos são como as nossas vidas: lutavam e ganhavam, lutavam e perdiam. E então, contritos, voltavam à luta.

Não nos cause estranheza o facto de sermos derrotados com relativa frequência, habitualmente ou até talvez sempre, em matérias de pouca importância ,que nos ferem como se tivessem muita. Se há amor de Deus, se há humildade, se há perseverança e tenacidade na nossa milícia, essas derrotas não terão demasiada importância, porque virão as vitórias a seu tempo, que serão glórias aos olhos de Deus. Não existem os fracassos, se agimos com rectidão de intenção e queremos cumprir a vontade de Deus, contando sempre com a sua graça e com o nosso nada.

Mas ronda à nossa volta um potente inimigo, que se opõe ao nosso desejo de encarnar dum modo acabado a doutrina de Cristo: o orgulho que cresce quando não procuramos descobrir, depois dos fracassos e das derrotas, a mão benfeitora e misericordiosa do Senhor. Então a alma enche-se de penumbra - de triste obscuridade - crendo-se perdida. E a imaginação inventa obstáculos que não são reais, que desapareceriam se os encarássemos com um pouco de humildade. Com o orgulho e a imaginação, a alma mete-se por vezes em tortuosos calvários; mas nesses calvários não está Cristo, porque onde está o Senhor goza-se de paz e de alegria, mesmo que a alma esteja em carne viva e rodeada de trevas.

Outro inimigo hipócrita da nossa santificarão: pensar que esta batalha interior tem de dirigir-se contra obstáculos extraordinários, contra dragões que respiram fogo. É outra manifestação de orgulho. Queremos lutar, mas estrondosamente, com clamores de trombetas e tremular de estandartes.

Temos de nos convencer de que o maior inimigo da pedra não é o picão ou o machado, nem o golpe de qualquer outro instrumento, por mais contundente que seja: é essa água miúda, que se mete, gota a gota, entre as gretas da fraga, até arruinar a sua estrutura. O perigo mais forte para o cristão é desprezar a luta nessas escaramuças, que penetram pouco a pouco na alma, até a tornarem branda, quebradiça, indiferente e insensível às vozes de Deus.

Oiçamos o Senhor, que nos diz: quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. Isto é o mesmo que recordar-nos: luta a cada instante nesses pormenores aparentemente pequenos, mas grandes aos meus olhos; vive com pontualidade o cumprimento do dever; sorri a quem precise, mesmo que tu tenhas a alma dorida; dedica, sem regateares, o tempo necessário à oração; acode a ajudar quem te procura; pratica a justiça, ampliando-a com a graça da caridade.

São estas e outras semelhantes as moções que cada dia sentiremos dentro de nós, como um aviso silencioso que nos leva a treinar-nos neste desporto sobrenatural de nos vencermos a nós mesmos. Que a luz de Deus nos ilumine, para compreendermos as suas advertências; que nos ajude a lutar, que esteja ao nosso lado na vitória; que não nos abandone na hora da queda, porque assim nos encontraremos sempre em condições de nos levantarmos e de continuarmos a combater.

Não podemos parar. O Senhor pede-nos uma luta cada vez mais rápida, cada vez mais profunda, cada vez mais ampla. Somos obrigados a superar-nos, porque nesta competição a única meta é a chegada à glória do Céu. E se não chegássemos ao Céu, nada teria valido a pena.

Terminemos este tempo de oração. Recordai - saboreando, na intimidade da alma, a infinita bondade divina - que, pelas palavras da Consagração, Cristo vai tornar-se realmente presente na Hóstia, com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Adorai-O com reverência e devoção; renovai na sua presença o oferecimento sincero do vosso amor; dizei-lhe sem medo que Lhe quereis; agradecei-lhe esta prova diária de misericórdia tão cheia de ternura, e fomentai o desejo de vos aproximardes da comunhão com confiança. Eu surpreendo-me perante este mistério de Amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para não me abandonar, se eu não me afastar d'Ele.

Reconfortados pela presença de Cristo, alimentados pelo seu Corpo, seremos fiéis durante esta vida terrena, e mais tarde no Céu, junto de Jesus e de Sua Mãe, chamar-nos-emos vencedores. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Demos graças a Deus que nos trouxe a vitória, pela virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura