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Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Esperança → virtude teologal .

A esperança do Advento

Nada mais queria dizer-vos neste primeiro domingo do Advento, quando já começamos a contar os dias que nos aproximam do Natal do Salvador. Vimos a realidade da vocação cristã, ou seja, como o Senhor confiou em nós para levar as almas à santidade, para as aproximar d'Ele, para as unir à Igreja e estender o reino de Deus a todos os corações. O Senhor quer-nos entregues, fiéis, dedicados, com amor. Quer-nos santos, muito seus.

Por um lado, a soberba, a sensualidade e o tédio, o egoísmo; por outro, o amor, a entrega, a misericórdia, a humildade, o sacrifício, a alegria. Tens de escolher. Foste chamado a uma vida de fé, esperança e caridade. Não podes cruzar os braços e refugiar-te num medíocre isolamento.

Em certa ocasião, vi uma águia encerrada numa jaula de ferro. Estava suja e meia depenada. Tinha entre as garras um pedaço de carne podre. Pensei então no que seria de mim se abandonasse a vocação recebida de Deus. Tive pena daquele animal solitário, enjaulado, que tinha nascido para subir muito alto e olhar de frente o Sol. Podemos ascender até às humildes alturas do amor de Deus, do serviço a todos os homens. Para isso, porém, é preciso que não haja na alma recantos escondidos, onde não possa entrar o sol de Jesus Cristo. Temos de deitar fora todas as preocupações que nos afastem d'Ele; e assim terás Cristo na tua inteligência, Cristo nos teus lábios, Cristo no teu coração, Cristo nas tuas obras. Toda a vida - o coração e as obras, a inteligência e as palavras - cheia de Deus.

Olhai e levantai as vossas cabeças porque está próxima a vossa redenção, lemos no Evangelho. O tempo do Advento é o tempo da esperança. Todo o panorama da nossa vocação cristã, a unidade de vida que tem como nervo a presença de Deus, Nosso Pai, pode e deve ser uma realidade diária.

Invoca comigo Nossa Senhora, e imagina como passaria Ela aqueles meses à espera do Filho que havia de nascer. E Nossa Senhora, Santa Maria, fará com que sejas alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo.

*Homilia pronunciada no dia 2 de Março de 1952, 1º Domingo da Quaresma

Entramos no tempo da Quaresma: tempo de penitência, de purificação, de conversão. Não é fácil tarefa. O cristianismo não é um caminho cómodo; não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem. Na nossa vida, na vida dos cristãos, a primeira conversão - esse momento único, que cada um de nós recorda, em que advertimos claramente tudo o que o Senhor nos pede - é importante; mas ainda mais importantes e mais difíceis são as conversões sucessivas. É preciso manter a alma jovem, invocar o Senhor, saber ouvir, descobrir o que corre mal, pedir perdão, para facilitarmos o trabalho da graça divina nessas sucessivas conversões.

Invocabit me et ego exaudiam eum, lemos na liturgia deste Domingo: Se me chamardes, Eu vos escutarei, diz o Senhor. Reparai nesta maravilha que é o cuidado que Deus tem por nós, sempre disposto a ouvir-nos, atento em cada momento à palavra do homem. Em qualquer altura - mas agora de modo especial, porque o nosso coração está bem disposto, decidido a purificar-se - Ele nos ouve e não deixará de atender ao que Lhe pede um coração contrito e humilhado.

O Senhor ouve-nos para intervir, para Se meter na nossa vida, para nos livrar do mal e encher-nos de bem: eripiam eum et glorificabo eum, Eu o livrarei e o glorificarei, diz do homem. Portanto: esperança do Céu. E aqui temos, como doutras vezes, o começo desse movimento interior que é a vida espiritual. A esperança da glorificação acentua a nossa fé e estimula a nossa caridade. E, deste modo, as três virtudes teologais - virtudes divinas que nos assemelham ao nosso Pai, Deus - põem-se em movimento.

Haverá melhor maneira de começar a Quaresma? Renovamos a Fé, a Esperança, a Caridade. Esta é a fonte do espírito de penitência, do desejo de purificação. A Quaresma não é apenas uma ocasião de intensificar as nossas práticas externas de mortificação; se pensássemos que era isso apenas, escapar-nos-ia o seu sentido profundo na vida cristã, porque esses actos externos são, repito, fruto da Fé, da Esperança e do Amor.

Instaurare omnia in Christo, éo lema que S. Paulo dá aos cristãos de Éfeso: dar forma a tudo segundo o espírito de Jesus; colocar Cristo na entranha de todas as coisas: Si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum: quando Eu for levantado sobre a terra, tudo atrairei a mim. Cristo, com a sua Encarnação, com a sua vida de trabalho em Nazaré, com a sua pregação e os seus milagres por terras da Judeia e da Galileia, com a sua morte na Cruz, com a sua Ressurreição, é o centro da Criação, Primogénito e Senhor de toda a criatura.

A nossa missão de cristãos é proclamar essa Realeza de Cristo; anunciá-la com a nossa palavra e com as nossas obras. O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da Terra. A alguns, chama-os ao deserto, desentendidos das inquietações da sociedade humana, para recordarem aos outros homens, com o seu testemunho, que Deus existe. Encomenda a outros o ministério sacerdotal. À grande maioria, o Senhor quere-a no mundo, no meio das ocupações terrenas. Estes cristãos, portanto, devem levar Cristo a todos os ambientes em que se desenvolve o trabalho humano: à fábrica, ao laboratório, ao trabalho do campo, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e às veredas da montanha.

Gosto de recordar a este propósito o episódio da conversa de Cristo com os discípulos de Emaús. Jesus caminha junto daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, de modo que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra nos seus corações, comunica-lhes algo da vida que Nele habita. Quando, ao chegar àquela aldeia, Jesus faz menção de seguir para diante, os dois discípulos retêm-No e quase O forçam a ficar com eles. Reconhecem-No depois ao partir o pão: - O Senhor, exclamam, esteve connosco! Então disseram um para o outro: Não é verdade que sentíamos abrasar-se-nos o coração dentro de nós enquanto nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras? Cada cristão deve tornar Cristo presente entre os homens; deve viver de tal maneira que todos com quem contacte sintam o bonus odor Christi, o bom odor de Cristo, deve actuar de forma que, através das acções do discípulo, se possa descobrir o rosto do Mestre.

Cristo espera-nos. Vivemos já como cidadãos do céu sendo plenamente cidadãos da Terra, no meio de dificuldades, de injustiças, de incompreensões, mas também no meio da alegria e da serenidade que dá saber-se filho amado de Deus. Perseveremos no serviço do nosso Deus e veremos como aumenta em número e em santidade este exército cristão de paz, este povo de corredenção. Sejamos almas contemplativas, com um diálogo constante, convivendo com o Senhor a toda a hora: desde o primeiro pensamento do dia ao último da noite, pondo continuamente o nosso coração em Jesus Cristo Senhor Nosso, chegando até junto d'Ele por intermédio da Nossa Mãe Santa Maria e, por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.

Se, apesar de tudo, a subida de Jesus aos Céus nos deixa na alma um amargo rasto de tristeza, acudamos a sua Mãe como fizeram os apóstolos: então, voltaram a Jerusalém… e oravam unanimemente… com Maria, a Mãe de Jesus.

Uma única receita: santidade pessoal

Omelhor caminho para nunca se perder a audácia apostólica, o afã eficaz de servir todos os homens, não é senão a plenitude da vida de fé, de esperança e de amor; numa palavra, a santidade. Não conheço outra receita além desta: santidade pessoal.

Hoje, em união com a Igreja, celebramos o triunfo da Mãe, Filha e Esposa de Deus. E assim como nos sentíamos contentes na Páscoa da Ressurreição do Senhor, três dias depois da sua morte, agora estamos alegres porque Maria, depois de acompanhar Jesus desde Belém até à Cruz, está junto dele em corpo e alma, gozando da sua glória por toda a eternidade. Esta é a misteriosa economia divina: Nossa Senhora, participando plenamente na obra da nossa salvação, tinha de seguir de perto os passos de seu Filho - a pobreza de Belém, a vida oculta de trabalho ordinário em Nazaré, a manifestação da divindade em Caná da Galileia, as afrontas da Paixão, o Sacrifício divino da Cruz, e a bem-aventurança eterna do Paraíso.

Tudo isto nos afecta directamente, porque este itinerário sobrenatural há-de ser também o nosso caminho. Maria mostra-nos que essa senda é factível, que é segura. Ela precedeu-nos na via da imitação de Cristo e a glorificação da Nossa Mãe é a firme esperança da nossa salvarão. Por isso lhe chamamos spes nostra e causa nostra laetitiae, esperança nossa e causa da nossa alegria.

Jamais podemos perder a esperança de chegar a ser santos, de aceitar os convite do Senhor, de ser perseverantes até ao final. Deus, que em nós começou a obra da santificação, levá-la-á a cabo. Porque, se o Senhor é por nós, quem será contra nós? Quem não poupou o seu próprio Filho, mas por nós todos O entregou à morte, como não nos dará também com Ele todas as coisas?

Nesta festa, tudo convida à alegria. A firme esperança na nossa santificação pessoal é um dom de Deus, embora o homem não possa permanecer passivo. Recordai as palavras de Cristo: se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo e tome a sua cruz de cada dia e siga-me. Vedes? A cruz de cada dia. Nulla dies sine cruce, nenhum dia sem Cruz: nenhum dia que não carreguemos com a Cruz do Senhor, em que não aceitemos o seu jugo. Eis porque não quis deixar de vos recordar também que a alegria da Ressurreição é consequência da dor da Cruz.

Não temais, contudo, porque o próprio Senhor nos diz: vinde a Mim todos, os que trabalhais e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve. Vinde - glosa S. João Crisóstomo - não para prestar contas, mas para serdes livres dos vossos pecados; vinde, podeis procurar-me, pois eu não tenho necessidade da vossa glória, mas da vossa salvaçãoNão temais ao ouvir falar de jugo, porque é suave: não temais se falo de peso, porque é leve.

O caminho da nossa santificarão pessoal passa, quotidianamente, pela Cruz: esse caminho não é desgraçado, porque o próprio Cristo nos ajuda e com Ele não há lugar para a tristeza. In laetitia, nulla dies sine cruce!, gosto eu de repetir. Com a alma trespassada de alegria, nenhum dia sem Cruz!