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Há 4 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Jesus Cristo  → na eucaristia.

*Homilia pronunciada em 14 de Abril de 1960, Quinta-Feira Santa.

Antes do dia da festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Este versículo de S. João anuncia ao leitor que vai acontecer algo de importante nesse dia. É um preâmbulo terno e afectuoso, que corresponde àquele que S. Lucas recolhe no seu relato: Tenho desejado ardentemente - afirma o Senhor - comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer.

Devemos começar desde já por pedir ao Espírito Santo que nos prepare de forma a podermos compreender todas as expressões e todos os gestos de Jesus Cristo, porque queremos viver vida sobrenatural, porque o Senhor nos manifestou a sua vontade de se nos oferecer como alimento da alma e porque reconhecemos que só Ele tem palavras de vida eterna.

A fé leva-nos a confessar com Simão Pedro: nós acreditamos e conhecemos que tu és Cristo, Filho de Deus.E é também ela, fundida com a nossa devoção, que nesses momentos transcendentes nos incita a imitar a audácia de João. Assim, aproximamo-nos de Jesus e reclinamos a cabeça no peito do Mestre que, como acabamos de ouvir, por amar ardentemente os seus, os iria amar até ao fim.

Todos os modos de dizer são demasiadamente pobres quando pretendem explicar, mesmo de longe, o mistério da Quinta-Feira Santa. No entanto, não é difícil imaginar os sentimentos do Coração de Jesus Cristo naquela tarde, a última que passava com os seus antes do sacrifício do Calvário.

Lembremo-nos da experiência tão humana da despedida de duas pessoas muito amigas. Desejariam ficar sempre juntas, mas odever - ou seja o que for - obriga-as a afastar-se uma da outra. Não podem, portanto, continuar uma junto das outra, como seria doseu gosto. Nestas ocasiões, o amor humano, que por maior que seja,é sempre limitado, costuma recorrer aos símbolos. As pessoas que se despedem trocam lembranças entre si, talvez uma fotografia onde se escreve uma dedicatória tão calorosa, que até admira que não arda o papel. Mas não podem ir além disso, porque opoder das criaturas não vai tão longe como o seu querer.

Ora o que não está na nossa mão, consegue-o o Senhor. Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem, não deixa um símbolo, mas uma realidade. Fica Ele mesmo. Embora vá para o Pai, permanece entre os homens. Não nos deixará um simples presente que nos faça evocar a sua memória, alguma imagem que tenda a apagar-se com o tempo, como uma fotografia que a pouco e pouco se vai esvaindo e amarelecendo até perder o sentido para quem não interveio naquele momento amoroso. Sob as espécies do pão e do vinho está Ele, realmente presente, com o seu Corpo, oseu Sangue, a alma e a sua Divindade.

O pão da vida eterna

Agradar-me-ia que, ao considerar tudo isto, tomássemos consciência da nossa missão de cristãos, voltássemos os olhos para a Sagrada Eucaristia, para Jesus que, presente entre nós, nos constituiu seus membros: vos estis corpus Christi et membra de membro, vós sois o corpo de Cristo e membros unidos a outros membros. O nosso Deus decidiu ficar no Sacrário para nos alimentar, para nos fortalecer, para nos divinizar, para dar eficácia ao nosso trabalho e ao nosso esforço. Jesus é simultaneamente o semeador, a semente e o fruto da sementeira: o Pão da vida eterna.

Este milagre, continuamente renovado, da Sagrada Eucaristia, encerra todas as características do modo de agir de Jesus. Perfeito Deus e perfeito homem, Senhor dos Céus e da Terra, oferece-Se-nos como sustento, da maneira mais natural e corrente. Assim espera o nosso amor, desde há quase dois mil anos. É muito tempo e não é muito tempo; porque, quando há amor, os dias voam.

Vem-me à memória uma encantadora poesia galega, uma das cantigas de Afonso X, o Sábio. É a lenda de um monge que, na sua simplicidade, suplicou a Santa Maria que o deixasse contemplar o céu, ainda que fosse só por um instante. A Virgem acolheu o seu desejo, e o bom monge foi levado ao Paraíso. Quando regressou, não reconhecia nenhum dos moradores do mosteiro: a sua oração, que lhe tinha parecido brevíssima,, tinha durado três séculos. Três séculos não são nada, para um coração que ama. Assim compreendo eu esses dois mil anos de espera do Senhor na Eucaristia. É a espera de Deus, que ama os homens, que nos procura, que nos quer tal como somos - limitados, egoístas, inconstantes - mas com capacidade para descobrirmos o seu carinho infinito e para nos entregarmos inteiramente a Ele.

Por amor e para nos ensinar a amar, veio Jesus à Terra e ficou entre nós na Eucaristia. Como tivesse amado os seus que viviam no mundo, amou-os até ao fim; com estas palavras começa S. João a narração do que sucedeu naquela véspera da Páscoa, em que Jesus - refere-nos S. Paulo - tomou o pão, e dando graças, o partiu, e disse: Tomai e comei; isto é o meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Igualmente também, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento do meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o beberdes.

Uma vida nova

É o momento simples e solene da instituição do Novo Testamento. Jesus derroga a antiga economia da Lei e revela-nos que Ele próprio será o conteúdo da nossa oração e da nossa vida.

Vede a alegria que inunda a liturgia de hoje: seja o louvor pleno, sonoro, alegre. É o júbilo cristão que canta a chegada de outro tempo: terminou a antiga Páscoa, inicia-se a nova. O velho é substituído pelo novo, a verdade e faz com que a sombra desapareça, a noite é iluminada pela luz.

Milagre de amor. Este é verdadeiramente o pão dos filhos; o Primogénito do Pai Eterno, oferece-Se-nos como alimento. E o mesmo Jesus Cristo, que aqui nos robustece, espera-nos no Céu como comensais, co-herdeiros e sócios, porque os que se alimentam de Cristo morrerão com a morte terrena e temporal, mas viverão eternamente, porque Cristo é a vida que não termina .

A felicidade eterna, para o cristão que se conforta com o maná definitivo da Eucaristia, começa já agora. Passou o que era velho: deixemos de lado tudo o que é caduco, seja tudo novo para nós - os corações, as palavras e as obras .

Esta é a Boa Nova. É novidade, notícia, porque nos fala de uma profundidade de Amor, de que antes não suspeitávamos. É boa, porque nada é melhor do que unir-nos intimamente a Deus, Bem de todos os bens. É a Boa Nova, porque, de alguma maneira e de um modo indescritível, nos antecipa a eternidade.

Fecundidade da Eucaristia

Quando o Senhor na última Ceia instituiu a Sagrada Eucaristia, era de noite, o que - comenta S. João Crisóstomo - manifestava que os tempos tinham sido cumpridos.Caía a noite sobre o mundo, porque os velhos ritos, os antigos sinais da misericórdia infinita de Deus para com a humanidade iam realizar-se plenamente, abrindo caminho a um verdadeiro amanhecer: a nova Páscoa. A Eucaristia foi instituída durante a noite, preparando de antemão a manhã da Ressurreição.

Também nas nossas vidas temos de preparar essa alvorada. Tudo o, que é caduco, o que é prejudicial, o que não serve - o desânimo, a desconfiança, a tristeza, a cobardia - tudo isso tem de ser deitado fora. A Sagrada Eucaristia introduz a novidade divina nos filhos de Deus e devemos corresponder in novitate sensus , com uma renovação de todo o nosso sentir e de todo o nosso agir. Foi-nos dado um novo princípio de energia, uma raiz poderosa, enxertada no Senhor. Não podemos voltar à antiga levedura, nós que temos o Pão de agora e de sempre.