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Há 5 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Luta ascética  → humilde.

Coisas pequenas e vida de infância

Pensando naqueles que, à medida que o tempo passa, ainda se dedicam a sonhar -em sonhos vãos e pueris, como Tartarin de Tarascon - com caçar leões nos corredores de casa, onde se calhar só há ratos e pouco mais, pensando neles, insisto, lembro a grandeza de actuar com espírito divino no cumprimento fiel das obrigações habituais de cada dia, com essas lutas que enchem Nosso Senhor de alegria e que só Ele e cada um de nós conhece.

Convençam-se de que normalmente não vão encontrar ocasiões para grandes façanhas, entre outros motivos porque não é habitual que surjam essas oportunidades. Pelo contrário, não faltam ocasiões de demonstrar o amor a Jesus Cristo, através do que é pequeno, do normal. A grandeza da alma também se demonstra nas coisas diminutas, comenta S. Jerónimo. Não admiramos o Criador apenas no céu e na terra, no sol e no oceano, nos elefantes, camelos, bois, cavalos, leopardos, ursos e leões; mas também nos animais minúsculos como formigas, mosquitos, moscas, vermes e outros animais semelhantes, que distinguimos melhor pelos corpos do que pelos nomes: admiramos a mesma mestria tanto nos grandes como nos pequenos. Assim, a alma que se dá a Deus dedica às coisas menores o mesmo fervor que às maiores.

Por volta dos primeiros anos da década de 40, eu ia muito a Valência. Não tinha então nenhum meio humano e, com os que - como vocês agora - se reuniam com este pobre sacerdote, fazia oração onde podíamos, algumas tardes numa praia solitária. Como os primeiros amigos do Mestre, lembras-te? S. Lucas escreve que, ao sair de Tiro com Paulo, a caminho de Jerusalém, acompanharam-nos todos, com as suas mulheres e filhos até fora da cidade e ajoelhados na praia fizemos oração .

Pois um dia, ao fim da tarde, durante um daqueles pores do Sol maravilhosos vimos que uma barca se aproximava da beira-mar e que saltaram para terra uns homens morenos, fortes como rochas, molhados, de tronco nu, tão queimados pela brisa que pareciam de bronze. Começaram a tirar da água a rede que traziam arrastada pela barca, repleta de peixes brilhantes como a prata. Puxavam com muito brio, os pés metidos na areia, com uma energia prodigiosa. De repente veio uma criança, muito queimada também, aproximou-se da corda, agarrou-a com as mãozinhas e começou a puxar com evidente falta de habilidade. Aqueles pescadores rudes, nada refinados, devem ter sentido o coração estremecer e permitiram que aquele pequeno colaborasse; não o afastaram, apesar de ele estorvar em vez de ajudar.

Pensei em vocês e em mim; em vocês, que ainda não conhecia e em mim; nesse puxar pela corda todos os dias, em tantas coisas. Se nos apresentarmos diante de Deus Nosso Senhor como esse pequeno, convencidos da nossa debilidade mas dispostos a cumprir os seus desígnios, alcançaremos a meta mais facilmente: arrastaremos a rede até à beira-mar, repleta de frutos abundantes, porque onde as nossas forças falham, chega o poder de Deus.

Procuremos fomentar no fundo do coração um desejo ardente, um empenho grande por alcançar a santidade, apesar de nos vermos cheios de misérias. Não se assustem; à medida que se avança na vida interior, conhecem-se com mais clareza os defeitos pessoais. O que acontece é que a ajuda da graça se transforma como que numa lente de aumentar e o mais pequeno cotão, o grãozinho de areia quase imperceptível aparecem com dimensões gigantescas, porque a alma adquire a finura divina e até a sombra mais pequena incomoda a consciência, que só gosta da limpeza de Deus. Diz-lhe agora, do fundo do coração: Senhor, a sério que quero ser santo, a sério que quero ser um teu discípulo digno e seguir-te sem condições. E depois, hás-de propor a ti próprio a intenção de renovar diariamente os grandes ideais que te animam nestes momentos.

Jesus, se nós, que nos reunimos no teu Amor, fôssemos perseverantes! Se conseguíssemos traduzir em obras esses anseios de santidade que Tu próprio despertas nas nossas almas! Perguntemo-nos a nós próprios com frequência: para que estou eu na terra? E assim hão-de procurar acabar perfeitamente - com muita caridade - as tarefas que empreenderem em cada dia e cuidar das coisas pequenas. Debrucemo-nos sobre o exemplo dos santos: pessoas como nós, de carne e osso, com fraquezas e debilidades, que souberam vencer e vencer-se por amor de Deus; consideremos a sua conduta e - como as abelhas que destilam de cada flor o néctar mais precioso - aproveitemo-nos das suas lutas. Assim também havemos de aprender a descobrir muitas virtudes nos que nos rodeiam - dão-nos lições de trabalho, de abnegação, de alegria… - sem nos determos demasiado nos seus defeitos; só quando for imprescindível, para os ajudar com a correcção fraterna.

O colírio da nossa própria fraqueza

Se vos examinardes com valentia na presença de Deus, vós, tal como eu, sentir-vos-eis diariamente carregados de muitos erros. Quando lutamos por arrancá-los com a ajuda divina, carecem de verdadeira importância e podem ser superados, embora pareça que nunca conseguimos desarraigá-los totalmente. Além disso, independentemente dessas fraquezas, tu contribuirás para remediar as grandes deficiências dos outros, sempre que te empenhares em corresponder à graça de Deus. Reconhecendo-te tão fraco como eles - capaz de todos os erros e de todos os horrores - serás mais compreensivo, mais delicado e, ao mesmo tempo, mais exigente, para que todos nos decidamos a amar a Deus com o coração inteiro.

Nós, os cristãos, os filhos de Deus, temos de prestar assistência aos outros, pondo em prática honradamente o que aqueles hipócritas retorcidamente elogiavam ao Mestre: Não olhas à condição das pessoas. Isto é, havemos de rejeitar por completo a acepção de pessoas - interessam-nos todas as almas! - embora, logicamente, devamos começar por ocupar-nos daquelas que, por esta ou aquela circunstância, e até só por motivos aparentemente humanos, Deus colocou ao nosso lado.

Sempre que sentimos no nosso coração desejos de melhorar, de responder mais generosamente ao Senhor, e procuramos um guia, um norte claro para a nossa existência cristã, o Espírito Santo traz à nossa memória as palavras do Evangelho: importa orar sempre e não cessar de o fazer.

A oração é o fundamento de todo o trabalho sobrenatural; com a oração somos omnipotentes; se prescindíssemos deste recurso, nada conseguiríamos.

Eu gostaria que hoje, na nossa meditação, nos persuadíssemos definitivamente da necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas no meio do mundo e do trabalho, com uma conversa contínua com o nosso Deus, a qual não deve esmorecer ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, este é o único caminho.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
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