Lista de pontos

Há 4 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Luta ascética  → começar e recomeçar.

Vamos considerar, durante alguns instantes, os textos desta Missa de Terça-Feira de Paixão, para aprendermos a distinguir o endeusamento bom do endeusamento mau. Vamos falar de humildade, porque esta é a virtude que nos ajuda a conhecer simultaneamente a nossa miséria e a nossa grandeza.

A nossa miséria salta à vista com demasiada evidência. Não me refiro às limitações naturais: a tantas aspirações grandes com as quais o homem sonha e que porventura nunca conseguirá realizar, mesmo que seja só por falta de tempo. Penso em tudo o que fazemos mal, nas quedas, nos erros que poderiam evitar-se e não se evitam. Estamos a experimentar constantemente a nossa ineficácia. Mas, às vezes, parece que todas estas coisas se juntam e se nos manifestam com um relevo maior, para que nos apercebamos de quão pouco somos. Que fazer?

Expecta Dominum, espera no Senhor; vive de esperança, sugere-nos a Igreja, com amor e com fé. Viriliter age , porta-te varonilmente. Que importa que sejamos criaturas de lodo, se temos a esperança posta em Deus? E se alguma vez a alma sofre uma queda, um retrocesso - não é necessário que isso aconteça - aplica-se-lhe o remédio, como se procede normalmente com a saúde do corpo, e recomeça-se de novo!

Não reparastes como as famílias que possuem alguma peça frágil e decorativa de valor - um jarrão, por exemplo - o rodeiam de cuidados para que não se quebre? Até que um dia, o menino, ao brincar, atira-o ao chão e aquela recordação preciosa parte-se em bocados. O desgosto é grande, mas logo a seguir procura-se arranjá-lo. Recompõe-se, colam-se os pedaços com todo o cuidado e, uma vez restaurado, fica tão bonito como dantes.

No entanto, se o objecto é de louça ou simplesmente de barro cozido, habitualmente bastam uns gatos, uns arames de ferro ou de outro metal, que mantêm unidos os bocados. E a peça, assim reparada, ganha um encanto original.

Levemos isto à vida interior. Perante as nossas misérias e os nossos pecados, perante os nossos erros - mesmo que sejam, pela graça de Deus, de pouca monta - recorramos à oração e digamos ao nosso Pai: Senhor, na minha pobreza, na minha fragilidade, neste meu barro de vasilha quebrada, põe-me, Senhor, uns gatos e - com a minha dor e o Teu perdão - serei mais forte e mais gracioso do que dantes! Uma oração consoladora para a repetirmos quando se parta este nosso pobre barro.

Não nos admiremos por sermos tão fracos; não fiquemos chocados pelo facto de verificarmos que quebramos por coisas de nada. Confiemos no Senhor, que tem sempre auxílio preparado: o Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?. A ninguém. Tratando deste modo com o nosso Pai do Céu, não sintamos medo de ninguém nem de nada.

Recordo-vos que, se formos sinceros, se nos mostrarmos tal como somos, se nos endeusarmos com humildade, não com soberba, vós e eu manter-nos-emos sempre seguros em qualquer ambiente. Poderemos falar sempre de vitórias e chamar-nos-emos vencedores, com essas íntimas vitórias do amor de Deus que nos trazem a serenidade, a felicidade da alma, a compreensão.

A humildade animar-nos-á a levar a cabo grandes trabalhos, com a condição de não perdermos de vista a consciência da nossa pequenez e de ir aumentando, um pouco mais cada dia, a convicção da nossa pobre indigência. Admite sem vacilares que és um servidor obrigado a fazer um grande número de serviços. Não te pavoneies por seres chamado filho de Deus - reconheçamos a graça, mas não esqueçamos a nossa natureza-; não te envaideças, se serviste bem, porque cumpriste o que tinhas a fazer. O sol efectua a sua tarefa, a lua obedece; os anjos desempenham o seu papel. O instrumento escolhido pelo Senhor para os gentios, diz: eu não mereço o nome de Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus (1 Cor XV, 9)… Por isso, não procuremos nós ser louvados por nós mesmos, por méritos nossos, aliás sempre mesquinhos.

Que importa tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos levanta de novo e nos impulsiona a prosseguir com renovado alento? Não esqueçais que santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa persistência. Se no livro dos Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes ao dia, tu e eu - pobres criaturas - não nos devemos estranhar nem desalentar perante as misérias pessoais, perante os nossos tropeços, porque continuaremos em frente, se procurarmos a fortaleza n'Aquele que nos prometeu: Vinde a mim todos os que andais cansados e oprimidos, que eu vos aliviarei. Obrigado, Senhor, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu Deus, a minha fortaleza, o meu refúgio, o meu apoio.

Se verdadeiramente desejas progredir na vida interior, sê humilde. Recorre constantemente, confiadamente, à ajuda do Senhor e de sua Mãe bendita, que é também a tua Mãe. Com serenidade, tranquilo, por muito que te doa a ferida ainda não sarada da tua última queda, abraça de novo a cruz e diz: Senhor, com o teu auxílio lutarei para não parar, responderei fielmente aos teus convites, sem temer as encostas íngremes, nem a aparente monotonia do trabalho habitual, nem os cardos e pedras do caminho. Sei que a tua misericórdia me assiste e que, no fim, acharei a felicidade eterna, a alegria e o amor pelos séculos em fim.

Depois, durante o mesmo sonho, aquele escritor descobria um terceiro itinerário: estreito, também semeado de asperezas e encostas duras como o segundo. Por ali avançavam alguns no meio de mil dificuldades com gesto solene e majestoso. Contudo, acabavam no mesmo precipício horrível a que levava o primeiro caminho. É o caminho que percorrem os hipócritas, os que não têm rectidão de intenção, os que se movem por um falso zelo, os que pervertem as obras divinas ao misturá-las com egoísmos temporais. É uma loucura lançar-se num empreendimento custoso com o fim de ser admirado; guardar os Mandamentos de Deus à custa de um árduo esforço, mas aspirar a uma recompensa terrena. Aquele que com o exercício das virtudes pretende benefícios humanos é como o que faz um mau negócio, vendendo um objecto precioso por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, em contrapartida, contenta-se com um louvor efémero… Por isso se diz que as esperanças dos hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la e, no fim, o vento da morte leva-a com um sopro .

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura