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Há 5 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Amor de Deus → liberta o homem.

Perguntemo-nos de novo, na presença de Deus: Senhor, para que nos deste este poder? Porque depositaste em nós esta faculdade de Te escolher ou de Te rejeitar? Tu desejas que usemos acertadamente esta nossa capacidade. Senhor, que queres que eu faça? A resposta é diáfana e precisa: amarás o Senhorteu Deuscom todo o teu coração e comtoda a tua alma e com toda a tua mente .

Vêem? A liberdade adquire o seu sentido autêntico quando se exerce ao serviço da verdade que resgata, quando se gasta a procurar o amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões. Aumentam cada vez mais os meus desejos de anunciar em altos brados esta insondável riqueza do cristão: a liberdade da glória dos filhos de Deus! Nisso se resume a boavontade que nos ensina a seguir o bem, depois de o distinguir do mal.

Gostaria que meditássemos num ponto fundamental que nos situa perante a responsabilidade da nossa consciência. Ninguém pode escolher por nós: eis o grau supremo da dignidade dos homens:que, por si mesmose não por outros, se dirijam para o bem . Muitos de nós herdámos dos nossos pais a fé católica e, por graça de Deus, quando recém-nascidos recebemos o Baptismo, começou na alma a vida sobrenatural. Mas temos de renovar ao longo da nossa existência - e mesmo ao longo de cada dia - a determinação de amar a Deus sobre todas as coisas. É cristão, digo, verdadeiro cristão, aquele que se submete ao império do único Verbo de Deus, sem impor condições a esse acatamento, disposto a resistir à tentação diabólica com a mesma atitude de Cristo: Adorarás o Senhor teu Deus e sóa Ele servirás .

Responsáveis perante Deus

Deus fez o homem desde o princípio e deixou-o nas mãos do seu livre arbítrio (Ecli 15, 14). Isto não sucederia se não tivesse capacidade de fazer uma escolha livre. Somos responsáveis perante Deus por todas as acções que realizamos livremente. Não há anonimatos; o homem encontra-se perante o seu Senhor e está na sua vontade decidir-se a viver como amigo ou como inimigo. Assim começa o caminho da luta interior, que é empresa para toda a vida, porque enquanto dura a nossa passagem pela terra ninguém alcança a plenitude da sua liberdade.

Além disso, a nossa fé cristã leva-nos a garantir a todos um clima de liberdade, começando por afastar qualquer tipo de enganosas coacções na apresentação da fé. Se somos arrastados para Cristo, cremos sem querer; então usa-se aviolência, não a liberdade. Sem querer podemos entrar na Igreja; sem querer podemos aproximar-nos do altar; podemos,sem querer, receber o Sacramento. Mas só pode crer aquele que o quer. E é evidente que, tendo chegado à idade da razão, se requer a liberdade pessoal para entrar na Igreja e para corresponder aos contínuos chamamentos que Nosso Senhor nos dirige.

Na parábola dos convidados para o banquete, o pai de família, depois de tomar conhecimento de que alguns dos que deveriam comparecer na festa se tinham desculpado com razões sem razão, ordena ao criado: vai pelos caminhos e ao longo dos cercados e força a vir - compelle intrare -aqueles que encontrares. Não é isto coacção? Não é usar de violência contra a legítima liberdade de cada consciência?

Se meditarmos o Evangelho e ponderarmos os ensinamentos de Jesus, não confundiremos essas ordens com a coacção. Vejam como Cristo insinua sempre: se queres ser perfeito…, se alguém quer vir atrás de mim… Esse compelle intrare não implica violência física nem moral; é reflexo do ímpeto do exemplo cristão, que mostra no seu proceder a força de Deus. Vede como o Pai atrai: deleita ensinando; não impondo a necessidade. Assimatrai a Si .

Quando se respira esse ambiente de liberdade, entende-se claramente que actuar mal não é uma libertação, mas uma escravidão. Quem peca contra Deus conserva o livre arbítrio relativamente à liberdade de coacção, mas perdeu-o em relação à liberdade de culpa . Talvez declare que procedeu de acordo com as suas preferências, mas não conseguirá pronunciar o nome da verdadeira liberdade, porque se fez escravo daquilo por que se decidiu e decidiu-se pelo pior, pela ausência de Deus, e aí não há liberdade.

Repito: não aceito outra escravidão senão a do Amor de Deus. E isto porque, como já tenho comentado noutras ocasiões, a religião é a maior rebeldia do homem, que não tolera viver como um animal, que não se conforma - não sossega - enquanto não ganha intimidade e conhece o Criador. Quero-os rebeldes, livres de todas os laços, porque os quero - Cristo quer-nos! - filhos de Deus. Escravidão ou filiação divina: eis o dilema da nossa vida. Ou filhos de Deus ou escravos da soberba, da sensualidade, desse egoísmo angustiante em que tantas almas parecem debater-se.

O Amor de Deus marca o caminho da verdade, da justiça, do bem. Quando nos decidimos a responder a Nosso Senhor: a minha liberdade para Ti, encontramo-nos libertos de todas as cadeias que nos atavam a coisas sem importância, a preocupações ridículas, a ambições mesquinhas. E a liberdade - tesouro incalculável, pérola maravilhosa que seria triste lançar aos animais - emprega-se inteiramente em aprender a fazer o bem.

Esta é a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Os cristãos amedrontados - coibidos ou invejosos - na sua conduta, perante a libertinagem dos que não aceitam a Palavra de Deus, demonstram ter um conceito miserável da nossa fé. Se cumprirmos verdadeiramente a Lei de Cristo - se nos esforçarmos por cumpri-la, porque nem sempre o conseguiremos - descobrir-nos-emos dotados dessa maravilhosa elegância de espírito, que não precisa de ir buscar a outro sítio o sentido da mais plena dignidade humana.

A nossa fé não é uma carga, nem uma limitação. Que pobre ideia da verdade cristã manifestaria quem assim pensasse! Ao decidirmo-nos por Deus não perdemos nada; ganhamos tudo. Quem, à custa da sua alma, conserva a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, voltará a achá-la.

Tirámos a carta que ganha, conseguimos o primeiro prémio. Quando alguma coisa nos impedir de ver isto com clareza, examinemos o interior da nossa alma. Talvez haja pouca fé, pouca intimidade pessoal com Deus, pouca vida de oração. Temos de pedir a Nosso Senhor - através de sua Mãe e nossa Mãe - que aumente em nós o seu amor, que nos conceda saborear a doçura da sua presença; porque só quando se ama se chega à mais plena liberdade: a de jamais querer abandonar, por toda a eternidade, o objecto dos nossos amores.

Libertar-vos-ei do cativeiro, ondequer que estiverdes. Livramo-nos da escravidão com a oração: sabemo-nos livres, voando num epitalâmio de alma enamorada, num cântico de amor, que nos leva a desejar não nos afastarmos de Deus… Um novo modo de andar na terra, um modo divino, sobrenatural, maravilhoso! Recordando tantos escritores quinhentistas castelhanos, talvez nos agrade saborear frases como esta: Eu vivo, porque não vivo; é Cristo que vive em mim.

Aceita-se com todo o gosto a necessidade de trabalhar neste mundo, durante muitos anos, porque Jesus tem poucos amigos cá em baixo. Não recusemos a obrigação de viver, de nos gastarmos - bem espremidos- ao serviço de Deus e da Igreja. Desta maneira, em liberdade: in libertatem gloriae filiorum Dei, qua libertate Christus nos liberavit; com a liberdade dos filhos de Deus, que Jesus Cristo nos alcançou morrendo no madeiro da Cruz.