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Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Serviço.

Cumpriu a vontade de Seu Pai Deus

Não me afasto da mais rigorosa verdade se vos digo que Jesus continua agora a buscar pousada no nosso coração. Temos de Lhe pedir perdão pela nossa cegueira pessoal, pela nossa ingratidão. Temos de Lhe pedir a graça de nunca mais Lhe fechar a porta das nossas almas.

O Senhor não nos oculta que a obediência rendida à vontade de Deus exige renúncia e entrega porque o amor não pede direitos: quer servir. Ele percorreu primeiro o caminho. Jesus, como obedecestes Tu? Usque ad mortem, mortem autem crucis, até à morte e morte de Cruz. É preciso sair de nós mesmos, complicar a vida, perdê-la por amor de Deus e das almas… Tu querias viver e que nada te acontecesse; mas Deus quis outra coisa… Existem duas vontades: a tua vontade deve ser corrigida para se identificar com a vontade de Deus, e não torcida a de Deus para se acomodar à tua.

Com alegria, tenho visto muitas almas que jogaram a vida - como Tu, Senhor, "usque ad mortem"! - para cumprir o que a vontade de Deus lhes pedia, dedicando os seus esforços e o seu trabalho profissional ao serviço da Igreja, pelo bem de todos os homens.

Aprendamos a obedecer, aprendamos a servir. Não há maior fidalguia do que entregar-se voluntariamente ao serviço dos outros. Quando sentimos o orgulho que referve dentro de nós, a soberba que nos leva a pensar que somos super-homens, é o momento de dizer que não, de dizer que o nosso único triunfo há-de ser o da humildade. Assim nos identificaremos com Cristo na Cruz, não aborrecidos ou inquietos, nem com mau humor, mas alegres, porque essa alegria, o esquecimento de nós mesmos, é a melhor prova de amor.

Para servir, servir

Para viver assim, para santificar a profissão, é necessário, primeiro que tudo, trabalhar bem, com seriedade humana e sobrenatural. Quero recordar-vos agora, por contraste, o que conta um dos antigos relatos dos evangelhos apócrifos: O Pai de Jesus, que era carpinteiro, fazia arados e jugos. Uma vez - continua a narração - foi-lhe encomendada uma cama, por certa pessoa de boa posição. Mas aconteceu que um dos varais era mais curto que o outro, pelo que José não sabia o que fazer. Então o Menino Jesus disse ao seu Pai: põe os dois paus no chão e acerta-os por uma extremidade. Assim fez José. Jesus põe-se do outro lado, pegou no varal mais curto e esticou-o, deixando-o tão comprido como o outro. José, seu Pai, ficou cheio de admiração ao ver o prodígio e encheu o Menino de abraços e beijos dizendo: ditoso de mim, porque Deus me deu este Menino

José, não daria graças a Deus por estes motivos; o seu trabalho não podia ser assim. S. José não é o homem das soluções fáceis e milagreiras, mas o homem da perseverança, do esforço e, quando é necessário, do engenho. O cristão sabe que Deus faz milagres; que os realizou há séculos, que continuou a fazê-los depois e que continua a fazê-los agora, porque non est abbreviata manus Domini, não diminuiu o poder de Deus.

Mas os milagres são uma manifestação da omnipotência salvadora de Deus, e não um expediente para resolver as consequências da inépcia ou para facilitar o nosso comodismo. O milagre que o Senhor vos pede é a perseverança na nossa vocação cristã e divina, a santificação do trabalho de cada dia: o milagre de converter a prosa diária em decassílabos, em verso heróico, pelo amor com que realizais a vossa ocupação habitual. Aí vos espera Deus para que sejais almas com sentido de responsabilidade, com zelo apostólico, com competência profissional.

Assim, como lema para o vosso trabalho, posso indicar-vos este: para servir, servir. Porque para fazer as coisas, é necessário, em primeiro lugar, saber concluí-las. Não acredito na rectidão da intenção de quem não se esforça por conseguir a competência necessária para cumprir bem os trabalhos de que está encarregado. Não basta querer fazer o bem; é preciso saber fazê-lo. E, se queremos realmente, esse desejo traduzir-se-á no empenho por utilizar os meios adequados para fazer as coisas bem acabadas, com perfeição humana.

Além disso, esse serviço humano, essa capacidade a que poderíamos chamar técnica, saber realizar o nosso ofício, deve ter uma característica que foi fundamental no trabalho de S. José e que devia ser fundamental em todo o cristão: o espírito de serviço, o desejo de trabalhar para contribuir para o bem dos outros homens. O trabalho de S. José não foi um trabalho que visasse a auto-afirmação, embora a dedicação de uma vida laboriosa tenha forjado nele uma personalidade madura, bem delineada. O Santo Patriarca trabalhava com a consciência de cumprir a vontade de Deus, pensando no bem dos seus, Jesus e Maria, e tendo presente o bem de todos os habitantes da pequena Nazaré.

Em Nazaré José era um dos poucos artesãos da terra, se não era o único. Possivelmente, carpinteiro. E, como é costume nas pequenas povoações, também era capaz de fazer outras coisas: pôr a funcionar um moinho que não funcionava ou arranjar, antes do inverno, as fendas de um tecto. José tirava muita gente de apuros, certamente com um trabalho bem acabado.

O seu trabalho profissional era uma ocupação orientada para o serviço, para tornar agradável a vida das outras famílias da aldeia, acompanhada de um sorriso, de uma palavra amável, de um comentário feito como que de passagem, mas que devolve a fé e a alegria a quem está a ponto de perdê-las.

O pão e a ceifa: comunhão com todos os homens

Jesus, dizia-vos no começo, é o semeador. E por intermédio dos cristãos continua a sua sementeira divina. Cristo aperta o trigo nas suas mãos chagadas, embebe-o com o seu sangue, limpa-o, purifica-o e lança-o no sulco que é o mundo. Lança os grãos um a um, para que cada cristão, no seu próprio ambiente, dê testemunho da fecundidade da Morte e da Ressurreição do Senhor.

Se estamos nas mãos de Cristo, devemos impregnar-nos do seu Sangue redentor, deixar-nos lançar ao vento, aceitar a nossa vida tal como Deus a quer. E convencer-nos de que a semente, para frutificar, tem que se enterrar e morrer. Depois ergue-se o caule e surge a espiga. Da espiga, o pão, que será convertido por Deus no Corpo de Cristo. Dessa forma voltaremos a reunir-nos em Jesus, que foi o nosso semeador. Visto que há um só pão, nós, embora muitos formamos um só corpo, nós todos que participamos de um mesmo pão.

Nunca percamos de vista que não há fruto se antes não houve sementeira: por isso é preciso difundir generosamente a Palavra de Deus, fazer com que os homens conheçam Cristo e que, ao conhecê-Lo, tenham fome d'Ele. Esta festa do Corpus Christi - Corpo de Cristo, Pão da vida é uma boa ocasião para meditar na fome de verdade, de justiça, de unidade e de paz que se adverte nos homens. Perante a fome de paz, teremos de repetir com S. Paulo: Cristo é a nossa paz, pax nostra. Os desejos de verdade hão-de levar-nos a recordar que Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Aos que procuram a unidade, temos de colocá-los perante Cristo, que pede que estejamos consummati in unum, consumados na unidade. A fome de justiça deve conduzir-nos à fonte originária da concórdia entre os homens: ser e saber-se filhos do Pai, irmãos.

Paz, verdade, unidade, justiça. Que difícil parece por vezes o trabalho de superar as barreiras, que impedem o convívio entre os homens! E contudo nós, os cristãos somos chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade: conseguir, com a graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando uns as cargas dos outros,vivendo o mandamento do Amor, que é o vínculo da perfeição e o resumo da lei.

ão deixemos de reparar que fica ainda muito por fazer. Em determinada ocasião, talvez contemplando o suave movimento das espigas já gradas, disse Jesus aos seus discípulos: A messe é grande mas os operários são poucos. Rogai pois ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe. Como então, também agora faltam homens que queiram suportar o peso do dia e do calor . E se nós, os que trabalhamos, não formos fiéis, acontecerá o que escreveu o profeta Joel: destruída a colheita a terra ficou de luto: porque o trigo está seco, o vinho arruinado, o azeite perdido. Confundi-vos, lavradores; gritai, vinhateiros, pelo trigo e pela cevada. Não há colheita.

Não há colheita, quando não se está disposto a aceitar generosamente o trabalho constante, que pode tornar-se longo e fatigante: lavrar a terra, semear, cuidar do campo, fazer a ceifa e a debulha… Na história, no tempo, edifica-se o Reino de Deus. O Senhor confiou-nos a todos essa tarefa e ninguém se pode sentir dispensado dela. Ao adorarmos e contemplarmos hoje Cristo na Eucaristia, pensemos que ainda não chegou a hora do descanso, porque a jornada continua.

Está dito no livro dos Provérbios: quem lavrar a sua campina terá pão em abundância. Tiremos a lição espiritual destas palavras: quem não lavra o terreno de Deus, quem não é fiel à missão divina de se entregar aos outros, ajudando-os a conhecer Cristo, dificilmente conseguirá entender o que é o Pão eucarístico. Ninguém gosta daquilo que não lhe custou esforço. Para apreciar e amar a Sagrada Eucaristia, é preciso percorrer o caminho de Jesus; sermos trigo, morrermos para nós próprios, ressuscitarmos cheios de vida e darmos fruto abundante: cem por um!

Esse caminho resume-se numa única palavra: amar. Amar é ter o coração grande, sentir as preocupações dos que estão à nossa volta, saber perdoar e compreender: sacrificar-se, com Jesus Cristo, por todas as almas. Se amamos com o coração de Cristo, aprenderemos a servir, e defenderemos a verdade claramente e com amor. Para amar desta maneira, é preciso que cada um expulse da sua vida tudo o que estorva a Vida de Cristo em nós: o apego à nossa comodidade, a tentação do egoísmo, a tendência à exaltação pessoal. Só reproduzindo em nós a Vida de Cristo, poderemos transmiti-la aos outros; só experimentando a morte do grão de trigo, poderemos trabalhar nas entranhas da terra, transformá-la por dentro, torná-la fecunda.