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Há 5 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Serviço.

Quando se aproxima o momento da sua Paixão e Jesus quer mostrar de um modo gráfico a sua realeza, entra triunfalmente em Jerusalém, montado num burrico! Estava escrito que o Messias havia de ser um rei de humildade: Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei vem a ti manso, montado sobre uma jumenta e o jumentinho, filho da que leva o jugo.

Agora, na Última Ceia, Cristo preparou tudo para se despedir dos seus discípulos, enquanto estes se envolviam pela centésima vez na disputa sobre quem seria o maior desse grupo escolhido. Jesus levantou-se da mesa, depôs o seu manto e, pegando numa toalha, cingiu-se. Depois lançou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a limpar-lhos com a toalha com que estava cingido .

Pregou de novo com o exemplo, com obras. Diante dos discípulos, que discutiam por motivos de soberba e de vanglória, Jesus inclina-se e cumpre gostosamente o trabalho próprio de um servo. Depois, quando volta para a mesa, comenta: Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, pois, que sou o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, deveis também lavar-vos os pés uns aos outros. A mim comove-me esta delicadeza do nosso Cristo, porque não afirma: se eu faço isto, quanto mais deveis fazer vós! Coloca-se ao mesmo nível, não coage: fustiga amorosamente a falta de generosidade daqueles homens.

Como aos primeiros doze, o Senhor também nos pode insinuar a nós, como de facto nos insinua continuamente: exemplum dedi vobis, dei-vos exemplo de humildade. Converti-me em servo, para que vós saibais, com coração manso e humilde, servir todos os homens.

Não deis o mínimo crédito aos que apresentam a virtude da humildade como um amesquinhamento humano ou como uma condenação perpétua à tristeza. Sentir-se barro, recomposto com gatos, é fonte contínua de alegria; significa reconhecer-se pouca coisa diante de Deus: criança, filho. E haverá maior alegria do que a daquele que, sabendo-se pobre e débil, se sabe também filho de Deus? Porque é que nós, homens, nos entristecemos? Porque a vida na terra, não se passa como nós, pessoalmente, esperávamos e porque surgem obstáculos que impedem ou dificultam a satisfação do que pretendemos.

Nada disto acontece quando a alma vive essa realidade sobrenatural da sua filiação divina. Se Deus é por nós, quem será contra nós. Que estejam tristes os que se empenham em não se reconhecerem filhos de Deus, tenho eu repetido sempre.

Para terminar, descobrimos na liturgia de hoje duas petições que hão-de sair como setas, da nossa boca e do nosso coração: concede-nos, Senhor todo-poderoso, que realizando sempre os divinos mistérios mereçamos abeirar-nos dos dons celestiais. E, pedimos-Te, Senhor, que nos deixes servir-Te constantemente segundo a tua vontade. Servir, servir, filhos meus, é o que é próprio de nós. Sermos criados de todos, para que nos nossos dias o povo fiel aumente em mérito e número.

Com esta perspectiva, convencei-vos de que, se desejamos deveras seguir o Senhor de perto e prestar um serviço autêntico a Deus e a toda a humanidade, temos de estar seriamente desprendidos de nós próprios: dos dons da inteligência, da saúde, da honra, das ambições nobres, dos triunfos, dos êxitos.

Refiro-me também - porque até aí deve chegar a tua decisão - a esses afãs limpos com que procuramos exclusivamente dar toda a glória a Deus e louvá-lo, ajustando a nossa vontade a esta norma clara e precisa: Senhor, quero isto ou aquilo só se te agrada a Ti, porque se não, a mim, que me interessa? Assestamos assim um golpe mortal no egoísmo e na vaidade que serpenteiam em todas as consciências. E conseguimos também a verdadeira paz para as nossas almas com um desprendimento que nos leva a possuir Deus, de forma cada vez mais íntima e mais intensa.

Para imitar Jesus, o coração tem de estar inteiramente livre de apegos. Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á. Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois perde a sua alma? E comenta S. Gregório: não nos bastaria viver desprendidos das coisas, se não renunciássemos também a nós próprios. Mas… aonde iremos fora de nós? Quem é o que renuncia, se a si mesmo se deixa?

Sabei que é diferente a nossa situação enquanto caídos pelo pecado e enquanto formados por Deus. Fomos criados de uma forma e encontramo-nos noutra diferente por causa de nós mesmos. Renunciemos a nós próprios, naquilo em que nos convertemos pelo pecado e mantenhamo-nos como fomos constituídos pela graça. Assim, se o que foi soberbo, convertendo-se a Cristo, se torna humilde, já renunciou a si mesmo; se um luxurioso se converte a uma vida continente, também renunciou a si próprio naquilo que era antes; se um avarento deixa de o ser e, em vez de se apoderar do alheio, começa a ser generoso com o que lhe pertence, certamente se negou a si próprio.

Pai… não os tires do mundo

Somos homens da rua, cristãos correntes, metidos na corrente circulatória da sociedade e o Senhor quer-nos santos, apostólicos, precisamente no nosso trabalho profissional, isto é, santificando-nos nesse trabalho, santificando esse trabalho e ajudando os outros a santificarem--se com esse trabalho. Convencei-vos de que Deus vos espera nesse ambiente, com solicitude de Pai, de Amigo. Pensai que com a vossa actividade profissional realizada com responsabilidade, além de vos sustentardes economicamente, prestais um serviço directíssimo ao desenvolvimento da sociedade, aliviais as cargas dos outros e ajudais a manter muitas obras assistenciais - a nível local e universal - em prol dos indivíduos e dos povos mais desfavorecidos.

Há muitos anos - mais de vinte e cinco - eu costumava passar por um refeitório de caridade, para mendigos que não comiam em cada dia outro alimento senão o que ali lhes davam. Tratava-se de um local grande, entregue aos cuidados de um grupo de senhoras bondosas. Depois da primeira distribuição, acudiam outros mendigos, para recolher as sobras. Entre os deste segundo grupo houve um que me chamou a atenção: era proprietário de uma colher de lata! Tirava-a cuidadosamente do bolso, com avareza, olhava-a com satisfação e, quando acabava de saborear a sua ração, voltava a olhar para a colher com uns olhos que gritavam: é minha! Dava-lhe duas lambedelas para a limpar e guardava-a de novo, satisfeito, nas pregas dos seus andrajos. Efectiva mente era sua! Um pobre miserável que, entre aquela gente, companheira de desventura, se considerava rico.

Por essa altura, conhecia também uma senhora com título nobiliárquico, Grande de Espanha. Isto não conta nada diante de Deus: somos todos iguais, todos filhos de Adão e Eva, criaturas débeis, com virtudes e com defeitos, capazes dos piores crimes, se o senhor nos abandona. Desde que Cristo nos redimiu, não há diferença de raça, nem de língua, nem de cor, nem de estirpe, nem de riquezas… Somos todos filhos de Deus. Essa pessoa de que vos falo agora residia numa casa solarenga, mas não gastava consigo mesma nem duas pesetas por dia. Por outro lado, pagava muito bem aos seus empregados e o resto destinava-o a ajudar os necessitados, passando ela própria privações de todo o género. A esta mulher não lhe faltavam muitos desses bens que tantos ambicionam, mas ela era pessoalmente pobre, muito mortificada, completamente desprendida de tudo. Compreendestes bem? Aliás, basta escutar as palavras do Senhor: bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus.

Se desejas alcançar esse espírito, aconselho-te a que sejas sóbrio contigo e muito generoso com os outros. Evita os gastos supérfluos por luxo, por capricho, por vaidade, por comodidade…; não cries necessidades. Numa palavra, aprende com S. Paulo a viver na pobreza e a viver na abundância, a ter fartura e a passar fome, a ter de sobra e a padecer necessidade. Tudo posso naquele que me conforta. E, como o Apóstolo, também sairemos vencedores da luta espiritual, se mantivermos o coração desapegado, livre de ataduras.

Todos os que viemos a esta luta da fé, diz S. Gregório Magno, tomamos a nosso cargo lutar contra os espíritos malignos. Os demónios nada possuem neste mundo e, portanto, assim como eles se apresentam nus à peleja, também nós devemos lutar nus. Porque, se alguém vestido lutar com outro sem roupa, depressa será derrubado, pois o seu inimigo tem por onde o agarrar. E que são as coisas da terra senão uma espécie de indumentária?