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Há 3 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Virtudes → exercício diário e heroico.

Não se apaga da minha memória uma ocasião - já passou muito tempo - em que fui rezar à Catedral de Valência e passei defronte da sepultura do Venerável Ridaura. Contaram-me então que perguntavam a este sacerdote, quando já era muito idoso: quantos anos tem? Ele, muito convencido, respondia-lhes em valenciano: poquets, pouquinhos! os que passei a servir a Deus. Para muitos de vocês ainda se contam pelos dedos de uma mão os anos que passaram desde que se decidiram a ter mais intimidade com Nosso Senhor, a servi-lo no meio do mundo, no próprio ambiente e através da própria profissão ou ofício. Este pormenor não tem muita importância; pelo contrário, interessa gravarmos a fogo na alma que o convite à santidade, feito por Jesus Cristo a todos os homens sem excepção, exige que cada um de nós cultive a vida interior, exercite diariamente as virtudes cristãs; e não de uma maneira qualquer, nem acima do normal, nem sequer de um modo excelente: devemos esforçar-nos até ao heroísmo, no sentido mais forte e radical da expressão.

É bem certo que se trata de um objectivo elevado e árduo. Mas não se esqueçam de que o santo não nasce: forja-se no jogo contínuo da graça divina e da correspondência humana. Um dos escritores cristãos dos primeiros séculos adverte, referindo-se à união com Deus: Tudo o que se desenvolve começa por ser pequeno. Ao alimentar-se gradualmente, com constantes progressos, é que chega a ser grande. Por isso te digo que, se quiseres portar-te como um cristão coerente - sei que estás disposto a isso, embora te custe tantas vezes vencer-te ou puxar por esse pobre corpo - deves ter muito cuidado com os mais pequenos pormenores, porque a santidade que Nosso Senhor te exige atinge-se realizando com amor de Deus o trabalho e as obrigações de cada dia, que se compõem quase sempre de pequenas realidades.

Não vos oculto que, quando tenho que corrigir ou tomar uma decisão que fará sofrer alguém, padeço antes, durante e depois; e não sou um sentimental. Consola-me pensar que só os animais não choram; nós, os homens, filhos de Deus, choramos. Sei que em determinados momentos, também vós tereis que sofrer, se vos esforçardes por levar a cabo fielmente o vosso dever. Não vos esqueçais de que é mais cómodo - mas é um descaminho - evitar o sofrimento a todo o custo, com o pretexto de não magoar o próximo; frequentemente o que se esconde por trás desta omissão é uma vergonhosa fuga ao sofrimento próprio, porque normalmente não é agradável fazer uma advertência séria a alguém. Meus filhos, lembrai-vos de que o inferno está cheio de bocas fechadas.

Estão a escutar-me vários médicos. Desculpai o meu atrevimento, se volto a usar um exemplo da medicina; talvez me escape algum disparate, mas serve para comparação ascética. Para curar uma ferida, primeiro limpa-se esta muito bem e inclusivamente ao seu redor, desde bastante distância. O médico sabe perfeitamente que isso dói, mas se omitir essa operação, depois doerá ainda mais. A seguir, põe-se logo o desinfectante; arde - pica, como dizemos na minha terra - mortifica, mas não há outra solução para a ferida não infectar.

Se para a saúde corporal é óbvio que se têm de tomar estas medidas, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância, nas coisas grandes da saúde da alma - nos pontos nevrálgicos da vida do ser humano - imaginai como será preciso lavar, como será preciso cortar, como será preciso limpar, como será preciso desinfectar, como será preciso sofrer! A prudência exige-nos intervir assim e não fugir ao dever, porque não o cumprir seria uma falta de consideração e inclusivamente um atentado grave, contra a justiça e contra a fortaleza.

Persuadi-vos de que um cristão, se pretende deveras proceder rectamente diante de Deus e dos homens, precisa de todas as virtudes, pelo menos em potência. Mas, perguntar-me-eis: Padre, o que diz das minhas fraquezas? Responder-vos-ei: Porventura um médico que está doente, mesmo que a sua doença seja crónica, não cura os outros? A sua doença impede-o de prescrever a outros doentes o tratamento adequado? É claro que não. Para curar, basta-lhe ter a ciência necessária e aplicá-la com o mesmo interesse com que combate a sua própria enfermidade.