Lista de pontos

Há 11 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Prudência → decisão e fortaleza.

Fortes e pacientes: serenos. Mas não com a serenidade daquele que compra a tranquilidade pessoal à custa de se desinteressar dos seus irmãos ou da grande tarefa, que corresponde a todos, de difundir ilimitadamente o bem por todo o mundo. Serenos, porque há sempre perdão, porque tudo tem remédio, menos a morte, e, para os filhos de Deus, a morte é vida. Serenos, ainda que seja só para poder actuar com inteligência: quem conserva a calma está em condições de reflectir, de estudar os prós e os contras de cada problema, de examinar judiciosamente os resultados das acções previstas. E depois, sossegadamente, pode intervir com decisão.

Continua o episódio evangélico: e enviaram discípulos seus (dos fariseus) juntamente com alguns herodianos, que lhe disseram: Mestre… vede com que intenção retorcida lhe chamam Mestre; fingem-se admiradores e amigos, dão-lhe um tratamento reservado à autoridade de quem se espera receber ensinamentos. Magister, scimus quia verax es, sabemos que és verdadeiro… Que astúcia tão infame! Já vistes maior duplicidade? Andai por este mundo com cuidado. Não sejais desconfiados; mas deveis sentir sobre os vossos ombros - recordando a imagem do Bom Pastor que aparece nas catacumbas - o peso dessa ovelha, que não é uma alma apenas, mas a Igreja inteira, a Humanidade inteira.

Ao mesmo tempo que aceitais com brio esta responsabilidade, haveis de ser audazes e haveis de ser prudentes para defender e proclamar os direitos de Deus. E então, pela integridade do vosso comportamento, muitos vos considerarão e vos chamarão mestres, sem vós o pretenderdes, pois não procuramos a glória terrena. Mas não estranheis se, entre tantos que se aproximam de vós, se infiltrarem alguns que só pretendem adular-vos. Gravai nas vossas almas o que me tendes ouvido repetidas vezes: nem as calúnias, nem as murmurações, nem os respeitos humanos, nem o que dirão, nem muito menos os louvores hipócritas nos hão-de impedir jamais de cumprir o nosso dever.

Não vos oculto que, quando tenho que corrigir ou tomar uma decisão que fará sofrer alguém, padeço antes, durante e depois; e não sou um sentimental. Consola-me pensar que só os animais não choram; nós, os homens, filhos de Deus, choramos. Sei que em determinados momentos, também vós tereis que sofrer, se vos esforçardes por levar a cabo fielmente o vosso dever. Não vos esqueçais de que é mais cómodo - mas é um descaminho - evitar o sofrimento a todo o custo, com o pretexto de não magoar o próximo; frequentemente o que se esconde por trás desta omissão é uma vergonhosa fuga ao sofrimento próprio, porque normalmente não é agradável fazer uma advertência séria a alguém. Meus filhos, lembrai-vos de que o inferno está cheio de bocas fechadas.

Estão a escutar-me vários médicos. Desculpai o meu atrevimento, se volto a usar um exemplo da medicina; talvez me escape algum disparate, mas serve para comparação ascética. Para curar uma ferida, primeiro limpa-se esta muito bem e inclusivamente ao seu redor, desde bastante distância. O médico sabe perfeitamente que isso dói, mas se omitir essa operação, depois doerá ainda mais. A seguir, põe-se logo o desinfectante; arde - pica, como dizemos na minha terra - mortifica, mas não há outra solução para a ferida não infectar.

Se para a saúde corporal é óbvio que se têm de tomar estas medidas, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância, nas coisas grandes da saúde da alma - nos pontos nevrálgicos da vida do ser humano - imaginai como será preciso lavar, como será preciso cortar, como será preciso limpar, como será preciso desinfectar, como será preciso sofrer! A prudência exige-nos intervir assim e não fugir ao dever, porque não o cumprir seria uma falta de consideração e inclusivamente um atentado grave, contra a justiça e contra a fortaleza.

Persuadi-vos de que um cristão, se pretende deveras proceder rectamente diante de Deus e dos homens, precisa de todas as virtudes, pelo menos em potência. Mas, perguntar-me-eis: Padre, o que diz das minhas fraquezas? Responder-vos-ei: Porventura um médico que está doente, mesmo que a sua doença seja crónica, não cura os outros? A sua doença impede-o de prescrever a outros doentes o tratamento adequado? É claro que não. Para curar, basta-lhe ter a ciência necessária e aplicá-la com o mesmo interesse com que combate a sua própria enfermidade.

O colírio da nossa própria fraqueza

Se vos examinardes com valentia na presença de Deus, vós, tal como eu, sentir-vos-eis diariamente carregados de muitos erros. Quando lutamos por arrancá-los com a ajuda divina, carecem de verdadeira importância e podem ser superados, embora pareça que nunca conseguimos desarraigá-los totalmente. Além disso, independentemente dessas fraquezas, tu contribuirás para remediar as grandes deficiências dos outros, sempre que te empenhares em corresponder à graça de Deus. Reconhecendo-te tão fraco como eles - capaz de todos os erros e de todos os horrores - serás mais compreensivo, mais delicado e, ao mesmo tempo, mais exigente, para que todos nos decidamos a amar a Deus com o coração inteiro.

Nós, os cristãos, os filhos de Deus, temos de prestar assistência aos outros, pondo em prática honradamente o que aqueles hipócritas retorcidamente elogiavam ao Mestre: Não olhas à condição das pessoas. Isto é, havemos de rejeitar por completo a acepção de pessoas - interessam-nos todas as almas! - embora, logicamente, devamos começar por ocupar-nos daquelas que, por esta ou aquela circunstância, e até só por motivos aparentemente humanos, Deus colocou ao nosso lado.

Et viam Dei in veritate doces, e ensinas com verdade o caminho de Deus - continuam eles. Ensinar, ensinar, ensinar! Mostrar os caminhos de Deus segundo a pura verdade! Não deves assustar-te por verem os teus defeitos; os teus e os meus; eu tenho o desejo de os tornar públicos, contando a minha luta, o meu empenho de rectificar este ou aquele ponto da minha luta por ser leal ao Senhor.

O esforço por eliminar e vencer essas misérias já será um modo de indicar os caminhos divinos: primeiro, e apesar dos nossos erros manifestos, com o testemunho da nossa vida; depois, com a doutrina, como nosso Senhor, que coepit facere et docere, começou pelas obras e mais tarde se dedicou a pregar.

Depois de vos confirmar que este sacerdote vos quer muito e que o Pai do Céu vos quer mais, porque é infinitamente bom, porque é infinitamente Pai; depois de vos dizer que não posso lançar-vos nada à cara, considero, no entanto, que tenho de ajudar-vos a amar Jesus Cristo e a Igreja, seu rebanho, porque nisto penso que não me ganhais: emulais-me, mas não me ganhais. Quando vos aponto algum erro através da pregação ou nas conversas pessoais com cada um de vós, não é para vos fazer sofrer; move-me exclusivamente o empenho de amarmos mais o Senhor. E ao insistir na necessidade de praticar as virtudes, não perco de vista que essa necessidade também se impõe a mim.

Certa ocasião, ouvi dizer a um superficial que a experiência das nossas quedas serve para voltar a cair cem vezes no mesmo erro. Eu, pelo contrário, digo-vos que uma pessoa prudente aproveita esses reveses para ficar escarmentada, para aprender a fazer o bem, para renovar a decisão de ser mais santa. Da experiência dos vossos fracassos e triunfos no serviço de Deus tirai sempre, juntamente com o aumento do amor, um empenho mais firme de prosseguir no cumprimento dos vossos direitos de cidadãos cristãos, custe o que custar; sem cobardias, sem fugir às honras nem às responsabilidades, sem nos assustarmos perante as reacções que se levantem ao nosso redor - provenientes talvez de falsos irmãos - quando procuramos leal e nobremente a glória de Deus e o bem dos outros.

Portanto, temos de ser prudentes. Para quê? Para sermos justos, para vivermos a caridade, para servirmos eficazmente Deus e todas as almas. Com muita razão se chamou à prudência genitrix virtutum, mãe de todas as virtudes, e também auriga virtutum , guia de todos os bons hábitos.

A cada um o que lhe pertence

Lede com atenção o episódio evangélico para aproveitar essas estupendas lições acerca das virtudes que devem iluminar o nosso modo de proceder. Acabado o preâmbulo hipócrita e adulador, os fariseus e os herodianos apresentam o seu problema: Que te parece? É lícito ou não pagar tributo a César?Notai agora a sua astúcia - escreve S. João Crisóstomo - porque não lhe dizem: "explica-nos o que é bom, o que é conveniente, o que é lícito", mas "diz-nos o que te parece". Estavam obsessionados por atraiçoá-lo e torná-lo odioso ao poder político. Mas Jesus, conhecendo-lhes a malícia, retorquiu: Porque me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. Eles apresentaram-lhe um denário. De quem é, perguntou, essa imagem e a inscrição? De César, responderam. Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

Já estais a ver que o dilema é antigo, assim como é clara e inequívoca a resposta do Mestre. Não há, não existe nenhuma contradição entre servir a Deus e servir os outros; entre o exercício dos nossos direitos e deveres cívicos, e os religiosos; entre o empenho por construir e melhorar a cidade temporal e a convicção de que passamos por este mundo como por um caminho que nos leva à pátria celeste.

Também aqui se manifesta a unidade de vida que - não me cansarei de o repetir - é uma condição essencial para os que procuram santificar-se no meio das circunstâncias ordinárias do trabalho, das relações familiares e sociais. Jesus não admite essa divisão: Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou há-de ter aversão a um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro.

A escolha exclusiva de Deus feita por um cristão quando responde plenamente ao seu chamamento, leva-o a dirigir tudo ao Senhor e, ao mesmo tempo, a dar ao próximo tudo o que em justiça lhe corresponde.

Não é lícito escudar-se em razões aparentemente piedosas para expoliar os outros do que lhes pertence: Se alguém diz: "Eu amo a Deus" mas odeia o seu irmão, é mentiroso. Mas também se engana a si mesmo quem regateia ao Senhor o amor e a reverência - a adoração - que lhe são devidos como Criador e nosso Pai; a quem se nega a obedecer aos seus mandamentos com a falsa desculpa de que algum deles é incompatível com o serviço dos homens claramente adverte S. João que nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: Se amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos. Porque o amor de Deus consiste em guardar os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados.

Talvez tenhais de escutar muitos que peroram e inventam teorias com o fim de reduzirem - em nome da funcionalidade, quando não da caridade! - as manifestações de respeito e de homenagem a Deus. Tudo o que seja para honrar o Senhor lhes parece excessivo. Não façais caso deles; vós continuai o vosso caminho. Essas elucubrações não passam de controvérsias que não conduzem a nada, a não ser escandalizar as almas e impedir que se cumpra o preceito de Jesus Cristo de dar a cada um o que lhe pertence, de praticar com delicada inteireza a santa virtude da justiça.

Justiça e caridade

Lede a Sagrada Escritura. Meditai um a um, os episódios da vida do Senhor, os seus ensinamentos. Considerai especialmente os conselhos e as advertências com que preparava aquele punhado de homens que haviam de ser os seus apóstolos, os seus mensageiros até aos confins da terra. Qual é a principal norma que lhes dá? Não é o mandamento novo da caridade? Foi com amor que abriram caminho naquele mundo pagão e corrupto.

Convencei-vos de que apenas com a justiça nunca resolvereis os grandes problemas da Humanidade. Quando se faz apenas justiça, não é de estranhar que as pessoas se sintam feridas: a dignidade do homem, que é filho de Deus, pede muito mais do que isso. A caridade tem que ir dentro e ao lado, porque dulcifica tudo e tudo deifica: Deus é amor. Temos de actuar sempre por amor de Deus, que torna mais fácil amar o próximo e purifica e eleva os amores terrenos.

Para se passar da estrita justiça à abundância da caridade há todo um trajecto a percorrer e não são muitos os que perseveram até ao fim: alguns conformam-se com chegar apenas aos umbrais: prescindem da justiça e limitam-se a um pouco de beneficência, a que chamam caridade, sem cuidarem de que o que fazem representa uma pequena parte do que estão obrigados a fazer. E mostram-se tão satisfeitos consigo mesmos como o fariseu que julgava ter enchido a medida da lei só por jejuar dois dias por semana e pagar o dízimo de tudo o que possuía.

A caridade, que é como que um transbordar generoso da justiça, exige em primeiro lugar o cumprimento do dever: começa-se pelo que é justo; continua-se pelo que é mais equitativo… Mas para amar requer-se muita finura, muita delicadeza, muito respeito, muita afabilidade; numa palavra, seguir aquele conselho do Apóstolo: levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo. Então, sim, vivemos plenamente a caridade, realizamos o mandato de Jesus.

Para mim não existe exemplo mais claro dessa união prática da justiça com a caridade do que o comportamento das mães. Amam com idêntico carinho todos os seus filhos e esse amor leva-as precisamente a tratá-los de modo diferente - com uma justiça desigual - visto que cada um é diferente dos outros.

Pois também em relação aos nossos semelhantes a caridade aperfeiçoa e completa a justiça, porque nos leva a proceder de maneira desigual com os desiguais, adaptando-nos às suas circunstâncias concretas, a fim de comunicarmos alegria a quem está triste, ciência a quem carece de formação, afecto a quem se sente só… A justiça determina que se dê a cada um o que lhe pertence; ora isto não significa dar a todos a mesma coisa. O igualitarismo utópico é fonte das maiores injustiças.

Para procedermos sempre assim, como essas boas mães, precisamos de esquecer-nos de nós mesmos e de não aspirar a outra superioridade senão a de servir os outros, como Jesus Cristo, que afirmava: o Filho do homem veio, não para ser servido, mas para servir. Isto exige a inteireza da submissão da nossa vontade ao modelo divino, trabalhar para todos, lutar pela felicidade eterna e pelo bem-estar dos outros. Não conheço melhor caminho para ser justo do que uma vida de entrega e de serviço.

Talvez alguns pensem que sou um ingénuo. Não me importa. Embora me qualifiquem desse modo, porque continuo a acreditar na caridade, garanto-vos que sempre acreditarei nela! E enquanto o Senhor me conceder vida, continuarei a ocupar-me - como sacerdote de Cristo - de que haja unidade e paz entre os que são irmãos por serem filhos do mesmo Pai, Deus; de que a humanidade se compreenda; de que todos compartilhem o mesmo ideal: o da Fé!

Recorramos a Santa Maria, Virgem prudente e fiel, e a S. José, seu esposo, modelo acabado de homem justo. Eles, que na presença de Jesus, Filho de Deus, viveram as virtudes que contemplámos, conseguir-nos-ão a graça de que se arraiguem firmemente na nossa alma, para nos decidirmos a proceder a toda a hora como bons discípulos do Mestre: prudentes, justos, cheios de caridade.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
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