Lista de pontos

Há 3 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Coisas pequenas  → desprendimento.

Não te estou a induzir a um abandono no cumprimento dos teus deveres ou na exigência dos teus direitos. Pelo contrário, para cada um de nós, habitualmente, uma retirada nessa frente equivale a desertarmos cobardemente da luta para sermos santos, à qual Deus nos chamou. Por isso, com segurança de consciência, hás-de pôr empenho - especialmente no teu trabalho - para que nem a ti nem aos teus falte o conveniente para viver com dignidade cristã. Se em algum momento, experimentares na tua carne o peso da indigência, não te entristeças nem te revoltes; mas, insisto, procura empregar todos os recursos nobres para superar essa situação, porque actuar de outra maneira seria tentar a Deus. E enquanto lutas, lembra-te de que omnia in bonum!, tudo - também a escassez, a pobreza - coopera para o bem dos que amam o Senhor. Habitua-te, desde já, a enfrentar com alegria as pequenas limitações, as incomodidades, o frio, o calor, a privação de algo que consideras imprescindível, o facto de não poderes descansar quando e como queres, a fome, a solidão, a ingratidão, a incompreensão, a desonra…

O desprendimento que prego, depois de olhar o nosso modelo, é domínio e não miséria clamorosa que chame a atenção, disfarce da preguiça e do desmazelo. Deves andar vestido de acordo com o que é próprio da tua condição, do teu ambiente, da tua família, do teu trabalho…, como os teus companheiros, mas por Deus, com o afã de dar uma imagem autêntica e atraente da verdadeira vida cristã. Com naturalidade, sem extravagâncias, asseguro-vos que é preferível que pequeis por excesso do que por defeito. Como imaginas tu o porte de Nosso Senhor? Já pensaste com que dignidade vestiria aquela túnica inconsútil, que provavelmente terá sido tecida pelas mãos de Santa Maria? Não te lembras de como em casa de Simão se lamenta por não lhe haverem oferecido água para se lavar, antes de se sentar à mesa? Com certeza que o Senhor trouxe à baila essa falta de urbanidade, para realçar com tal facto o ensinamento de que é nos pormenores que se mostra o amor. Mas procura também deixar claro que se atém aos usos sociais do ambiente. Portanto, tu e eu esforçar-nos-emos por estar desapegados dos bens e das comodidades da terra, mas sem destoar e sem fazer coisas estranhas.

Para mim, uma manifestação de que nos sentimos senhores do mundo, administradores fiéis de Deus, é cuidar das coisas que usamos, com interesse em conservá-las, em fazê-las durar, em mantê-las impecáveis e em fazê-las servir o mais tempo possível para o seu fim, de maneira a não haver desperdício. Nos centros do Opus Dei, encontrais uma decoração simples, acolhedora e, sobretudo, limpa, porque não tem que se confundir uma casa pobre com o mau gosto ou com a sujidade. No entanto, compreendo que tu, de acordo com as tuas possibilidades e as tuas obrigações familiares e sociais, possuas objectos de valor e cuides deles com espírito de mortificação, com desprendimento.

Temos de ser exigentes em relação a nós próprios no dia-a-dia, para não inventarmos falsos problemas, necessidades artificiais que, no fundo, procedem do orgulho, do capricho, de um espírito comodista e preguiçoso. Devemos caminhar para Deus com passo rápido, sem pesos mortos nem empecilhos que dificultem a marcha. Precisamente porque a pobreza de espírito não consiste em não ter, mas em estar deveras desapegados, devemos permanecer atentos, para não nos enganarmos com motivos imaginários de força maior. Procurai o suficiente, procurai o que basta. E não queirais mais. O que passa daí é perturbação e não alívio; pesa em vez de elevar.

Ao descer a estes conselhos, não me baseio em situações estranhas, anormais ou complicadas. Sei de alguém que usava, como marcas de leitura para os livros, uns papéis em que escrevia jaculatórias para o ajudarem a manter a presença de Deus. E entrou nele o desejo de conservar com carinho aquele tesouro, até que se deu conta de que estava a apegar-se a papeizitos de nada. Já vedes que modelo de virtudes! Não me importaria de vos manifestar todas as minhas misérias, se isso vos servisse para alguma coisa. Levantei um pouco o manto, porque talvez a ti te suceda a mesma coisa: os teus livros, a tua roupa, a tua mesa, os teus… ídolos de quinquilharia.

Em casos destes, recomendo-vos que consulteis o vosso director espiritual sem ânimo pueril nem escrupuloso. Às vezes, bastará como remédio a pequena mortificação de prescindir do uso de algo por uma temporada curta. Ou, noutro domínio, não acontece nada de especial, se um dia renuncias ao meio de transporte que usas habitualmente e dás como esmola a quantia poupada, ainda que seja muito pouco dinheiro. De qualquer modo, se tens espírito de desprendimento, não deixarás de descobrir ocasiões constantes, discretas e eficazes de o exercitar.

Depois de vos abrir a minha alma, devo confessar-vos também que tenho um apego a que nunca quereria renunciar: o de vos amar a todos de verdade. Aprendi-o com o melhor Mestre e gostaria de seguir fidelissimamente o seu exemplo, amando sem limites todas as almas, a começar pelos que me rodeiam. Não vos comove essa caridade ardente, esse carinho de Jesus, que transparece no modo como o Evangelista designa um dos seus discípulos: quem diligebat Jesus, aquele que Jesus amava?

Referências da Sagrada Escritura
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