Lista de pontos

Há 4 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Humildade.

Tenho recordado com frequência aquela cena comovedora que o Evangelho nos relata: Jesus está na barca de Pedro, de onde tinha falado ao povo. Essa multidão que o seguia moveu o afã de almas que consome o seu Coração e o Divino Mestre quer que os discípulos participem quanto antes desse zelo. Depois de lhes dizer que se façam ao largo - duc in altum! -sugere a Pedro que lance as redes para pescar.

Não me vou demorar agora nos pormenores, tão instrutivos, desses momentos. Desejo que consideremos a reacção do Príncipe dos Apóstolos perante o milagre: afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador . É uma verdade - disso não tenho dúvidas - que se ajusta perfeitamente à situação pessoal de todos. No entanto, asseguro-vos que, ao tropeçar durante a minha vida com tantos prodígios da graça, realizados através de mãos humanas, tenho-me sentido inclinado, diariamente cada vez mais inclinado, a gritar: Senhor, não te afastes de mim, pois sem Ti não posso fazer nada de bom.

Precisamente por isso, percebo muito bem aquelas palavras do Bispo de Hipona, que soam como um cântico maravilhoso à liberdade: Deus, que te criou sem ti, não tesalvará sem ti, porque cada um de nós, tu, eu, temos sempre a possibilidade - a triste desventura - de nos levantarmos contra Deus, de rejeitá-lo - talvez só com a nossa conduta - ou de exclamar: não queremos que reine sobre nós .

Render para Deus

Consideremos agora a parábola daquele homem que, estando para empreender uma viagem, chamou os seus servos e lhes entregou os seus bens. Confia a cada um deles uma quantia diferente, para ser administrada na sua ausência. Parece-me muito oportuno repararmos bem na conduta daquele que aceitou um talento: comporta-se de uma forma que na minha terra se chama esperteza de cuco. Pensa, raciocina com aquele cérebro pequenino e decide-se: cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.

Que ocupação escolherá depois este homem, se abandonou o instrumento de trabalho? Decidiu irresponsavelmente optar pela comodidade de devolver só o que lhe entregaram. Dedicar-se-á a matar os minutos, as horas, os dias, os meses, os anos, a vida! Os outros afadigam-se, negoceiam, empenham-se nobremente em restituir mais do que receberam: aliás, o legítimo fruto, porque a recomendação foi muito concreta: negotiamini dum venio, encarregai-vos deste trabalho para conseguirdes algum lucro, até que o dono regresse. Pois este não; este inutiliza a sua existência.

Veracidade e justiça

As virtudes humanas exigem de nós um esforço contínuo, porque não é fácil manter durante muito tempo uma têmpera de honradez perante as situações que parecem comprometer a nossa segurança. Reparemos na limpidez da veracidade: mas será certo que caiu em desuso? Terá triunfado definitivamente a conduta de compromisso, o dourar a pílula e o pintar a fachada? Teme-se a verdade. Por isso se lança mão de um expediente mesquinho: afirmar que ninguém vive nem diz a verdade e que todos recorrem à simulação e à mentira.

Felizmente não é assim. Existem muitas pessoas - cristãos e não cristãos - decididas a sacrificar a sua honra e a sua fama pela verdade, que não andam a saltitar constantemente de um lado para o outro para procurar o solque mais aquece. São os mesmos que, por amor à sinceridade, sabem rectificar quando descobrem que se enganaram. Só não rectifica quem começa por mentir, quem reduz a verdade a uma palavra sonora para encobrir as suas claudicações.

Assim actua o Nosso Deus. Quando aquele filho regressa, depois de ter gasto o seu dinheiro, vivendo mal, depois - sobretudo - de se ter esquecido do pai, o pai diz: depressa, trazei aqui o vestido mais rico e vesti-lho e colocai-lhe um anel no dedo; calçai-lhe as sandálias. Tomai um vitelo gordo, matai-o e comamose celebremos um banquete. O Nosso Pai, Deus, quando recorremos a Ele com arrependimento, tira riqueza da nossa miséria e força da nossa debilidade. Que preparará para nós, se não O abandonarmos, se O procurarmos todos os dias, se Lhe dirigirmos palavras carinhosas confirmadas pelas nossas acções, se Lhe pedirmos tudo, confiados na Sua omnipotência e na Sua misericórdia? Só por o filho voltar a Ele, depois de o atraiçoar, prepara um banquete. Que nos concederá, a nós, que procurámos ficar sempre ao Seu lado?

Longe da nossa conduta, portanto, a lembrança das ofensas que nos tenham feito, das humilhações que tenhamos padecido - por mais injustas, grosseiras e rudes que tenham sido - porque é impróprio de um filho de Deus ter um registo preparado para apresentar depois uma lista de ofensas. Não podemos esquecer o exemplo de Cristo. Não se muda a nossa fé cristã como quem muda um vestido: pode enfraquecer ou robustecer-se ou perder-se. Com esta vida sobrenatural revigora-se a fé e a alma aterra-se ao considerar a miserável nudez humana sem o auxílio divino. E perdoa e agradece: meu Deus, se contemplo a minha pobre vida não encontro nenhum motivo de vaidade e menos ainda de soberba; só encontro abundantes razões para viver sempre humilde e compungido. Sei bem que a melhor nobreza é servir.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
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