Lista de pontos

Há 3 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Redenção → salvação dos homens.

Que estranha capacidade tem o homem de esquecer as coisas mais maravilhosas e de se acostumar ao mistério! Reparemos de novo, nesta Quaresma, que o cristão não pode ser superficial. Estando plenamente metido no seu trabalho habitual, entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão, o cristão tem de estar, ao mesmo tempo, imerso totalmente em Deus, porque é filho de Deus.

A filiação divina é uma feliz verdade, um mistério consolador. A filiação divina enche a nossa vida espiritual, porque nos ensina a conviver intimamente com o nosso Pai do Céu, a conhecê-Lo, a amá-Lo, e assim enche de esperança a nossa luta interior e dá-nos a simplicidade confiante dos filhos pequenos. Mais ainda: precisamente por sermos filhos de Deus, essa realidade leva-nos também a contemplar com amor e com admiração todas as coisas que saíram das mãos de Deus Pai, Criador. E deste modo somos contemplativos no meio o mundo, amando o mundo.

Na Quaresma, a Liturgia considera as consequências do pecado de Adão na vida do homem. Adão não quis ser um bom filho de Deus e revoltou-se. Mas também se faz ouvir continuamente o eco dessa felix culpa - culpa feliz, ditosa - que a Igreja inteira cantará, cheia de alegria, na vigília do Domingo de Ressurreição.

Deus Pai, chegada a plenitude dos tempos, enviou ao mundo o seu Filho unigénito para que restabelecesse a paz; para que, redimindo o homem do pecado, adoptionem filiorum reciperemus, fôssemos constituídos filhos de Deus, libertos do jugo do pecado, capazes de participar na intimidade divina da Trindade. E assim se tomou possível a este homem novo, a esta nova enxertia dos filhos de Deus libertar a Criação inteira da desordem, restaurando todas as coisas em Cristo, que nos reconciliou com Deus.

É tempo de penitência, pois. Mas, como vimos, não se trata de uma tarefa negativa. A Quaresma deve ser vivida com o espírito de filiação que Cristo nos comunicou e que vive na nossa alma. O Senhor chama-nos para que nos acerquemos d'Ele, desejando ser como Ele: Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados,colaborando humildemente, mas fervorosamente, no divino propósito de unir o que está quebrado, de salvar o que está perdido, de ordenar o que o homem pecador desordenou, de conduzir ao seu fim o que está desencaminhado, de restabelecer a divina concórdia de todas as criaturas.

A morte de Cristo chama-nos a uma vida cristã plena

Acabamos de reviver o drama do Calvário, aquilo que me atreveria a chamar a primeira Missa, a primordial, celebrada por Jesus. Deus-Pai entrega o seu Filho à morte. Jesus, o Filho Unigénito, abraça-se ao madeiro, no qual O haviam de justiçar, e o seu sacrifício é aceite pelo Pai. Como fruto da Cruz, derrama-se sobre a Humanidade o Espírito Santo.

Na tragédia da Paixão consuma-se a nossa própria vida e toda a história humana. A Semana Santa não pode reduzir-se a uma mera recordação, pois que nela se considera o mistério de Jesus Cristo, que se prolonga nas nossas almas: o cristão está obrigado a ser alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo. Pelo Baptismo, fomos todos constituídos sacerdotes da nossa própria existência, para oferecer vítimas espirituais que sejam agradáveis a Deus por Jesus Cristo, para realizar cada uma das nossas acções em espírito de obediência à vontade de Deus, perpetuando assim a missão do Deus-Homem.

Por contraste, esta realidade leva-nos a repararmos nas nossas desditas, nos nossos erros pessoais. Tal consideração não nos deve desanimar, nem colocar na atitude céptica de quem renunciou aos grandes ideais. Porque o Senhor reclama-nos tal como somos, para que participemos da sua vida, para que lutemos por ser santos.

Santidade! Quantas vezes pronunciamos esta palavra como se fosse um som vazio! Para muitos, ela representa mesmo um ideal inacessível, um tema da ascética, mas não um fim concreto, uma realidade viva. Não pensavam deste modo os primeiros cristãos, que usavam o nome de santos para se chamarem entre si com toda a naturalidade e com grande frequência: saúdam-vos todos os santos, saudai todos os santos em Cristo Jesus.

Situados agora no Calvário, quando Jesus já morreu e não se manifestou ainda a glória do seu triunfo, temos uma boa ocasião para examinar os nossos desejos de vida cristã, de santidade para reagir com um acto de fé perante as nossas debilidades e, confiando no poder de Deus, fazer o propósito de pôr amor nas coisas do nosso dia-a-dia. A experiência do pecado tem de nos conduzir à dor, a uma decisão mais madura e mais profunda de sermos fiéis, de nos identificarmos deveras com Cristo, de perseverarmos, custe o que custar, nessa missão sacerdotal que Ele encomendou a todos os seus discípulos sem excepção, que nos impele a sermos sal e luz do mundo.

Que há muita gente empenhada em comportar-se com injustiça? Sim, mas o Senhor insiste: pede-me, e eu te darei as nações em herança, e os teus domínios irão até aos confins da Terra. Tu os governarás com vara de ferro, e quebrá-los-ás qual vaso de oleiro. São promessas fortes e são de Deus. Por isso, não podemos dissimulá-las. Não é em vão que Cristo é o Redentor do mundo, e reina, soberano, à direita do Pai. É o terrível anúncio daquilo que espera a cada um de nós, quando a vida passar - porque passa - e a todos, quando a história acabar, se o coração se endurece no mal e na desesperança.

Contudo, Deus, que sempre pode vencer, prefere convencer: E agora, ó reis, atendei: instruí-vos, vós que governais a Terra.. Servi ao Senhor com temor, e louvai-o com alegria; com tremor, prestai-lhe vassalagem, para que não Se ire, e não pereçais fora do caminho, quando daqui a pouco se incendiar a sua indignação. Cristo é o Senhor, o Rei. E nós vos anunciamos que aquela promessa, que foi feita a nossos pais, Deus a cumpriu para nossos filhos, ressuscitando Jesus, como também está escrito no salmo segundo: Tu és meu Filho, eu te gerei hoje

Seja-vos, pois, notório, homens, irmãos, que por Ele vos é anunciada a remissão dos pecados e de tudo aquilo de que não pudestes ser justificados pela lei de Moisés. Por Ele é justificado todo aquele que crê. Tomai pois cuidado que não venha sobre vós o que foi fito pelos profetas: Vede, ó despertadores, e admirai-vos e desaparecei, que eu faço uma obra em vossos dias, uma obra que vós não crereis, se alguém vo-la contar.

É a obra da salvação, o reinado de Cristo nas almas, a manifestação da misericórdia de Deus. Bem-aventurados todos os que confiam n'Ele! Nós, cristãos, temos direito a enaltecer a realeza de Cristo, porque, ainda que a injustiça abunde, ainda que muitos não desejem este reinado de amor, na própria história humana que é o cenário do mal, vai-se tecendo a obra da salvação eterna.