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Há 6 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Redenção → Jesus Cristo Redentor .

Oferecemos incenso: o desejo - que elevamos até ao Senhor - de levar uma vida recta, de que se desprenda o bonus odor Christi, o perfume de Cristo. Impregnar as nossas palavras e acções desse bonus odor é semear compreensão e amizade. Que a nossa vida acompanhe as vidas dos restantes homens, para que ninguém se encontre ou se sinta só. A caridade há-de ser também carinho, calor humano.

Assim no-lo ensina Jesus Cristo. A humanidade havia séculos que esperava a vinda do Salvador; os profetas tinham-no anunciado de mil maneiras; e - embora, por acção do pecado e da ignorância se tivesse perdido grande parte da Revelação de Deus aos homens - conservava-se até aos confins da Terra o desejo de Deus, a ânsia de redenção.

Chega a plenitude dos tempos e, para cumprir essa missão, não aparece um génio filosófico, como Sócrates ou Platão; não se instala na terra um conquistador poderoso, como Alexandre Magno. Nasce um Menino em Belém. É o Redentor do mundo; mas, antes de começar a falar, demonstra o seu amor com obras. Não é portador de nenhuma fórmula mágica, porque sabe que a salvação que nos traz há-de passar pelo coração do homem. As suas primeiras acções são risos e choros de criança, o sono inerme de um Deus humanado; para que fiquemos tomados de amor, para que saibamos acolhê-Lo nos nossos braços.

Uma vez mais consciencializamos que isto é que é o Cristianismo. Se o cristão não ama com obras, fracassa como cristão, o que significa fracassar também como pessoa. Não podes pensar nos outros homens como se fossem números, ou degraus para tu subires; como se fossem massa, para ser exaltada ou humilhada, adulada ou desprezada, conforme os casos. Tens de pensar nos outros - antes de mais, nos que estão ao teu lado - vendo neles o que na verdade são: filhos de Deus, com toda a dignidade que esse título maravilhoso lhes confere.

Com os filhos de Deus, temos de comportar-nos como filhos de Deus: o nosso amor há-de ser abnegado, diário, tecido de mil e um pormenores de compreensão, de sacrifício calado, de entrega silenciosa. Este é o bonus odor Christi que arrancava uma exclamação aos que conviviam com os primeiros cristãos: Vede como se amam!.

Não estou a falar de um ideal distante. O cristão não é um Tartarin de Tarascon, empenhado em caçar leões onde não pode encontrá-los: nos corredores da sua própria casa. Falo, sim, da vida quotidiana e concreta: da santificação do trabalho, das relações familiares, da amizade. Se não somos cristãos nestas coisas, onde podemos sê-lo? O perfume do incenso deve-se ao carvão em brasa que queima sem ostentação uma grande quantidade de grãos. Também o bonus odor Christi se manifesta entre os homens, não como a chama espectacular de um incêndio passageiro, mas mediante a eficácia de todo um rescaldo de virtudes: justiça, lealdade, fidelidade, compreensão, generosidade, alegria.

*Homilia pronunciada no dia 15 de Abril de 1960, Sexta-feira Santa.

Esta semana, que o povo cristão tradicionalmente chama Santa, oferece-nos uma vez mais a possibilidade de considerar - de reviver - os momentos em que se consuma a vida de Jesus.

Tudo o que as diversas manifestações de piedade nos trazem à memória nestes dias se encaminha decerto para a Ressurreição, que é o fundamento da nossa fé, como escreve S. Paulo. Mas não percorramos este caminho demasiado depressa; não deixemos cair no esquecimento alguma coisa muito simples, que por vezes parece escapar-nos: não poderemos participar da Ressurreição do Senhor se não nos unirmos à sua Paixão e à sua Morte. Para acompanhar a Cristo na sua glória no final da Semana Santa, é necessário que penetremos antes no seu holocausto e que nos sintamos uma só coisa com Ele, morto no Calvário.

A entrega generosa de Cristo enfrenta-se com o pecado, essa realidade dura de aceitar, mas inegável: o mysterium iniquitatis, a inexplicável maldade da criatura que se ergue, por soberba, contra Deus.

A história é tão antiga como a Humanidade. Recordemos a queda dos nossos primeiros pais; depois, toda essa cadeia de depravações que marcam a marcha dos homens; finalmente, as nossas rebeldias pessoais. Não é fácil considerar a perversidade que o pecado representa e compreender tudo o que a Fé nos ensina. Temos de ter presente que, mesmo no plano humano, a grandeza da ofensa se mede pela condição do ofendido, pelo seu valor pessoal, pela sua dignidade social, pelas suas qualidades. E o homem ofende a Deus: a criatura renega o seu Criador.

Mas Deus é Amor. O abismo de malícia, que o que o pecado encerra, foi vencido por uma Caridade infinita. Deus não abandona os homens. Os desígnios divinos previram que, para reparar as nossas faltas, para restabelecer a unidade perdida, não bastavam os sacrifícios da Antiga Lei: tornou-se necessária a entrega de um homem que fosse Deus. Podemos imaginar - para nos aproximarmos de algum modo deste mistério insondável - que a Trindade Santíssima se reúne em conselho na sua contínua relação íntima de amor imenso e, como resultado de uma decisão eterna, o Filho Unigénito de Deus-Pai assume a nossa condição humana, carrega sobre Si as nossas misérias e as nossas dores, para acabar pregado com cravos num madeiro.

Esse fogo, esse desejo de cumprir odecreto salvador de Deus-Pai, enche toda a vida de Cristo, desde o seu nascimento em Belém. Ao longo dos três anos que com Ele conviveram, os discípulos ouvem-No repetir incansavelmente que o seu alimento é fazer a vontade d'Aquele que O enviou, até que, no meio da tarde da primeira Sexta-Feira Santa, se concluiu a sua imolação: inclinando a cabeça entregou o espírito.Com estas palavras descreve-nos o Apóstolo S. João a morte de Cristo: Jesus, sob o peso da Cruz com todas as culpas dos homens, morre por causa da força e da vileza dos nossos pecados.

Meditemos no Senhor, chagado dos pés à cabeça por amor de nós. Com frase que se aproxima da realidade, embora não consiga exprimi-la completamente, podemos repetir com um escritor de há séculos: O corpo de Jesus é um retábulo de dores. A vista de Cristo feito um farrapo, transformado num corpo inerte descido da Cruz e confiado a sua Mãe, à vista desse Jesus destroçado, poder-se-ia concluir que esta cena é a exteriorização mais clara de uma derrota. Onde estão as massas que O seguiram e o Reino cuja vinda anunciava? Contudo, não temos diante dos olhos uma derrota, mas sim uma vitória: está agora mais perto do que nunca o momento da Ressurreição, da manifestação da glória que Cristo conquistou com a sua obediência.

Reflectir no sentido da morte de Cristo

A digressão que acabo de fazer tem por única finalidade pôr em evidência uma verdade central: recordar que a vida cristã encontra o seu sentido em Deus . Nós os homens não fomos criados apenas para edificar um mundo o mais justo possível: para além disso, fomos colocados na Terra para entrar em comunhão com o próprio Deus. Jesus não nos prometeu a comodidade temporal, nem a glória terrena, mas a casa de Deus-Pai, que nos espera no final do caminho.

A liturgia de Sexta-feira Santa inclui um hino maravilhoso: o Crux Fidelis. Nesse hino, somos convidados a cantar e celebrar o glorioso combate do Senhor, o troféu que é a Cruz, a esplêndida vitória de Cristo. O Redentor do Universo, ao ser imolado, triunfa. Deus, Senhor de toda a criação, não afirma a sua presença com a força das armas, nem sequer com o poder temporal dos seus, mas sim com a grandeza do seu amor infinito.

O Senhor não destrói a liberdade do homem: precisamente foi Ele que nos fez livres. Por isso mesmo não quer respostas forçadas, mas sim decisões que saiam da intimidade do coração. E espera de nós, cristãos, que vivamos de tal maneira que aqueles que convivam connosco, por cima das nossas próprias misérias, erros e deficiências, encontrem o eco do drama de amor do Calvário. Tudo o que temos, recebemo-lo de Deus, para sermos sal que dê sabor, luz que leve aos homens a alegre nova de que Ele é um Pai que ama sem medida. O cristão é luz do mundo, não porque vença ou triunfe, mas porque dá testemunho do amor de Deus. E não será sal se não servir para salgar; nem será luz se, com o seu exemplo e a sua doutrina, não oferecer um testemunho de Jesus, se perder aquilo que constitui a razão de ser da sua vida.

Ao considerar a dignidade da missão a que Deus nos chama talvez possa surgir a presunção, a soberba, na alma humana. É uma falsa consciência da vocação cristã aquela que nos cegar, aquela que nos fizer esquecer que somos feitos de barro, que somos pó e miséria. Na verdade, não há mal apenas no mundo, ao nosso redor; o mal está dento de nós, abriga-se no nosso próprio coração, tornando-nos capazes de vilanias e de egoísmos. Só a graça de Deus é rocha firme; nós somos areia, e areia movediça.

Se se percorre com um olhar a história dos homens ou a situação actual do mundo, é doloroso verificar que, passados vinte séculos, há tão poucos que se chamam cristãos e que os que se adornam com esse nome são tantas vezes infiéis à sua vocação. Há anos, uma pessoa, que não tinha mau coração, mas não tinha fé, apontando-me o mapa-múndi, comentou: Aí está o fracasso de Cristo: tantos séculos procurando meter na alma dos homens a sua doutrina, e veja os resultados - não há cristãos.

Não falta hoje quem pense assim. Cristo, porém, não fracassou; a sua palavra e a sua vida fecundam continuamente o mundo. A obra de Cristo, a tarefa que seu Pai Lhe encomendou, está a realizar-se; a sua força atravessa a História, trazendo a vida verdadeira e quando tudo Lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo Lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todos.

Nesta tarefa que vai realizando no mundo, Deus quis que sejamos seus cooperadores; quer correr o risco da nossa liberdade. Emociona-me profundamente contemplar a figura de Jesus recém-nascido em Belém: um menino indefeso, inerme, incapaz de oferecer resistência… Deus entrega-Se nas mãos dos homens; aproxima-Se e desce até nós! Jesus Cristo, sendo de condição divina, não reivindica o direito de ser equiparado a Deus, mas despojou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo. Deus condescende com a nossa liberdade, com a nossa imperfeição, com as nossas misérias. Consente que os tesouros divinos sejam levados em vasos de barro; que O demos a conhecer misturando as nossas deficiências com a sua força divina.

Permiti-me narrar um facto da minha vida pessoal, ocorrido já há muitos anos. Certo dia, um amigo de bom coração, mas que não tinha fé, disse-me, indicando um mapa-mundi: - Ora veja, de norte a sul e de leste a oeste. - Que queres que eu veja? - O fracasso de Cristo. Tantos séculos a procurar meter na vida dos homens a sua doutrina, e veja os resultados.. Num primeiro momento, enchi-me de tristeza: é uma grande dor, efectivamente, considerar que são muitos os que ainda não conhecem o Senhor e que, entre aqueles que O conhecem, são muitos também os que vivem como se O não conhecessem.

Mas essa impressão durou apenas um instante, para logo dar lugar ao amor e à acção de graças, porque Jesus quis que cada um dos homens fosse cooperador livre da sua obra redentora. Cristo não fracassou: a sua doutrina está continuamente a fecundar o Mundo. A redenção realizada por Ele é suficiente e superabundante.

Deus não quer escravos, mas sim filhos e, portanto, respeita a nossa liberdade. A salvação continua e nós participamos dela: é vontade de Cristo que - segundo as palavras fortes de S. Paulo - cumpramos na nossa carne, na nossa vida, o que falta à sua Paixão, pro Corpore eius, quod est Ecclesia, em benefício do seu corpo, que é a Igreja.

Vale a pena jogar a vida, entregar-se por inteiro, para corresponder ao amor e à confiança que Deus deposita em nós. Vale a pena, acima de tudo, que nos decidamos a tomar a sério a nossa fé cristã. Quando recitamos o Credo, professamos crer em Deus Pai Todo-Poderoso, em seu Filho Jesus Cristo que morreu e foi ressuscitado, no Espírito Santo, Senhor que dá a vida. Confessamos que a Igreja una, santa, católica e apostólica, é o corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo. Alegramo-nos com a remissão dos nossos pecados e com a esperança da futura ressurreição. Mas, essas verdades penetrarão até ao fundo do coração ou ficarão apenas nos lábios? A mensagem divina de vitória, alegria e paz do Pentecostes deve ser o fundamento inquebrantável do modo de pensar, de reagir e de viver de todo o cristão.

*Homilia pronunciada no dia 17 de Junho de 1966, Festa do Sagrado Coração de Jesus.

Deus Pai dignou-Se conceder-nos, no Coração do Filho, infinitos dilectionis thesauros, tesouros inesgotáveis de amor, de misericórdia, de ternura. Se quisermos descobrir com evidência que Deus nos ama - que não só escuta as nossas orações, mas até Se nos antecipa - basta-nos seguir o mesmo raciocínio de S. Paulo: Aquele que nem ao seu próprio Filho perdoou, mas O entregou à morte por nós, corno não nos dará, com Ele, todas as coisas?.

A graça renova o homem por dentro e converte-o, de pecador e rebelde, em servo bom e fiel. E a fonte de todas as graças é o amor que Deus tem por nós e nos revelou - e não só com palavras, também com actos. O amor divino faz com que a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, o Verbo, o Filho de Deus Pai, tome a nossa carne, isto é, a nossa condição humana, menos o pecado. E o Verbo, a Palavra de Deus, é Verbum spirans amorem, a Palavra de que procede o Amor.

O Amor revela-se na Encarnação, nessa caminhada redentora de Jesus Cristo pela Terra, até ao sacrifício supremo da Cruz. E na Cruzmanifesta-se com um novo sinal: um dos soldados abriu o lado de Jesus com uma lança e no mesmo instante saiu sangue e água . Água e sangue de Jesus que nos falam de uma entrega realizada até ao último extremo, até ao consummatum est , ao "tudo está consumado", por amor.

Na festa de hoje, ao considerarmos uma vez mais os mistérios centrais da nossa fé, maravilhamo-nos de que as realidades mais profundas - o amor de Deus Pai que entrega o seu Filho; o amor do Filho que O leva a caminhar sereno até ao Gólgota - se traduzam em gestos muito próximos dos homens. Deus não Se nos dirige numa atitude de poder e de domínio; aproxima-Se de nós tomando a forma de servo, tornado semelhante aos homens . Nunca Jesus Se mostra distante e altivo. Por vezes, durante os anos de pregação, podemos vê-Lo desgostoso por lhe doer a maldade humana. Mas, se repararmos melhor, logo perceberemos que o que Lhe provoca o desgosto ou a cólera é o amor, que o desgosto e a cólera são apenas um novo modo de nos arrancar à infidelidade e ao pecado. Porventura quero Eu a morte do ímpio - diz o Senhor Deus - e não que se converta do seu mau caminho e que viva? Essas palavras explicam-nos toda a vida de Cristo e fazem-nos compreender por que Se apresentou perante nós com um coração de carne, com um coração como o nosso, prova irrefutável de amor e testemunho constante do mistério inenarrável da caridade divina.