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Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Filiação divina  → e o Espírito Santo .

Intimidade com Jesus Cristo no Pão e na Palavra

Se soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com olhos limpos, aperceber-nos-emos que também agora é possível aproximar-nos intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo assinalou-nos claramente o caminho: pelo Pão e pela Palavra, alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo e cumprindo o que veio ensinar-nos, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na oração. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Aquele que conhece os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.

Não são meras promessas. São oque há de mais profundo, a realidade de uma vida autêntica: a vida da graça, que nos leva a relacionar-nos íntima, pessoal e directamente com Deus. Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como eu observei os preceitos do meu Pai, e permaneço no seu amor. Esta afirmação de Jesus, no discurso da última ceia, é o melhor preâmbulo para o dia da Ascensão. Cristo sabia que era preciso ir-se embora, porque, dum modo misterioso que nunca conseguiremos compreender, depois da Ascensão iria chegar - numa nova efusão do Amor divino - a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: mas eu digo-vos a verdade: a vós convém que eu vá, porque se eu não for, não virá a vós o Paráclito; mas, se for, eu vo-lo enviarei.

Foi-se embora e enviou-nos oEspírito Santo, que rege e santifica a nossa alma. Ao actuar em nós, oParáclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos de Deus; que não recebemos o espírito de escravidão para actuarmos ainda com temor, mas recebemos o espírito de adopção de filhos, mercê do qual clamamos, dizendo: Abba, Pai!

Compreendeis? É a acção trinitária nas nossas almas. Todo o cristão tem acesso a esta inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, se corresponde à graça que nos leva a unir-nos com Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na oração. A Igreja põe à nossa consideração diariamente a realidade do Pão vivo e dedica-lhe duas grandes festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpo de Deus. Neste dia da Ascensão, vamos deter-nos na forma de conviver e de nos relacionarmos com Jesus, escutando atentamente a sua Palavra.

Para pôr em prática, ainda que seja de um modo muito genérico, um estilo de vida que nos anime a conviver com o Espírito Santo - e, ao mesmo tempo com o Pai e o Filho - numa verdadeira intimidade com o Paráclito, devemos firmar-nos em três realidades fundamentais: docilidade - digo-o mais uma vez - vida de oração, união com a Cruz.

Em primeiro lugar, docilidade - porque é o Espírito Santo que, com as suas inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras. É Ele que nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la em profundidade; que nos dá luz para tomar consciência da nossa vocação pessoal e força para realizar tudo o que Deus espera de nós. Se formos dóceis ao Espírito Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando, cada vez mais nítida, em nós e assim nos iremos aproximando cada vez mais de Deus Pai. Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.

Se nos deixarmos guiar por esse princípio de vida, presente em nós, que é o Espírito Santo, a nossa vitalidade espiritual irá crescendo e abandonar-nos-emos nas mãos do nosso Pai Deus, com a mesma espontaneidade e confiança com que um menino se lança nos braços do pai. Se não vos tornardes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus, disse o Senhor. É este o antigo e sempre actual caminho da infância espiritual, que não é sentimentalismo nem falta de maturidade humana, mas sim maioridade sobrenatural, que nos leva a aprofundar as maravilhas do amor divino, reconhecer a nossa pequenez e a identificar plenamente a nossa vontade com a de Deus.

egundo lugar, vida de oração, porque a entrega, a obediência, a mansidão do cristão nascem do amor e para o amor caminham. E o amor conduz ao convívio, à conversação, à intimidade. A vida cristã requer um diálogo constante com Deus Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito Santo nos conduz. Quem conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem, que está nele? Assim também as coisas que são de Deus, ninguém as conhece senão o Espírito de Deus. Se tivermos assídua relação com o Espírito Santo, também nós nos faremos espirituais, nos sentiremos irmãos de Cristo e filhos de Deus, a Quem não teremos dúvida de invocar como Pai nosso que é.

Acostumemo-nos a conviver com o Espírito Santo, que é quem nos há-de santificar; a confiar n'Ele, a pedir a sua ajuda, a senti-Lo ao pé de nós. Assim se irá tornando maior o nosso pobre coração, e teremos mais desejos de amar a Deus e, por Ele, a todas as criaturas. E nas nossas vidas reproduzir-se-á a visão com que termina o Apocalipse: o Espírito e a Esposa, o Espírito Santo e a Igreja - e cada um dos cristãos - dirigem-se a Jesus Cristo, pedindo-lhe que venha, que esteja connosco para sempre.

Por último, união com a Cruz. Porque, na vida de Cristo, o Calvário precedeu a Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo deve reproduzir-se na vida de cada cristão: somos - diz-nos S. Paulo - co-herdeiros de Cristo; mas isto, se sofrermos com Ele, para sermos com Ele glorificados. O Espírito Santo é o fruto da Cruz, da entrega total a Deus, de buscarmos exclusivamente a sua glória e de renunciarmos completamente a nós mesmos.

Só quando o homem, sendo fiel à graça, se decide a colocar no centro da sua alma a Cruz, negando-se a si mesmo por amor de Deus, estando realmente desapegado do egoísmo e de toda a falsa segurança humana, quer dizer, só quando vive verdadeiramente de Fé, é que recebe com plenitude o grande fogo, a grande luz, a grande consolação do Espírito Santo.

É então que vêm à alma essa paz e essa liberdade que Cristo ganhou para nós e que se nos comunicam com a graça do Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo são caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência, castidade; e onde está o Espírito do Senhor, aí há libeldade.

No meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado ainda habita em nós de algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza da sua filiação divina, quando se reconhece plenamente livre porque trabalha nas coisas do seu Pai, quando a sua alegria se torna constante por nada ser capaz de lhe destruir a esperança.

Pois é também nesse momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da Terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a pureza para que foi criado o coração humano.

Também é nessa altura que a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo, desesperado ou altivo porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana conduzem-no a identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então, finalmente, que o cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito Santo, de tal maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite a recomeçar e a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da Terra, apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam ser faltas leves, que apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves, acudindo ao Sacramento da Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a ser de novo uma boa testemunha das suas misericórdias.

Tal é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo. Não posso, portanto, terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se contém num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante da Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Na tua escola, faz-nos conhecer o Pai e também o Filho; faz, enfim, com que acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e do Outro.