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Há 4 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Filiação divina .

Aprendamos desta atitude de Jesus: durante a sua vida na Terra, não quis sequer a glória que Lhe pertencia, pois, tendo direito a ser tratado como Deus, assumiu a forma de servo, de escravo. O cristão sabe, portanto, que toda a glória é para Deus e que não pode servir-se da sublimidade e grandeza do Evangelho como instrumento de interesses e de ambições humanas.

Aprendamos de Jesus: a sua atitude, ao opor-se a toda a glória humana, está em perfeita correlação com a grandeza de uma única missão - a de Filho predilecto de Deus, que encarna para salvar os homens. Missão que o amor do Pai rodeou cheia de ternura: Filius meus es, ego hodie genui te. Postula a me et dabo tibi gentes hereditatem tuam. - Tu és meu filho, Eu hoje Te gerei. Pede-Me e Eu Te darei as nações em herança…

O cristão que, seguindo Cristo, vive nessa atitude de completa adoração do Pai, recebe também do Senhor palavras de amoroso desvelo: Porque espera em Mim, Eu o livrarei; protegê-lo-ei, porque conhece o meu nome.

Que estranha capacidade tem o homem de esquecer as coisas mais maravilhosas e de se acostumar ao mistério! Reparemos de novo, nesta Quaresma, que o cristão não pode ser superficial. Estando plenamente metido no seu trabalho habitual, entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão, o cristão tem de estar, ao mesmo tempo, imerso totalmente em Deus, porque é filho de Deus.

A filiação divina é uma feliz verdade, um mistério consolador. A filiação divina enche a nossa vida espiritual, porque nos ensina a conviver intimamente com o nosso Pai do Céu, a conhecê-Lo, a amá-Lo, e assim enche de esperança a nossa luta interior e dá-nos a simplicidade confiante dos filhos pequenos. Mais ainda: precisamente por sermos filhos de Deus, essa realidade leva-nos também a contemplar com amor e com admiração todas as coisas que saíram das mãos de Deus Pai, Criador. E deste modo somos contemplativos no meio o mundo, amando o mundo.

Na Quaresma, a Liturgia considera as consequências do pecado de Adão na vida do homem. Adão não quis ser um bom filho de Deus e revoltou-se. Mas também se faz ouvir continuamente o eco dessa felix culpa - culpa feliz, ditosa - que a Igreja inteira cantará, cheia de alegria, na vigília do Domingo de Ressurreição.

Deus Pai, chegada a plenitude dos tempos, enviou ao mundo o seu Filho unigénito para que restabelecesse a paz; para que, redimindo o homem do pecado, adoptionem filiorum reciperemus, fôssemos constituídos filhos de Deus, libertos do jugo do pecado, capazes de participar na intimidade divina da Trindade. E assim se tomou possível a este homem novo, a esta nova enxertia dos filhos de Deus libertar a Criação inteira da desordem, restaurando todas as coisas em Cristo, que nos reconciliou com Deus.

É tempo de penitência, pois. Mas, como vimos, não se trata de uma tarefa negativa. A Quaresma deve ser vivida com o espírito de filiação que Cristo nos comunicou e que vive na nossa alma. O Senhor chama-nos para que nos acerquemos d'Ele, desejando ser como Ele: Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados,colaborando humildemente, mas fervorosamente, no divino propósito de unir o que está quebrado, de salvar o que está perdido, de ordenar o que o homem pecador desordenou, de conduzir ao seu fim o que está desencaminhado, de restabelecer a divina concórdia de todas as criaturas.

A liturgia da Quaresma toma por vezes acentos trágicos, fruto da consideração do que significa para o homem afastar-se de Deus. Mas esta consideração não é a última palavra. A última palavra pertence a Deus, é a palavra do seu amor salvador e misericordioso e, portanto, a palavra da nossa filiação divina. Por isso vos repito com S. João:vede que amor teve por nós o Pai, querendo que nos chamássemos filhos de Deus e que o fôssemos na verdade! Filhos de Deus, irmãos do Verbo feito carne, d'Aquele de Quem foi dito: n'Ele estava a vida, e a vida era a luz dos homens! Filhos da Luz, irmãos da Luz - isso é o que somos! Portadores da única chama capaz de iluminar os corações feitos de carne!

Calando-me eu agora e continuando a Santa Missa, cada um de vós deve pensar no que lhe pede o Senhor; que propósitos, que decisões a acção da graça quer provocar dentro de si. E, ao reconhecer essas exigências sobrenaturais e humanas de entrega e de luta, lembrai-vos de que o nosso modelo é Jesus Cristo, e que Jesus, sendo Deus, permitiu que O tentassem, para que assim nos enchêssemos de ânimo e ficássemos certos da vitória. Porque Ele não perde batalhas; estando unidos a Ele, nunca seremos vencidos, mas poderemos chamar-nos e ser realmente vencedores - bons filhos de Deus.

Vivamos contentes. Eu estou contente. Não o deveria estar olhando para a minha vida, fazendo esse exame pessoal de consciência que este tempo litúrgico da Quaresma nos pede… Mas sinto-me contente, porque vejo que o Senhor me procura uma vez mais, que o Senhor continua a ser meu Pai. Sei que vós e eu, decididamente, com o resplendor e a ajuda da graça, veremos que coisas há que queimar, e queimá-las-emos; que coisas há que entregar, e entregá-las-emos!

A tarefa não é fácil. Mas contamos com uma orientação clara, com uma realidade de que não devemos nem podemos prescindir: somos amados por Deus e deixaremos que o Espírito Santo actue em nós e nos purifique, para podermos abraçar-nos assim ao Filho de Deus na Cruz, ressuscitando depois com Ele, porque a alegria da Ressurreição está enraizada na Cruz.

Maria, nossa Mãe, auxilium christianorum, refugium peccatorum, intercede junto de teu Filho para que nos envie o Espírito Santo, que desperte em nossos corações a decisão de caminharmos com passo firme e seguro, fazendo soar no mais fundo da nossa alma o chamamento que encheu de paz o martírio de um dos primeiros cristãos: veni ad Patrem - vem, volta ao teu Pai, que te espera!

A alegria da Quinta-Feira Santa

Como é fácil de explicar agora o clamor incessante dos cristãos diante da Hóstia Santa, em todos os tempos! Canta, ó língua, o mistério do Corpo glorioso e do Sangue precioso que o Rei dos povos, filho do ventre fecundo, derramou para resgate do mundo. É preciso adorar devotamente este Deus escondido. Ele é o mesmo Jesus Cristo que nasceu da Virgem Maria; o mesmo, que padeceu e foi imolado na Cruz; o mesmo, enfim, de cujo peito trespassado jorrou água e sangue.

Este é o sagrado banquete em que se recebe o próprio Cristo e se renova a memória da Paixão e, com Ele, a alma pode privar na intimidade com o seu Deus e possui um penhor da glória futura. Assim, a liturgia da Igreja resumiu, em breve estrofe, os capítulos culminantes da história da ardente caridade que o Senhor tem para connosco.

O Deus da nossa fé não é um ser longínquo, que contempla com indiferença a sorte dos homens, os seus afãs, as suas lutas, as suas angústias. É um pai que ama os seus filhos até ao ponto de enviar o Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a fim, com a sua encarnação, morrer por nós e nos redimir. É ele ainda o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente para Si, mediante a acção do Espírito Santo que habita nos nossos corações.

A alegria da Quinta-Feira Santa parte, portanto, do facto de nós compreendermos que o Criador se desfez em carinho pelas suas criaturas. Nosso Senhor Jesus Cristo, como se já não fossem suficientes todas as outras provas da sua misericórdia, institui a Eucaristia para que possamos tê-Lo sempre perto de nós e porque - tanto quanto nos é possível entender - movido pelo seu Amor, Ele, que de nada necessita, não quis prescindir de nós. A Trindade apaixonou-se pelo homem, elevado à ordem da graça e feito à sua imagem e semelhança, redimiu-o do pecado - do pecado de Adão que se propagou a toda a sua descendência e dos pecados pessoais de cada um - e deseja vivamente morar na nossa alma, como diz o Evangelho: se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e Meu Pai o amará, e nós viremos a ele, e faremos nele morada: