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Há 6 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Fortaleza → e esperança.

Esperança terrena e esperança cristã

Com monótona cadência sai da boca de muitos o ritornello já tão vulgar, de que a esperança é a última coisa que se perde; como se a esperança fosse um apoio para continuarmos a deambular sem complicações, sem inquietações de consciência; ou como se fosse um expediente que permite adiar sine die a oportuna rectificação do procedimento, a luta para alcançar metas nobres e, sobretudo, o fim supremo de nos unirmos com Deus.

Eu diria que esse é o caminho para confundir a esperança com a comodidade. No fundo, não há ânsias de conseguir um verdadeiro bem, nem espiritual, nem material legítimo; a mais alta pretensão de alguns reduz-se a evitar o que poderia alterar a tranquilidade - aparente - de uma existência medíocre. Com uma alma tímida, acanhada, preguiçosa, a criatura enche-se de egoísmos subtis e conforma-se com o facto de os dias, os anos decorrerem sine spe nec metu, sem aspirações que exijam esforço, sem os perigos da peleja: o que importa é evitar o risco do desaire e das lágrimas. Que longe se está de obter uma coisa, se se malogrou o desejo de a possuir, por temor das exigências que a sua conquista comporta!

Também não falta a atitude superficial dos que - inclusive com visos de afectada cultura ou de ciência - compõem poesia fácil com a esperança. Incapazes de se enfrentarem sinceramente com a sua intimidade e de se decidirem pelo bem, limitam a esperança a uma ilusão, a um sonho utópico, ao simples consolo ante as angústias de uma vida difícil. A esperança - falsa esperança! - transforma-se para estes numa frívola veleidade que a nada conduz.

Onde quer que nos encontremos, esta é a exortação do Senhor: vigiai! Em face deste apelo de Deus, alimentemos nas nossas consciências os desejos esperançosos de santidade, com obras. Dá-me, meu filho, o teu coração, sugere-nos o senhor ao ouvido. Deixa-te de construir castelos com a fantasia, decide-te a abrir a tua alma a Deus, pois exclusivamente no Senhor acharás o fundamento real para a tua esperança e para fazer o bem aos outros. Quando não lutamos connosco mesmos, quando não rechaçamos terminantemente os inimigos que estão dentro da cidadela interior - o orgulho, a inveja, a concupiscência da carne e dos olhos, a auto-suficiência, a tresloucada avidez da libertinagem - quando não existe essa peleja interior, os mais nobres ideais definham como a flor do feno; ao romper o sol ardente, a erva seca, a flor cai e acaba a sua vistosa formosura. Depois, pela menor fenda brotarão o desalento e a tristeza, como plantas daninhas e invasoras.

Jesus não se conforma com um assentimento titubeante. Pretende, tem direito a que caminhemos com inteireza, sem concessões às dificuldades. Exige passos firmes concretos; pois, de ordinário, os propósitos gerais servem para pouco. Os propósitos pouco delineados parecem-me entusiasmos falazes que intentam calar as chamadas divinas percebidas pelo coração; fogos fátuos, que não queimam nem dão calor e que desaparecem com a mesma fugacidade com que surgiram.

Por isso, convencer-me-ei de que as tuas intenções de alcançar a meta são sinceras, se te vir caminhar com determinação. Faz o bem, revendo as tuas atitudes habituais quanto à ocupação de cada instante; pratica a justiça, precisamente nos ambientes que frequentas, ainda que a fadiga te vença; fomenta a felicidade dos que te rodeiam, servindo os outros com alegria no lugar do teu trabalho, com esforço para o acabar com a maior perfeição possível, com a tua compreensão, com o teu sorriso, com a tua atitude cristã. E tudo por Deus, com o pensamento na sua glória, com o olhar no alto, anelando a Pátria definitiva, pois só esse fim vale a pena.

Tudo posso

Se não lutas, não me digas que procuras identificar-te mais com Cristo, conhecê-lo, amá-lo. Quando empreendemos o caminho real de seguir a Cristo, de nos portarmos como filhos de Deus, não se nos oculta o que nos aguarda: a Santa Cruz, que temos de contemplar como o ponto central onde se apoia a nossa esperança de nos unirmos ao Senhor.

Digo-vos desde já que este programa não é uma empresa cómoda; viver da maneira que o Senhor assinala pressupõe esforço. Leio-vos a enumeração do Apóstolo, quando refere as suas peripécias e os seus sofrimentos para cumprir a vontade de Jesus: Dos judeus recebi cinco vezes quarenta açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas; uma vez apedrejado; três vezes naufraguei; uma noite e um dia estive no abismo do mar. Muitas vezes, em viagens, perigos de rios, perigos de ladrões, perigos dos da minha nação, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no descampado, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e misérias, em muitas vigílias, com fome e com sede, com muitos jejuns, com frio e nudez. Além destas coisas exteriores, pesam sobre mim as ocupações de cada dia pela solicitude de todas as igrejas.

Gosto, nestas conversas com o Senhor, de me cingir à realidade em que se desenvolve a nossa vida, sem inventar teorias, nem sonhar com grandes renúncias, com heroicidades, que habitualmente não acontecem. Importa que aproveitemos o tempo, que se nos escapa das mãos e que, segundo o critério cristão, é mais do que ouro, porque representa uma antecipação da glória que depois nos será concedida.

Logicamente, na nossa jornada, não toparemos com tais nem com tantas contradições como as que ocorreram na vida de Saulo. Nós descobriremos a baixeza do nosso egoísmo, os golpes da sensualidade, as investidas de um orgulho inútil e ridículo e muitas outras claudicações: tantas, tantas fraquezas. Descoroçoar? Não. Com S. Paulo, repitamos ao Senhor: sinto complacência nas minhas enfermidades, nos ultrajes, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo; pois quando estou fraco, então sou mais forte .

Misturai-vos com frequência entre os personagens do Novo Testamento. Saboreai aquelas cenas comovedoras em que o Mestre actua com gestos divinos e humanos ou relata, com frases humanas e divinas, a história sublime do perdão e do seu contínuo Amor pelos seus filhos. Esses reflexos do Céu renovam-se também agora na perenidade actual do Evangelho: palpa-se, nota-se, pode-se afirmar que se toca com as mãos a protecção divina; um amparo que adquire vigor, quando prosseguimos apesar dos tropeções, quando começamos e recomeçamos, pois isto é a vida interior vivida com a esperança em Deus.

Sem este empenho em superar os obstáculos de dentro e de fora, não nos será concedido o prémio. Nenhum atleta será premiado, se não lutar verdadeiramente, e não seria autêntico o combate se faltasse o adversário com quem pelejar. Portanto, se não houver adversário, não haverá coroa; pois não pode haver vencedor, onde não há vencido.

Longe de nos desalentarem, as contrariedades hão-de ser um acicate para crescermos como cristãos; nessa luta nos santificamos e o nosso trabalho apostólico adquire maior eficácia. Ao meditar nos momentos em que Jesus Cristo - no Horto das Oliveiras e, mais tarde, no abandono e ludíbrio da Cruz - aceita e ama a Vontade do Pai, enquanto sente o peso gigantesco da Paixão, temos de nos persuadir de que para imitar Cristo, para ser bons discípulos d'Ele, é preciso que sigamos o seu conselho: se alguém quer vir atrás de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Por isso, gosto de pedir a Jesus para mim: Senhor, nenhum dia sem cruz! Assim, com a graça divina, se reforçará o nosso carácter e serviremos de apoio ao nosso Deus, superando as nossas misérias pessoais.

Compreende bem isto: se ao cravar um prego na parede, não encontrasses resistência, que poderias pendurar dele? Se não nos robustecermos, com o auxílio divino, por meio do sacrifício, não alcançaremos a condição de instrumentos do Senhor. Pelo contrário, se nos decidirmos a aproveitar com alegria as contrariedades, por amor de Deus, ao enfrentar o que é difícil e desagradável, o que é duro e incómodo, não nos custará exclamar com os Apóstolos Tiago e João: Podemos!.

A virtude da esperança - certeza de que Deus nos governa com a sua providente omnipotência, de que nos dá os meios necessários - fala-nos da contínua bondade do Senhor para com os homens, para contigo, para comigo, sempre disposto a ouvir-nos, porque jamais se cansa de escutar. Interessam-lhe as tuas alegrias, os teus êxitos, o teu amor e também as tuas dificuldades, a tua dor, os teus fracassos. Por isso, não esperes n'Ele somente quando tropeçares por causa da tua debilidade; dirige-te ao teu Pai do Céu nas circunstâncias favoráveis e nas adversas, acolhendo-te à sua misericordiosa protecção. E a certeza da nossa nulidade pessoal - não é necessária grande humildade para reconhecer esta realidade, pois somos uma autêntica multidão de zeros - converter-se-á em fortaleza irresistível, porque à esquerda do nosso eu estará Cristo, e que cifra incomensurável assim resulta! O Senhor é a minha fortaleza e o meu refúgio, quem temerei?.

Acostumai-vos a ver Deus por trás de tudo, a saber que Ele nos aguarda sempre, que nos contempla e nos pede justamente que o sigamos com lealdade, sem abandonarmos o lugar que nos corresponde neste mundo. Temos de caminhar com afectuosa vigilância, com uma sincera preocupação de lutar, para não perder a sua divina companhia.

Esta luta de um filho de Deus não implica tristes renúncias, obscuras resignações, privações de alegria; é a reacção do enamorado que, enquanto trabalha e enquanto descansa, enquanto se alegra e enquanto padece, põe o seu pensamento na pessoa amada e por ela enfrenta gostosamente os diferentes problemas. No nosso caso, além disso, como Deus - insisto - não perde batalhas, nós, com Ele, seremos vencedores. Tenho a experiência de que, se me ajusto fielmente ao que quer de mim, Ele me faz descansar em verdes prados e me conduz a águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me pelo amor do seu nome. Mesmo que atravesse um vale tenebroso, não temo nenhum mal, porque Tu estás comigo. A tua clava e o teu cajado são o meu consolo.

Nas batalhas da alma, a estratégia muitas vezes é questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente, com paciência, com pertinácia. Aumentai os actos de esperança. Recordo-vos que sofrereis derrotas, ou que passareis por altos e baixos - Deus permita que sejam imperceptíveis - na vossa vida interior, porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é omnipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idóneos para vencer. Basta que os empreguemos, como comentava antes, com a resolução de começar e recomeçar em cada momento, se for preciso.

Recorrei semanalmente - e sempre que o necessiteis, sem dar lugar aos escrúpulos - ao santo Sacramento da Penitência, ao sacramento do perdão divino. Revestidos da graça, caminharemos por entre os montes e subiremos a encosta do cumprimento do dever cristão, sem nos determos. Utilizando estes recursos com boa vontade e rogando ao Senhor que nos conceda uma esperança cada dia maior, possuiremos a alegria contagiosa dos que se sabem filhos de Deus: Se Deus está connosco, quem nos poderá derrotar? . Optimismo, portanto. Incitados pela força da esperança, lutaremos para apagar a mancha viscosa que espalham os semeadores do ódio e redescobriremos o mundo com uma perspectiva jubilosa, porque saiu formoso e limpo das mãos de Deus, e restituir-lho-emos assim belo, se aprendermos a arrepender-nos.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura