Lista de pontos

Há 3 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Filiação divina  → infância espiritual .

O Domingo in albis traz-me à memória uma velha e piedosa tradição da minha terra. Neste dia, em que a liturgia convida a desejar o alimento espiritual - rationabile, sine dolo lac concupiscite, desejai ardentemente o puro leite espiritual - era costume levar a Sagrada Comunhão aos doentes, mesmo que não se tratasse de casos graves, para que pudessem cumprir o preceito pascal.

Nalgumas cidades grandes, cada paróquia organizava uma procissão eucarística. Recordo que, nos meus anos de estudante universitário, era habitual cruzarem-se no Coso de Saragoça três comitivas em que só iam homens, milhares de homens, com grandes círios a arder. Eram homens vigorosos que acompanhavam o Senhor Sacramentado com uma fé maior do que aquelas grandes velas que pesavam muitos quilos.

Esta noite, tendo acordado várias vezes, repeti, como jaculatória, quasi modo geniti infantes, como meninos recém-nascidos… Pensava que esse convite da Igreja vem muito a propósito para todos os que sentimos a realidade da filiação divina, porque nos convém ser muito rijos, fortes, gente de têmpera capaz de influir em qualquer ambiente em que nos encontremos. E, no entanto, diante de Deus, é tão bom que nos consideremos filhos pequenos!

Somos filhos de Deus

Quasi modo geniti infantes, rationabile, sine dolo lac concupiscite, como meninos que acabam de chegar ao mundo, gritai pelo leite limpo e puro do espírito. É extraordinário este versículo de S. Pedro, e entendo muito bem que logo a seguir a liturgia tenha acrescentado: exsultate Deo, adiutori nostro: iubilate Deo Iacob; alegrai-vos em Deus, nosso protector: aclamai o Deus de Jacob, que é também Senhor e Pai Nosso. Mas não pretendia que vós e eu meditássemos hoje sobre o Santo Sacramento do Altar, que arranca dos nossos corações os mais altos louvores a Jesus. Preferia que nos detivéssemos nessa certeza da filiação divina e nalgumas das suas consequências para todos os que pretendem viver com nobre empenho a sua fé cristã.

Por motivos que não vem a propósito referir - mas que são bem conhecidos de Jesus, que aqui temos a presidir no Sacrário - a vida tem-me levado a sentir-me de um modo muito especial filho de Deus. Tenho saboreado a alegria de me meter no coração de meu Pai, para rectificar, para me purificar, para o servir, para compreender e desculpar a todos, tendo como base o seu amor e a minha humilhação.

Por isso, desejo agora insistir na necessidade de nos renovarmos, vós e eu, de despertarmos do sono da tibieza que tão facilmente nos amodorra e de voltarmos a entender, de maneira mais profunda e ao mesmo tempo mais imediata, a nossa condição de filhos de Deus.

O exemplo de Jesus, toda a vida de Cristo por aquelas terras do Oriente ajuda-nos a deixarmo-nos penetrar por essa verdade. Se admitimos o testemunho dos homens - lemos na Epístola - de maior autoridade é o testemunho de Deus. E em que consiste o testemunho de Deus? De novo fala S. João: Considerai o amor que nos mostrou o Pai em querer que nos chamemos filhos de Deus, e que o sejamos… Caríssimos, agora já somos filhos de Deus.

Ao longo dos anos, tenho procurado apoiar-me sem desfalecimento nesta feliz realidade. Em todas as circunstâncias, a minha oração tem sido a mesma com tonalidades diferentes. Tenho-lhe dito: Senhor, Tu colocaste-me aqui; Tu confiaste-me isto ou aquilo, e eu confio em Ti. Sei que és meu Pai e tenho visto sempre que as crianças confiam absolutamente nos pais. A minha experiência sacerdotal tem-me confirmado que este abandono nas mãos de Deus leva as almas a adquirir uma piedade forte, profunda e serena, que impele a trabalhar constantemente com rectidão de intenção.

O exemplo de Jesus Cristo

Quasi modo geniti infantes… Tem constituído para mim grande alegria difundir por toda a parte esta mentalidade de filhos pequenos de Deus, que nos fará saborear as palavras que também aparecem na liturgia da Missa: Todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo, supera as dificuldades, alcança a vitória, nesta grande batalha pela paz das almas e da sociedade.

A nossa sabedoria e a nossa força estão precisamente na convicção da nossa pequenez, do nosso nada aos olhos de Deus. Mas é Ele que nos anima, simultaneamente, a vivermos com plena confiança e a pregarmos Jesus Cristo, seu Filho Unigénito, apesar dos nossos erros e das nossas misérias pessoais, sempre que, a par da nossa fraqueza, não falte a nossa luta por superá-la.

Ter-me-eis ouvido repetir com frequência aquele conselho da Sagrada Escritura: discite benefacere, porque é certo que devemos aprender e ensinar a fazer o bem. Temos de começar por nós próprios, empenhando-nos em descobrir qual é o bem que temos de ambicionar para cada um de nós, para cada um dos nossos amigos, para cada um dos homens. Não conheço melhor caminho para considerar a grandeza de Deus do que partir deste ponto de vista inefável e simples de que Ele é nosso Pai e nós somos seus filhos.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura