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Há 8 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Filiação divina  → confiança em Deus.

Pode-se dizer que Nosso Senhor, perante a missão recebida do Pai, vive o dia-a-dia, tal como aconselhava num dos ensinamentos mais sugestivos que saíram da sua boca divina: não vos preocupeis, quanto à vossa vida, com o que haveis de comer nem, quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir, pois a vida é mais que o alimento e o corpo mais que o vestuário. Reparai nos corvos: não semeiam nem colhem, não têm despensa nem celeiro, e Deus sustenta-os. Quanto mais valeis vós do que as aves!… Reparai nos lírios, como crescem! Não trabalham nem fiam. Pois eu digo-vos: nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé ?

Se vivêssemos mais confiados na Providência divina, seguros - com fé firme - desta protecção diária que nunca nos falta, quantas preocupações ou inquietações pouparíamos a nós próprios. Desapareceriam muitos desassossegos que, segundo palavras de Jesus, são próprios dos pagãos, dos homens do mundo, das pessoas que carecem de sentido sobrenatural. Quereria, em confidência de amigo, de sacerdote, de pai, trazer-vos à memória em cada circunstância, que nós, pela misericórdia de Deus, somos filhos desse Pai Nosso, todo-poderoso, que está nos Céus e, ao mesmo tempo, na intimidade dos nossos corações. Quereria gravar a fogo nas vossas mentes que temos todos os motivos para caminhar com optimismo nesta terra, com a alma bem desprendida dessas coisas que parecem imprescindíveis, pois bem sabe o vosso Pai que tendes necessidade delas. E Ele providenciará. Crede que só assim nos portaremos como senhores da Criação e evitaremos a triste escravidão em que tantos caem, porque esquecem a sua condição de filhos de Deus, preocupados com um amanhã ou um depois que talvez nem sequer cheguem a ver.

Permiti que, mais uma vez, vos manifeste uma pequena parte da minha experiência pessoal. Abro-vos a minha alma na presença de Deus, com a certeza mais absoluta de que não sou modelo de nada, de que sou um farrapo, um pobre instrumento - surdo e inapto - que o Senhor utilizou para que se comprove, com mais evidência, que Ele escreve perfeitamente com a perna de uma mesa. Portanto, ao falar-vos de mim, não me passa pela cabeça, nem de longe, o pensamento de que na minha actuação haja algum mérito meu; e muito menos pretendo impor-vos o caminho por onde o Senhor me levou, até porque pode suceder muito bem que o Mestre não vos peça o que tanto me ajudou a trabalhar sem impedimento nesta Obra de Deus a que dediquei toda a minha existência.

Asseguro-vos - toquei-o com as minhas mãos, contemplei-o com os meus olhos - que, se confiardes na divina Providência, se vos abandonardes nos seus braços omnipotentes, nunca vos faltarão os meios para servir a Deus, à Santa Igreja, às almas, sem descuidar nenhum dos vossos deveres. E, além disso, gozareis de uma alegria e de uma paz que mundus dare non potest, que a posse de todos os bens da terra não pode dar.

Desde os começos do Opus Dei, em 1928, além de que não contava com nenhum recurso humano, nunca utilizei pessoalmente um cêntimo sequer. Tão-pouco intervim directamente nos assuntos económicos que logicamente surgem ao realizar qualquer tarefa em que participam criaturas - homens de carne e osso, e não anjos - que precisam de instrumentos materiais para desenvolver eficazmente o seu trabalho apostólico.

O Opus Dei precisou e penso que precisará sempre, até ao fim dos tempos, da colaboração generosa de muitos para sustentar as obras apostólicas: por um lado, porque essas actividades nunca são rentáveis; por outro, porque ainda que aumentem o número dos que cooperam e o trabalho dos meus filhos, se há amor de Deus, o apostolado desenvolve-se e as necessidades multiplicam-se. Por isso, em mais de uma ocasião, fiz rir os meus filhos, pois enquanto os impulsionava com fortaleza a corresponderem fielmente à graça de Deus, animava-os a dirigirem-se descaradamente ao Senhor, pedindo-lhe mais graça e o dinheiro, de contado, que nos faltava.

Nos primeiros anos, faltava-nos até o mais indispensável. Atraídos pelo fogo de Deus, vinham ter comigo operários, mecânicos, universitários… que ignoravam o aperto e a indigência em que nos encontrávamos, porque no Opus Dei, com o auxílio do Céu, sempre procurámos trabalhar de maneira que o sacrifício e a oração fossem abundantes e escondidos. Ao rememorar agora aquela época, brota do coração uma acção de graças rendida. Que segurança havia nas nossas almas! Sabíamos que, procurando o reino de Deus e a sua justiça, o resto ser-nos-ia concedido por acréscimo . E posso garantir-vos que não deixou de realizar-se nenhuma iniciativa apostólica por falta de recursos materiais. No momento preciso, de uma forma ou doutra, o nosso Pai Deus com a sua Providência ordinária facilitava-nos o que era necessário, para que víssemos que Ele é sempre bom pagador.

Mas se abundam os temerosos e os frívolos, nesta nossa terra muitos homens rectos, impelidos por um nobre ideal - ainda que sem motivo sobrenatural, por filantropia - afrontam toda a espécie de privações e consomem-se generosamente a servir os outros, a ajudá-los nos seus sofrimentos ou nas suas dificuldades. Sinto-me sempre levado a respeitar, e mesmo a admirar a tenacidade de quem trabalha decididamente por um ideal limpo. No entanto, considero minha obrigação recordar que tudo o que iniciamos aqui, se é empresa exclusivamente nossa, nasce com o selo da caducidade. Meditai as palavras da Escritura: contemplei tudo o que as minhas mãos tinham feito e as canseiras que tive ao fazê-lo e vi que tudo era vaidade e vento que passa e que nada havia de proveitoso debaixo do sol.

Esta precariedade não sufoca a esperança. Pelo contrário, quando reconhecemos a pequenez e a contingência das iniciativas terrenas, o trabalho abre-se à autêntica esperança que eleva toda a actividade humana e a converte em lugar de encontro com Deus. Essa tarefa é assim iluminada com uma luz perene, que afasta as trevas das desilusões. Mas se transformarmos os projectos temporais em metas absolutas, suprimindo do horizonte a morada eterna e o fim para que fomos criados - amar e louvar o Senhor e possuí-lo depois no Céu - os intentos mais brilhantes transformam-se em traições e inclusive em instrumento para envilecer as criaturas. Recordai a sincera e famosa exclamação de Santo Agostinho, que tinha experimentado tantas amarguras enquanto não conhecia Deus e procurava fora d'Ele a felicidade: fizeste-nos, Senhor, para Ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansa em Ti!. Talvez não exista nada mais trágico na vida dos homens do que os enganos padecidos pela corrupção ou pela falsificação da esperança, apresentada com uma perspectiva que não tem como objecto o amor que sacia sem saciar.

A mim, e desejo que a vós suceda o mesmo, a segurança de me sentir - de me saber - filho de Deus enche-me de verdadeira esperança que, por ser virtude sobrenatural, ao ser infundida nas criaturas, se acomoda à nossa natureza e é também virtude muito humana. Sou feliz com a certeza do Céu que alcançaremos, se permanecermos fiéis até ao fim; com a felicidade que nos chegará, quoniam bonus, porque o meu Deus é bom e é infinita a sua misericórdia. Esta convicção incita-me a compreender que só o que está marcado com o selo de Deus revela o sinal indelével da eternidade e tem um valor imperecível. Por isso, a esperança não me separa das coisas desta terra, antes me aproxima dessas realidades de um modo novo, cristão, que procura descobrir em tudo a relação da natureza, caída, com Deus Criador e com Deus Redentor.

Em que esperar

Dado que o mundo oferece muitos bens, apetecíveis para este nosso coração, que reclama felicidade e busca ansiosamente o amor, talvez alguns perguntem: nós, os cristãos, em que devemos esperar? Além disso, queremos semear a paz e a alegria às mãos cheias, não ficamos satisfeitos com a consecução da prosperidade pessoal e procuramos que estejam contentes todos os que nos rodeiam.

Por desgraça, alguns, com uma visão digna mas rasteira, com ideais exclusivamente caducos e fugazes, esquecem que os anelos do cristão se hão-de orientar para cumes mais elevados: infinitos. O que nos interessa é o próprio Amor de Deus, é gozá-lo plenamente, com um júbilo sem fim. Temos comprovado, de muitas maneiras, que as coisas da terra hão-de passar para todos, quando este mundo acabar; e já antes, para cada um, com a morte, porque nem as riquezas nem as honras acompanham ninguém ao sepulcro. Por isso, com as asas da esperança, que anima os nossos corações a levantarem-se para Deus, aprendemos a rezar: in te Domine speravi, non confundar in æternum, espero em Ti, Senhor, para que me dirijas com as tuas mãos agora e em todos os momentos pelos séculos dos séculos.

O Senhor não nos criou para construirmos aqui uma Cidade definitiva, porque este mundo é o caminho para o outro, que é morada sem pesar. No entanto, nós, os filhos de Deus, não devemos desligar-nos das actividades terrenas em que Deus nos coloca para as santificarmos, para as impregnarmos da nossa bendita fé, a única que dá verdadeira paz, alegria autêntica às almas e aos diversos ambientes. Tem sido esta a minha pregação constante desde 1928: urge cristianizar a sociedade; levar a todos os estratos desta nossa humanidade o sentido sobrenatural, de modo que uns e outros nos empenhemos em elevar à ordem da graça a ocupação diária, a profissão ou o ofício. Desta forma, todas as ocupações humanas se iluminam com uma esperança nova, que transcende o tempo e a caducidade do mundano.

Pelo Baptismo, somos portadores da palavra de Cristo, que serena, que inflama e aquieta as consciências feridas. E para que o Senhor actue em nós e por nós, temos de lhe dizer que estamos dispostos a lutar em cada dia, ainda que nos vejamos frouxos e inúteis, ainda que sintamos o peso imenso das misérias pessoais e da pobre debilidade pessoal. Temos de lhe repetir que confiamos n'Ele, na sua ajuda: se é preciso, como Abraão, contra toda a esperança. Assim trabalharemos com renovado empenho e ensinaremos as pessoas a reagirem com serenidade, livres de ódios, de receios, de ignorância, de incompreensões, de pessimismos, porque Deus tudo pode.

A virtude da esperança - certeza de que Deus nos governa com a sua providente omnipotência, de que nos dá os meios necessários - fala-nos da contínua bondade do Senhor para com os homens, para contigo, para comigo, sempre disposto a ouvir-nos, porque jamais se cansa de escutar. Interessam-lhe as tuas alegrias, os teus êxitos, o teu amor e também as tuas dificuldades, a tua dor, os teus fracassos. Por isso, não esperes n'Ele somente quando tropeçares por causa da tua debilidade; dirige-te ao teu Pai do Céu nas circunstâncias favoráveis e nas adversas, acolhendo-te à sua misericordiosa protecção. E a certeza da nossa nulidade pessoal - não é necessária grande humildade para reconhecer esta realidade, pois somos uma autêntica multidão de zeros - converter-se-á em fortaleza irresistível, porque à esquerda do nosso eu estará Cristo, e que cifra incomensurável assim resulta! O Senhor é a minha fortaleza e o meu refúgio, quem temerei?.

Acostumai-vos a ver Deus por trás de tudo, a saber que Ele nos aguarda sempre, que nos contempla e nos pede justamente que o sigamos com lealdade, sem abandonarmos o lugar que nos corresponde neste mundo. Temos de caminhar com afectuosa vigilância, com uma sincera preocupação de lutar, para não perder a sua divina companhia.

Esta luta de um filho de Deus não implica tristes renúncias, obscuras resignações, privações de alegria; é a reacção do enamorado que, enquanto trabalha e enquanto descansa, enquanto se alegra e enquanto padece, põe o seu pensamento na pessoa amada e por ela enfrenta gostosamente os diferentes problemas. No nosso caso, além disso, como Deus - insisto - não perde batalhas, nós, com Ele, seremos vencedores. Tenho a experiência de que, se me ajusto fielmente ao que quer de mim, Ele me faz descansar em verdes prados e me conduz a águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me pelo amor do seu nome. Mesmo que atravesse um vale tenebroso, não temo nenhum mal, porque Tu estás comigo. A tua clava e o teu cajado são o meu consolo.

Nas batalhas da alma, a estratégia muitas vezes é questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente, com paciência, com pertinácia. Aumentai os actos de esperança. Recordo-vos que sofrereis derrotas, ou que passareis por altos e baixos - Deus permita que sejam imperceptíveis - na vossa vida interior, porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é omnipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idóneos para vencer. Basta que os empreguemos, como comentava antes, com a resolução de começar e recomeçar em cada momento, se for preciso.

Recorrei semanalmente - e sempre que o necessiteis, sem dar lugar aos escrúpulos - ao santo Sacramento da Penitência, ao sacramento do perdão divino. Revestidos da graça, caminharemos por entre os montes e subiremos a encosta do cumprimento do dever cristão, sem nos determos. Utilizando estes recursos com boa vontade e rogando ao Senhor que nos conceda uma esperança cada dia maior, possuiremos a alegria contagiosa dos que se sabem filhos de Deus: Se Deus está connosco, quem nos poderá derrotar? . Optimismo, portanto. Incitados pela força da esperança, lutaremos para apagar a mancha viscosa que espalham os semeadores do ódio e redescobriremos o mundo com uma perspectiva jubilosa, porque saiu formoso e limpo das mãos de Deus, e restituir-lho-emos assim belo, se aprendermos a arrepender-nos.

Nunca faltaram os hereges - mesmo na época apostólica - que pretenderam arrancar a esperança aos cristãos. Se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como dizem alguns de entre vós que não há ressurreição dos mortos? Pois, se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é pois vã a nossa pregação, e é também vã a nossa fé… A divindade do nosso caminho - Jesus, caminho, verdade e vida - é penhor seguro de que leva à felicidade eterna, se não nos afastarmos d'Ele.

Como será maravilhoso quando o nosso Pai nos disser: servo bom e fiel, porque foste fiel nas coisas pequenas, eu te confiarei as grandes: entra no gozo do teu Senhor!. Esperançados! Esse é o prodígio da alma contemplativa. Vivemos de Fé, de Esperança e de Amor; e a Esperança torna-nos poderosos. Recordais-vos de S. João? Eu vos escrevo, jovens, porque sois valentes e a palavra de Deus permanece em vós e vencestes o maligno. Deus urge-nos, para a juventude eterna da Igreja e de toda a humanidade. Podeis transformar em divino todo o humano, como o rei Midas convertia em ouro tudo o que tocava!

Nunca esqueçais que depois da morte vos receberá o Amor. E no amor de Deus encontrareis, além do mais, todos os amores limpos que tenhais tido na terra. O Senhor dispôs que passemos esta breve jornada da nossa existência, trabalhando e, como o seu Unigénito, fazendo o bem. Entretanto, temos de estar alerta, à escuta daquelas chamadas que Santo Inácio de Antioquia notava na sua alma, ao aproximar-se a hora do martírio: vem para junto do Pai, vem para o teu Pai que te espera ansioso.

Peçamos a Santa Maria, Spes nostra, que nos inflame no santo empenho de habitarmos todos juntos na casa do Pai. Nada nos poderá preocupar, se decidirmos firmar o coração no desejo da verdadeira Pátria: o Senhor nos conduzirá com a sua graça e impelirá a barca com bom vento para tão claras margens.