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Há 5 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Desprendimento → domínio sobre as coisas, servir.

Senhorio do cristão

Corações generosos, com desprendimento verdadeiro, pede o Senhor. Consegui-lo-emos, se soltarmos com valentia as amarras ou os fios subtis que nos prendem ao nosso eu. Não vos escondo que esta determinação exige uma luta constante, uma sobreposição ao entendimento e à vontade própria, em poucas palavras, uma renúncia mais árdua que o abandono dos bens materiais mais desejados.

Esse desprendimento que o Mestre pregou e que espera de todos os cristãos implica também necessariamente manifestações externas. Jesus Cristo coepit facere et docere: antes de anunciar a sua doutrina com a palavra, anunciou-a com as obras. Vemo-lo nascer num estábulo, na carência mais absoluta, e dormir os seus primeiros sonos na terra deitado sobre as palhas de uma manjedoura. Depois, durante os anos das suas andanças apostólicas, entre muitos outros exemplos, recordamos a sua clara advertência a um dos que se ofereceram para o acompanhar como discípulo: as raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. E não deixemos de contemplar aquela cena que o Evangelho recolhe, em que os apóstolos, para matar a fome, num sábado, arrancam pelo caminho umas espigas de trigo.

Se quereis actuar sempre como senhores de vós próprios, aconselho-vos a pordes um empenho muito grande em estar desprendidos de tudo, sem medo, sem temores nem receios. Depois, ao cuidar de cumprir as vossas obrigações pessoais, familiares…, empregai os meios terrenos honestos com rectidão, pensando no serviço a Deus, à Igreja, aos vossos, ao vosso trabalho profissional, ao vosso país, à humanidade inteira. Reparai que o importante não se concretiza na materialidade de possuir isto ou de carecer daquilo, mas sim em nos conduzirmos de acordo com a verdade que a nossa fé cristã nos ensina: os bens criados são apenas meios. Portanto, afastai a ilusão de considerá-los como algo definitivo: não acumuleis tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os corroem e os ladrões os desenterram e furtam. Acumulai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os corroem e onde os ladrões não os descobrem nem furtam. Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração .

Quando alguém centra a sua felicidade exclusivamente nas coisas terrenas - fui testemunha de verdadeiras tragédias - perverte o seu uso razoável e destrói a ordem sabiamente disposta pelo Criador. O coração fica então triste e insatisfeito; mete-se por caminhos de um eterno descontentamento e acaba escravizado já na terra, vítima desses mesmos bens, que talvez tenham sido conseguidos à custa de renúncias e esforços sem conta. Mas, sobretudo, recomendo-vos que não esqueçais que Deus não cabe, não habita num coração enlameado por um amor desordenado, grosseiro, vão. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Prendamos, pois, o coração no amor capaz de nos fazer felizes… Desejemos os tesouros do céu.

Não te estou a induzir a um abandono no cumprimento dos teus deveres ou na exigência dos teus direitos. Pelo contrário, para cada um de nós, habitualmente, uma retirada nessa frente equivale a desertarmos cobardemente da luta para sermos santos, à qual Deus nos chamou. Por isso, com segurança de consciência, hás-de pôr empenho - especialmente no teu trabalho - para que nem a ti nem aos teus falte o conveniente para viver com dignidade cristã. Se em algum momento, experimentares na tua carne o peso da indigência, não te entristeças nem te revoltes; mas, insisto, procura empregar todos os recursos nobres para superar essa situação, porque actuar de outra maneira seria tentar a Deus. E enquanto lutas, lembra-te de que omnia in bonum!, tudo - também a escassez, a pobreza - coopera para o bem dos que amam o Senhor. Habitua-te, desde já, a enfrentar com alegria as pequenas limitações, as incomodidades, o frio, o calor, a privação de algo que consideras imprescindível, o facto de não poderes descansar quando e como queres, a fome, a solidão, a ingratidão, a incompreensão, a desonra…

O desprendimento que prego, depois de olhar o nosso modelo, é domínio e não miséria clamorosa que chame a atenção, disfarce da preguiça e do desmazelo. Deves andar vestido de acordo com o que é próprio da tua condição, do teu ambiente, da tua família, do teu trabalho…, como os teus companheiros, mas por Deus, com o afã de dar uma imagem autêntica e atraente da verdadeira vida cristã. Com naturalidade, sem extravagâncias, asseguro-vos que é preferível que pequeis por excesso do que por defeito. Como imaginas tu o porte de Nosso Senhor? Já pensaste com que dignidade vestiria aquela túnica inconsútil, que provavelmente terá sido tecida pelas mãos de Santa Maria? Não te lembras de como em casa de Simão se lamenta por não lhe haverem oferecido água para se lavar, antes de se sentar à mesa? Com certeza que o Senhor trouxe à baila essa falta de urbanidade, para realçar com tal facto o ensinamento de que é nos pormenores que se mostra o amor. Mas procura também deixar claro que se atém aos usos sociais do ambiente. Portanto, tu e eu esforçar-nos-emos por estar desapegados dos bens e das comodidades da terra, mas sem destoar e sem fazer coisas estranhas.

Para mim, uma manifestação de que nos sentimos senhores do mundo, administradores fiéis de Deus, é cuidar das coisas que usamos, com interesse em conservá-las, em fazê-las durar, em mantê-las impecáveis e em fazê-las servir o mais tempo possível para o seu fim, de maneira a não haver desperdício. Nos centros do Opus Dei, encontrais uma decoração simples, acolhedora e, sobretudo, limpa, porque não tem que se confundir uma casa pobre com o mau gosto ou com a sujidade. No entanto, compreendo que tu, de acordo com as tuas possibilidades e as tuas obrigações familiares e sociais, possuas objectos de valor e cuides deles com espírito de mortificação, com desprendimento.

Há muitos anos - mais de vinte e cinco - eu costumava passar por um refeitório de caridade, para mendigos que não comiam em cada dia outro alimento senão o que ali lhes davam. Tratava-se de um local grande, entregue aos cuidados de um grupo de senhoras bondosas. Depois da primeira distribuição, acudiam outros mendigos, para recolher as sobras. Entre os deste segundo grupo houve um que me chamou a atenção: era proprietário de uma colher de lata! Tirava-a cuidadosamente do bolso, com avareza, olhava-a com satisfação e, quando acabava de saborear a sua ração, voltava a olhar para a colher com uns olhos que gritavam: é minha! Dava-lhe duas lambedelas para a limpar e guardava-a de novo, satisfeito, nas pregas dos seus andrajos. Efectiva mente era sua! Um pobre miserável que, entre aquela gente, companheira de desventura, se considerava rico.

Por essa altura, conhecia também uma senhora com título nobiliárquico, Grande de Espanha. Isto não conta nada diante de Deus: somos todos iguais, todos filhos de Adão e Eva, criaturas débeis, com virtudes e com defeitos, capazes dos piores crimes, se o senhor nos abandona. Desde que Cristo nos redimiu, não há diferença de raça, nem de língua, nem de cor, nem de estirpe, nem de riquezas… Somos todos filhos de Deus. Essa pessoa de que vos falo agora residia numa casa solarenga, mas não gastava consigo mesma nem duas pesetas por dia. Por outro lado, pagava muito bem aos seus empregados e o resto destinava-o a ajudar os necessitados, passando ela própria privações de todo o género. A esta mulher não lhe faltavam muitos desses bens que tantos ambicionam, mas ela era pessoalmente pobre, muito mortificada, completamente desprendida de tudo. Compreendestes bem? Aliás, basta escutar as palavras do Senhor: bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus.

Se desejas alcançar esse espírito, aconselho-te a que sejas sóbrio contigo e muito generoso com os outros. Evita os gastos supérfluos por luxo, por capricho, por vaidade, por comodidade…; não cries necessidades. Numa palavra, aprende com S. Paulo a viver na pobreza e a viver na abundância, a ter fartura e a passar fome, a ter de sobra e a padecer necessidade. Tudo posso naquele que me conforta. E, como o Apóstolo, também sairemos vencedores da luta espiritual, se mantivermos o coração desapegado, livre de ataduras.

Todos os que viemos a esta luta da fé, diz S. Gregório Magno, tomamos a nosso cargo lutar contra os espíritos malignos. Os demónios nada possuem neste mundo e, portanto, assim como eles se apresentam nus à peleja, também nós devemos lutar nus. Porque, se alguém vestido lutar com outro sem roupa, depressa será derrubado, pois o seu inimigo tem por onde o agarrar. E que são as coisas da terra senão uma espécie de indumentária?

Referências da Sagrada Escritura
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