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Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Visão sobrenatural  → fé.

O caminho da fé

Não é fácil esta meta da identificação com Cristo. Mas também não é difícil, se vivemos de acordo com os ensinamentos do Senhor, isto é, se recorrermos diariamente à sua Palavra, se impregnarmos a nossa vida da realidade sacramental - a Eucaristia - que Ele nos deixou como alimento, porque o caminho do cristão é andadeiro, como diz uma antiga canção da minha terra. Tal como os Reis Magos, descobrimos uma estrela que é luz, rumo certo no céu da nossa alma.

Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Também nós vivemos esta experiência. Também nós sentimos que, pouco a pouco, se acendia na nossa alma uma luz nova: o desejo de ser cristãos em plenitude, o desejo, por assim dizer, de tomar Deus a sério. Se cada um de nós começasse agora a contar em voz alta o processo interior da sua vocação sobrenatural, não poderíamos deixar de pensar que tudo isso foi divino. Agradeçamos, pois, a Deus Pai, a Deus Filho, a Deus Espírito Santo e a Santa Maria - por cuja intercessão chegam até nós todas as bênçãos do Céu - este dom, que, a par da fé, é o maior que o Senhor pode conceder a uma criatura: a firme determinação de alcançar a plenitude da caridade, com a convicção de que também é necessária, e não apenas possível, a santidade no meio dos afazeres profissionais, sociais…

Considerai a delicadeza com que o Senhor nos dirige este convite. Exprime-se com palavras humanas, como um apaixonado: Eu chamei-te pelo teu nome…Tu és meu. Deus - que é a Beleza, a Sabedoria, a Grandeza - anuncia-nos que somos seus, que fomos escolhidos como objecto do seu amor infinito. É precisa uma vida forte de fé para não desvirtuar esta maravilha que a Providência depõe nas nossas mãos, uma fé como a dos Reis Magos, que nos leva a ter a certeza de que nem o deserto, nem a tormenta, nem a tranquilidade do oásis nos impedirão de chegar à meta do presépio eterno: a vida definitiva com Deus.

*Homilia pronunciada em 14 de Abril de 1960, Quinta-Feira Santa.

Antes do dia da festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Este versículo de S. João anuncia ao leitor que vai acontecer algo de importante nesse dia. É um preâmbulo terno e afectuoso, que corresponde àquele que S. Lucas recolhe no seu relato: Tenho desejado ardentemente - afirma o Senhor - comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer.

Devemos começar desde já por pedir ao Espírito Santo que nos prepare de forma a podermos compreender todas as expressões e todos os gestos de Jesus Cristo, porque queremos viver vida sobrenatural, porque o Senhor nos manifestou a sua vontade de se nos oferecer como alimento da alma e porque reconhecemos que só Ele tem palavras de vida eterna.

A fé leva-nos a confessar com Simão Pedro: nós acreditamos e conhecemos que tu és Cristo, Filho de Deus.E é também ela, fundida com a nossa devoção, que nesses momentos transcendentes nos incita a imitar a audácia de João. Assim, aproximamo-nos de Jesus e reclinamos a cabeça no peito do Mestre que, como acabamos de ouvir, por amar ardentemente os seus, os iria amar até ao fim.

Todos os modos de dizer são demasiadamente pobres quando pretendem explicar, mesmo de longe, o mistério da Quinta-Feira Santa. No entanto, não é difícil imaginar os sentimentos do Coração de Jesus Cristo naquela tarde, a última que passava com os seus antes do sacrifício do Calvário.

Lembremo-nos da experiência tão humana da despedida de duas pessoas muito amigas. Desejariam ficar sempre juntas, mas odever - ou seja o que for - obriga-as a afastar-se uma da outra. Não podem, portanto, continuar uma junto das outra, como seria doseu gosto. Nestas ocasiões, o amor humano, que por maior que seja,é sempre limitado, costuma recorrer aos símbolos. As pessoas que se despedem trocam lembranças entre si, talvez uma fotografia onde se escreve uma dedicatória tão calorosa, que até admira que não arda o papel. Mas não podem ir além disso, porque opoder das criaturas não vai tão longe como o seu querer.

Ora o que não está na nossa mão, consegue-o o Senhor. Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem, não deixa um símbolo, mas uma realidade. Fica Ele mesmo. Embora vá para o Pai, permanece entre os homens. Não nos deixará um simples presente que nos faça evocar a sua memória, alguma imagem que tenda a apagar-se com o tempo, como uma fotografia que a pouco e pouco se vai esvaindo e amarelecendo até perder o sentido para quem não interveio naquele momento amoroso. Sob as espécies do pão e do vinho está Ele, realmente presente, com o seu Corpo, oseu Sangue, a alma e a sua Divindade.

Ouvimos agora a palavra da Escritura, a Epístola e o Evangelho, que são luzes do Paráclito, que fala com voz humana para que a nossa inteligência saiba e contemple, para que a vontade se robusteça e a acção se cumpra, porque somos um único povo que confessa uma única fé, um Credo, um povo congregado na unidade do Pai, do Filho e do, Espírito Santo.

Segue-se o ofertório: o pão e o vinho dos homens. Não é muito, mas a oração acompanha-os: sejamos, Senhor, por Vós recebidos em espírito de humildade e coração contrito; e assim se faça hoje, ó Deus e Senhor Nosso, este nosso sacrifício na Vossa presença, de modo que Vos seja agradável. Irrompe de novo a recordação da nossa miséria e o desejo de que tudo aquilo que se destina ao Senhor esteja limpo e purificado: lavarei as minhas mãos, amo o decoro da tua casa.

Há instantes, antes do lavabo, invocámos o Espírito Santo, pedindo-Lhe que abençoasse o Sacrifício oferecido ao Seu Santo Nome. Terminada a purificação, dirigimo-nos à Trindade - Suscipe, Sancta Trinitas -, para que receba o que apresentamos em memória da Vida, da Paixão, da Ressurreição e da Ascensão de Cristo, em honra de Maria, sempre Virgem, e em honra de todos os santos.

A oblação deve redundar em benefício de todos - Orate, fratres, reza o sacerdote -, porque este sacrifício é meu e vosso, de toda a Igreja Santa. Orai, irmãos, mesmo que sejam poucos os que se encontram reunidos, mesmo que se encontre materialmente presente apenas um cristão ou até só o celebrante, porque uma Missa é sempre o holocausto universal, o resgate de todas as tribos e línguas e povos e nações!

Todos os cristãos, pela comunhão dos Santos, recebem as graças de cada Missa, quer se celebre diante de milhares de pessoas, quer haja apenas como único assistente um menino, possivelmente distraído, a ajudar o sacerdote. Tanto num caso como noutro, a Terra e o Céu unem-se para entoar com os Anjos do Senhor: Sanctus, Sanctus, Sanctus…

Eu aplaudo e louvo com os anjos. Não me é difícil, porque sei que me encontro rodeado por eles quando celebro a Santa Missa. Estão a adorar a Trindade. E sei também que, de algum modo, intervém a Santíssima Virgem, pela íntima união que tem com a Santíssima Trindade, porque é Mãe de Cristo, da sua Carne e do seu Sangue, Mãe de Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem. Jesus Cristo, ao ser concebido nas entranhas de Maria Santíssima sem intervenção de varão, mas unicamente pelo poder do Espírito Santo, tem o mesmo sangue de sua Mãe. E é esse Sangue o que se oferece no sacrifício redentor, no Calvário e na Santa Missa.

Jesus Cristo, fundamento da vida cristã

Quis recordar, embora brevemente, alguns dos aspectos do viver actual de Cristo - Iesus Christus heri et hodie; ipse et in saecula; Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem e hoje, e por toda a eternidade - porque aí está o fundamento de toda a vida cristã. Se olharmos ao nosso redor e considerarmos o decurso da história da Humanidade, observaremos progressos, avanços: a Ciência deu ao homem uma consciência maior do seu poder; a Técnica domina a Natureza melhor do que em épocas passadas; e permite à Humanidade sonhar com um nível mais alto de cultura, de vida material, de unidade.

Talvez alguns se sintam levados a matizar este quadro, recordando que os homens padecem agora injustiças e guerras maiores ainda do que as passadas. E não lhes falta razão. Mas, por cima dessas considerações, prefiro recordar que, no domínio religioso, o homem continua a ser homem e Deus continua a ser Deus. Neste campo, o cume do progresso já se deu; é Cristo, alfa e ómega, princípio e fim.

No terreno espiritual não há nenhuma nova época a que chegar. Já tudo se deu em Cristo, que morreu e ressuscitou, e vive, e permanece para sempre. Mas é preciso unirmo-nos a Ele pela fé, deixando que a sua vida se manifeste em nós, de maneira que se possa dizer que cada cristão é, não já alter Christus, mas ipse Christus, o próprio Cristo.

O cristão sabe que está enxertado em Cristo pelo Baptismo; habilitado a lutar por Cristo pela Confirmação; chamado a actuar no mundo pela participação que tem na função real, profética e sacerdotal de Cristo; feito uma só coisa com Cristo pela Eucaristia, Sacramento da unidade e do amor. Por isso, tal como Cristo, há-de viver voltado para os outros homens, olhando com amor para todos e cada um dos que o rodeiam, para a Humanidade inteira.

A fé leva-nos a reconhecer Cristo como Deus, a vê-Lo como nosso Salvador, a identificarmo-nos com Ele, actuando como Ele actuou. O Ressuscitado, depois de arrancar das suas dúvidas o Apóstolo Tomé, mostrando-lhe as chagas, exclama: Bem-aventurados os que, sem me verem, acreditaram. Aqui - comenta S. Gregório Magno - fala-se de nós de um modo particular, porque nós possuímos espiritualmente Aquele a Quem corporalmente não vimos. Fala-se de nós, mas com a condição de que as nossas acções se conformem à nossa fé. Não crê verdadeiramente senão quem, no seu actuar, põe em prática o que crê. Por isso, a propósito daqueles que da fé não possuem mais do que as palavras, diz S. Paulo: professam conhecer Deus mas negam-no com as obras.

Não é possível separar em Cristo o ser de Deus-Homem e a sua função de Redentor. O Verbo fez-se carne e veio à Terra ut omnes homines salvi fiant, para salvar todos os homens. Com todas as nossas misérias e limitações pessoais, nós somos outros Cristos, o próprio Cristo, e somos também chamados a servir todos os homens.

É necessário que ressoe uma e outra vez aquele mandamento que continuará a ser novo através dos séculos: Caríssimos - escreve S. João - não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento antigo, que recebestes desde o princípio. Este mandamento antigo é a palavra divina que ouvistes. E, no entanto, falo-vos de um mandamento novo, que é verdadeiro n'Ele mesmo e em vós porque as trevas já passaram e já resplandece a verdadeira luz. Quem diz que está na luz e aborrece o seu irmão, ainda está nas trevas. Quem ama o seu irmão permanece na luz e nele não há ocasião de queda.

Nosso Senhor veio trazer a paz, a boa nova, a vida a todos os homens. Não só aos ricos, nem só aos pobres; não só aos sábios, nem só à gente simples; a todos; aos irmãos, pois somos irmãos, já que somos filhos de um mesmo Pai, Deus. Não há, portanto, mais do que uma raça: a raça dos filhos de Deus. Não há mais que uma cor: a cor dos filhos de Deus. E não há senão uma língua: a que nos fala ao coração e à inteligência, sem ruído de palavras, mas dando-nos a conhecer Deus e fazendo que nos amemos uns aos outros.