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Há 4 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Liberdade → que Cristo conquistou.

Responsabilidade dos pastores

Na Igreja de Deus, o empenho constante por sermos cada vez mais leais à doutrina de Cristo é obrigação de todos. Ninguém está isento. Se os pastores não lutassem pessoalmente por adquirir finura de consciência, respeito fiel ao dogma e à moral - que constituem o depósito da fé e o património comum -, voltariam a ser reais as proféticas palavras de Ezequiel: Filho do homem profetiza acerca dos pastores de Israel; profetiza e diz aos pastores: - Isto diz o Senhor Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si próprios! Porventura não são os rebanhos os que devem ser apascentados pelos pastores? Vós lhes tomais o leite e vos vestis com as suas lãs e matais as reses mais gordas, mas não apascentais o meu rebanho. Não fortalecestes as ovelhas débeis, não curastes as doentes, não pusestes ligaduras às que tinham algum membro quebrado, não fizestes voltar as desgarradas, nem buscastes as que se tinham perdido; mas dominastes sobre elas com aspereza e com prepotência.

São repreensões fortes, mas mais grave é a ofensa que se faz a Deus quando, tendo recebido o cargo de velar pelo bem espiritual de todos, se maltratam as almas, privando-as da água limpa do Baptismo que regenera a alma, do óleo balsâmico da Confirmação, que a fortalece, do tribunal que perdoa, do alimento que dá a vida eterna.

Quando é que isto pode acontecer? Quando se abandona esta guerra de paz. Quem não luta, expõe-se a qualquer daquelas escravidões, que têm o efeito de aferrolhar os corações de carne: a escravidão duma visão exclusivamente humana, a escravidão do desejo afanoso de poder e de prestígio temporal, a escravidão da vaidade, a escravidão do dinheiro, a escravidão da sensualidade…

Se alguma vez - porque Deus pode permitir essa prova - tropeçais com pastores indignos deste nome, não vos escandalizeis. Cristo prometeu assistência infalível e indefectível à sua Igreja, mas não garantiu a fidelidade dos homens que a compõem. A estes não lhes faltará a graça abundante, generosa - se puserem da sua parte o pouco que Deus pede: vigiar atentamente, empenhando-se em remover, com a graça de Deus, os obstáculos para conseguir a santidade. Se não há luta, quem parece estar nos píncaros pode estar muito baixo aos olhos de Deus. Conheço as tuas obras, a tua conduta, sei que tens fama de que vives e estás morto. Sê vigilante e consolida os restos do teu rebanho, que está para morrer, porque não acho as tuas obras perfeitas diante do meu Deus. Lembra-te, pois, do que recebeste e ouviste, e observa-o, e faz penitência.

São exortações do apóstolo S. João, no século primeiro, dirigidos a quem tinha a responsabilidade da Igreja na cidade de Sardes. Porque a possível decadência do sentido da responsabilidade em alguns pastores não é um fenómeno moderno; surge já no tempo dos Apóstolos, no próprio século em que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha vivido na terra. E ninguém está seguro, se deixa de lutar consigo mesmo. Ninguém pode salvar-se isoladamente. Todos na Igreja precisamos desses meios concretos que nos fortalecem: da humildade, que nos dispõe a aceitar a ajuda e o conselho; das mortificações, que nos removem o coração, para que nele reine Cristo; do estudo da Doutrina segura de sempre, que nos leva a conservar em nós a fé e a propagá-la.

Reflectir no sentido da morte de Cristo

A digressão que acabo de fazer tem por única finalidade pôr em evidência uma verdade central: recordar que a vida cristã encontra o seu sentido em Deus . Nós os homens não fomos criados apenas para edificar um mundo o mais justo possível: para além disso, fomos colocados na Terra para entrar em comunhão com o próprio Deus. Jesus não nos prometeu a comodidade temporal, nem a glória terrena, mas a casa de Deus-Pai, que nos espera no final do caminho.

A liturgia de Sexta-feira Santa inclui um hino maravilhoso: o Crux Fidelis. Nesse hino, somos convidados a cantar e celebrar o glorioso combate do Senhor, o troféu que é a Cruz, a esplêndida vitória de Cristo. O Redentor do Universo, ao ser imolado, triunfa. Deus, Senhor de toda a criação, não afirma a sua presença com a força das armas, nem sequer com o poder temporal dos seus, mas sim com a grandeza do seu amor infinito.

O Senhor não destrói a liberdade do homem: precisamente foi Ele que nos fez livres. Por isso mesmo não quer respostas forçadas, mas sim decisões que saiam da intimidade do coração. E espera de nós, cristãos, que vivamos de tal maneira que aqueles que convivam connosco, por cima das nossas próprias misérias, erros e deficiências, encontrem o eco do drama de amor do Calvário. Tudo o que temos, recebemo-lo de Deus, para sermos sal que dê sabor, luz que leve aos homens a alegre nova de que Ele é um Pai que ama sem medida. O cristão é luz do mundo, não porque vença ou triunfe, mas porque dá testemunho do amor de Deus. E não será sal se não servir para salgar; nem será luz se, com o seu exemplo e a sua doutrina, não oferecer um testemunho de Jesus, se perder aquilo que constitui a razão de ser da sua vida.

No meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado ainda habita em nós de algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza da sua filiação divina, quando se reconhece plenamente livre porque trabalha nas coisas do seu Pai, quando a sua alegria se torna constante por nada ser capaz de lhe destruir a esperança.

Pois é também nesse momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da Terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a pureza para que foi criado o coração humano.

Também é nessa altura que a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo, desesperado ou altivo porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana conduzem-no a identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então, finalmente, que o cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito Santo, de tal maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite a recomeçar e a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da Terra, apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam ser faltas leves, que apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves, acudindo ao Sacramento da Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a ser de novo uma boa testemunha das suas misericórdias.

Tal é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo. Não posso, portanto, terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se contém num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante da Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Na tua escola, faz-nos conhecer o Pai e também o Filho; faz, enfim, com que acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e do Outro.

Serenos, filhos de Deus

Talvez me façais a seguinte sugestão: mas poucos querem ouvir isto e, menos ainda, pô-lo em prática. Consta-me que a liberdade é uma planta forte e sã, que se aclimata mal entre as pedras, espinhos ou nos caminhos calcados pelas pessoas. Isto já nos tinha sido anunciado, mesmo antes de Cristo vir à terra.

Recordai o Salmo número dois: porque razão se amotinam as nações e os povos maquinam planos vãos? Os reis da terra sublevam-se e os príncipes coligam-se contra o Senhor e contra o seu Messias. Vedes? Nada de novo. Opunham-se a Cristo antes de que este nascesse; opuseram-se-lhe enquanto os seus pés pacíficos percorriam os caminhos da Palestina; perseguiram-nO depois e agora, atacando os membros do seu Corpo Místico e real. Porquê tanto ódio, porquê este encarniçar-se contra a cândida simplicidade, porquê este universal esmagamento da liberdade de cada consciência?

Quebremos as suas cadeias, e sacudamos de nós o seu jugo. Quebram o jugo suave, lançam fora a sua carga, maravilhosa carga de santidade e de justiça, de graça, de amor e de paz. Enfurecem-se perante o amor, riem-se da bondade inerme dum Deus que renuncia ao uso das suas legiões de anjos para se defender. Se o Senhor admitisse um arranjo, se sacrificasse uns poucos de inocentes para satisfazer a maioria de culpados, ainda poderiam tentar algum entendimento com Ele. Mas não é esta a lógica de Deus. O nosso Pai é verdadeiramente pai, e está disposto a perdoar a inumeráveis fautores do mal, contanto que haja só dez justos. Os que se movem pelo ódio, não podem entender esta misericórdia, e afincam-se na sua aparente impunidade terrena, alimentando-se da injustiça.

Aquele que habita nos céus ri-se, o Senhor zomba eles. Ele lhes fala então na sua ira, e os aterroriza no seu furor. Que legítima é a ira de Deus e que justo o seu furor! E que grande também a sua clemência!

Eu, porém, fui por Ele constituído Rei sobre Sião, seu monte santo, para anunciar os seus preceitos. O Senhor disse-me: Tu és meu filho, eu gerei-te hoje. A misericórdia de Deus Pai deu-nos como Rei o seu Filho. Quando ameaça, enternece-Se; anuncia a sua ira e entrega-nos o seu amor. Tu és meu filho: dirige-se a Cristo e dirige-se a ti e a mim, se nos decidimos a ser alter Christus, ipse Christus.

As palavras não podem seguir o coração, que se emociona diante da bondade de Deus: tu és meu filho. Não um estranho, não um servo benevolamente tratado, não um amigo, que já seria muito. Filho! Concede-nos via livre para que vivamos com Ele a piedade do filho e, atrever-me-ia a afirmar, também a desvergonha do filho dum Pai que é incapaz de lhe negar o que quer que seja.