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Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Jesus Cristo  → relação pessoal com.

O tempo oportuno

Exhortamur ne in vacuum gratiam Dei recipiatis - Exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. Porque a graça divina pode encher as nossas almas nesta Quaresma, desde que não cerremos as portas do coração. Temos de ter estas boas disposições, o desejo de nos transformar realmente, de não brincar com a graça do Senhor.

Não gosto de falar de temor, porque o que move o cristão é o Amor de Deus, que se nos manifestou em Cristo e que nos ensina a amar todos os homens e a criação inteira; mas devemos falar de responsabilidade, de seriedade. Não queirais enganar-vos a vós mesmos: de Deus não se zomba, adverte-nos o mesmo Apóstolo.

É preciso decidir-se. Não é lícito viver tentando manter acesas, como diz o povo, uma vela a S. Miguel e outra ao Diabo. É preciso apagar a vela do Diabo. Temos de consumir a vida fazendo-a arder inteiramente ao serviço do Senhor. Se o nosso empenho pela santidade é sincero, se temos a docilidade de nos abandonar nas mãos de Deus, tudo correrá bem. Porque Ele está sempre disposto a dar-nos a sua graça e, especialmente neste tempo, a graça de uma nova conversão, de uma melhoria da nossa vida de cristãos.

Não podemos considerar esta Quaresma como uma época mais, repetição cíclica do tempo litúrgico; este momento é único; é uma ajuda divina que é necessário aproveitar. Jesus passa ao nosso lado e espera de nós - hoje, agora - uma grande mudança.

Ecce nunc tempus acceptabile, ecce nunc dies salutis: eis o tempo oportuno, que pode ser o dia da Salvação. Outra vez se ouvem os apelos do Bom Pastor, o carinhoso chamamento: Ego vocavi te nomine tuo. Chama-nos a cada um pelo nosso nome, com o nome familiar com que nos tratam as pessoas que nos amam. A ternura de Jesus por nós não cabe em palavras.

Contemplai comigo esta maravilha do amor de Deus: o Senhor vem ao nosso encontro, espera por nós, coloca-Se à beira do caminho, para que não tenhamos outra solução senão vê-Lo! E chama-nos pessoalmente, falando-nos das nossas coisas, que são também as suas, movendo a nossa consciência à compreensão, abrindo-a à generosidade, imprimindo na nossa alma o desejo de sermos fiéis, de podermos chamar-nos seus discípulos!

Basta ouvir essas palavras íntimas da graça, que são como que uma repreensão, tantas vezes afectuosa, para nos darmos conta de que não Se esqueceu de nós durante todo aquele tempo em que, por culpa nossa, nós não O vimos. Cristo ama-nos com o amor inesgotável que cabe no seu Coração de Deus.

Reparai na sua insistência: Ouvi-te no tempo oportuno, ajudei-te no dia da salvação.Já que Ele te promete a glória, o seu amor, e to oferece oportunamente, e te chama - tu que Lhe hás-de dar? Como responderás, como responderei eu também, a esse amor de Jesus, que passa?

Ecce nunc dies salutis - aqui está, diante de nós, este dia da salvação. O chamamento do Bom Pastor chega até nós: Ego vocavi te nomine tuo, Eu chamei-te, a ti, pelo teu nome! É preciso responder - amor com amor se paga - dizendo-Lhe Ecce ego quia vocasti me - chamaste por mim e aqui estou! Estou decidido a que não passe este tempo de Quaresma como passa a água sobre as pedras, sem deixar rasto. Deixar-me-ei empapar, transformar; converter-me-ei, dirigir-me-ei de novo ao Senhor, querendo-Lhe como Ele deseja ser querido.

Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua mente Que resta do teu coração - comenta S. Agostinho - para que possas amar-te a ti mesmo? Que resta da tua alma, da tua mente? Ex toto - afirma. “Totum exigit te, qui fecit te"; Quem te fez exige tudo de ti.

Viver na intimidade com Jesus Cristo

Não ama Cristo quem não ama a Santa Missa e quem não se esforça no sentido de a viver com serenidade e sossego, com devoção e com carinho. 0 amor transforma aqueles que estão apaixonados em pessoas de sensibilidade fina e delicada. Leva-os a descobrir, para que se não esqueçam de os pôr em prática, pormenores que são por vezes mínimos, mas que trazem a marca de um coração apaixonado. É assim que devemos assistir à Santa Missa. Por este motivo, sempre pensei que aqueles que querem ouvir uma missa rápida e atabalhoada demonstram com essa atitude, já de si pouco elegante, que não conseguiram aperceber-se do significado do Sacrifício do altar.

O amor a Cristo, que se oferece por nós, anima-nos a saber encontrar, uma vez terminada a Santa Missa, alguns minutos de acção de graças pessoal e íntima, que prolonguem no silêncio do coração essa outra acção de graças que é a Eucaristia. Como poderemos dirigir-nos a Ele, como falar-Lhe, como comportar-nos?

A vida cristã não está feita de normas rígidas, porque o Espírito Santo não dirige as almas massivamente, mas infundindo em cada uma delas propósitos, inspirações e afectos que ajudarão a captar e a cumprir a vontade do Pai. Penso, no entanto, que em muitas ocasiões o nervo do nosso diálogo com Cristo, na acção de graças depois da Santa Missa, pode ser a consideração de que o Senhor é para nós, Rei, Médico, Mestre e Amigo.

É Rei e anseia por reinar nos nossos corações de filhos de Deus. Mas é preciso não imaginar reinados humanos neste caso, porque Cristo não domina nem procura impor-se, dado que não veio para ser servido, mas para servir.

O seu reino é a paz, a alegria, a justiça. Cristo, nosso Rei, não espera de nós raciocínios vãos, mas factos, porque nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus; mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse entrará no reino dos céus.

É Médico e cura o nosso egoísmo, se deixarmos que a sua graça penetre até ao fundo da nossa alma. Jesus disse-nos que a pior doença é a hipocrisia, o orgulho que nos faz dissimular os nossos pecados. Com o Médico, é imprescindível, pela nossa parte, uma sinceridade absoluta, explicar-lhe toda a verdade e dizer: Domine, si vis, potes me mundare, Senhor, se quiseres - e Tu queres sempre - podes curar-me. Tu conheces as minhas fraquezas, tenho estes sintomas e estas debilidades. Mostramos-lhe também com toda a simplicidade as chagas e o pus, no caso de haver pus. Senhor, Tu, que curaste tantas almas, faz com que, ao ter-Te no meu peito ou ao contemplar-Te no Sacrário, Te reconheça como Médico divino.

É mestre de uma ciência que só Ele possui, a do amor a Deus sem limites e, em Deus, a todos os homens. Na escola de Cristo aprende-se que a nossa existência não nos pertence. Ele entregou a sua vida por todos os homens e, se O seguimos, necessitamos de compreender que não devemos apropriar-nos de maneira egoísta da nossa vida sem compartilhar as dores dos outros. A nossa vida é de Deus. Temos de gastá-la ao seu serviço, preocupando-nos generosamente com as almas e demonstrando, com a palavra e com o exemplo, a profundidade das exigências cristãs.

Jesus espera que alimentemos o desejo de adquirir essa ciência, para nos repetir: se alguém tem sede, venha a Mim e beba. E respondemos: ensina-nos a esquecermo-nos de nós mesmos, para pensarmos em Ti e em todas as almas. Deste modo, o Senhor far-nos-á progredir com a sua graça, como quando começávamos a escrever (lembrais-vos daqueles traços que fazíamos, guiados pela mão do professor?) e assim começaremos a saborear a dita de manifestar a nossa fé, que é já de si outra dádiva de Deus, também com traços inequívocos de uma conduta cristã, onde todos possam descobrir as maravilhas divinas.

É Amigo, o Amigo: vos autem dixi amicos, diz-nos Ele. Chama-nos amigos e foi Ele quem deu o primeiro passo, pois amou-nos primeiro. Contudo, não impõe o seu carinho: oferece-o. E prova-o com o sinal mais evidente da amizade: ninguém tem maior amor que o daquele que dá a vida pelos seus amigos. Era amigo de Lázaro e chorou por ele quando o viu morto. E ressuscitou-o. Por isso, se nos vir frios, desalentados, talvez com a rigidez de uma vida interior que se está a extinguir, o seu pranto será vida para nós: Eu te ordeno, meu amigo, levanta-te e anda, deixa essa vida mesquinha, que não é vida!

Tratar com Jesus na palavra e no pão

Jesus esconde-se no Santíssimo Sacramento do altar, para que nos atrevamos a tratar com ele, para ser o nosso sustento, com o fim de que nos façamos uma só coisa com Ele. Ao dizer sem mim nada podeis, não condenou o cristão à ineficácia, nem o obrigou a uma busca árdua e difícil da sua Pessoa; ficou entre nós com uma disponibilidade total.

Quando nos reunimos junto do altar enquanto se celebra o Santo Sacrifício da Missa, quando contemplamos a Hóstia Sagrada exposta na custódia ou a adoramos escondida no Sacrário, devemos reavivar a nossa fé, pensando nessa existência nova, que vem a nós, e comover-nos com o carinho e a ternura de Deus.

E perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, e na comum fracção do pão, e nas orações.É assim que a Escritura nos descreve a conduta dos primeiros cristãos: congregados pela fé dos Apóstolos em perfeita unidade, a participarem da Eucaristia, unânimes na oração. Fé, Pão, Palavra.

Jesus, na Eucaristia, é penhor seguro da sua presença nas nossas almas; do seu poder, que sustenta o mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a que a família humana, quando chegar o fim dos tempos, habite perpetuamente na casa do Céu, em torno de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo:

Santíssima Trindade, Deus único. É toda a nossa fé que se põe em acto quando cremos em Jesus, na sua presença real sob os acidentes do pão e do vinho.

Não compreendo como se possa viver cristãmente sem sentir a necessidade de uma amizade constante com Jesus na Palavra e no Pão, na oração e na Eucaristia. E entendo perfeitamente que, ao longo dos séculos, as sucessivas gerações de fiéis tenham vindo a concretizar essa piedade eucarística. Umas vezes com práticas multitudinárias, professando publicamente a sua fé; outras, com gestos silenciosos e calados, na sagrada paz do templo ou na intimidade do coração.

Antes de mais, devemos amar a Santa Missa, que deve ser o centro do nosso dia. Se vivemos bem a Missa, como não havemos depois de continuar o resto da jornada com o pensamento no Senhor, com o desejo ardente de não nos afastarmos da sua presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como Ele amava? Aprendemos então a agradecer ao Senhor essa sua outra delicadeza: não quis limitar a sua presença ao momento do Sacrifício do Altar, mas decidiu permanecer na Hóstia Santa que se reserva no Tabernáculo, no Sacrário.

Dir-vos-ei que, para mim, o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranquilo e aprazível onde está Cristo, onde Lhe podemos contar as nossas preocupações, os nossos sofrimentos, as nossas aspirações e as nossas alegrias, com a mesma simplicidade e naturalidade com que aqueles amigos seus Marta, Maria e Lázaro lhe falavam. Por isso, ao percorrer as ruas de alguma cidade ou de alguma aldeia, alegra-me descobrir, ainda que ao longe, a silhueta duma igreja: é um novo Sacrário, mais uma ocasião para deixar a alma escapar-se para estar, em desejo, junto do Senhor Sacramentado.