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Há 6 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Fé → vida de fé.

Os Apóstolos, homens correntes

A mim, anima-me muito considerar um precedente, narrado passo a passo, nas páginas do Evangelho: a vocação dos primeiros doze. Vamos meditá-la devagar, pedindo a essas santas testemunhas do Senhor que saibamos seguir Cristo como eles o fizeram.

Aqueles primeiros doze apóstolos - a quem tenho grande devoção e carinho - eram, segundo os critérios humanos, bem pouca coisa. Quanto à posição social, com excepção de Mateus - que com certeza ganhava bem a vida e deixou tudo quando Jesus lhe pediu - eram pescadores; viviam do dia-a-dia, trabalhando até de noite para poderem alcançar o seu sustento.

Mas a posição social é o de menos. Não eram cultos, nem sequer muito inteligentes, pelo menos no que diz respeito às realidades sobrenaturais. Até os exemplos e as comparações mais simples lhes eram incompreensíveis e pediam ao Mestre: Domine, edissere nobis parabolam, Senhor, explica-nos a parábola. Quando Jesus, com uma imagem, alude ao fermento dos fariseus, supõem que os está a recriminar por não terem comprado pão.

Pobres, ignorantes. E nem sequer eram simples, humildes. Dentro das suas limitações, eram ambiciosos. Muitas vezes discutem sobre quem seria o maior, quando - segundo a sua mentalidade - Cristo instaurasse na terra o reino definitivo de Israel. Discutem e excitam-se até naquela hora sublime em que Jesus está prestes a imolar-se pela humanidade, na intimidade do Cenáculo.

Fé? Pouca. O próprio Jesus Cristo o diz. Viram ressuscitar mortos, curar todo o tipo de doenças, multiplicar o pão e os peixes, acalmar tempestades, expulsar demónios. Pois S. Pedro, escolhido como cabeça, é o único que sabe responder com prontidão: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo. Mas é uma fé que ele interpreta à sua maneira; por isso atreve-se a enfrentar Jesus Cristo, a fim de que Ele não se entregue pela redenção dos homens. E Jesus tem de responder-lhe: Retira-te de mim, Satanás; tu serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus mas das coisas dos homens. Pedro raciocinava humanamente, comenta S. João Crisóstomo, e concluía que tudo aquilo (a Paixão e a Morte) era indigno de Cristo, reprovável. Por isso Jesus repreende-o e diz-lhe: não, sofrer não é coisa indigna de Mim; tu pensas assim porque raciocinas com ideias carnais, humanas.

Em que sobressaem então aqueles homens de pouca fé? Talvez no amor a Cristo? Sem dúvida que O amavam, pelo menos de palavra. Chegam até a deixar-se arrebatar pelo entusiasmo: Vamos nós também e morramos com Ele. Mas à hora da verdade, todos hão-de fugir, excepto João, que O amava com obras e de verdade. Só este adolescente, o mais jovem dos Apóstolos, permanece junto da cruz. Os outros não sentiam esse amor tão forte como a morte.

Eram estes os discípulos escolhidos pelo Senhor; assim os escolhe Cristo; assim se comportavam antes de que, cheios do Espírito Santo, se tornassem colunas da Igreja. São homens correntes, com defeitos, com debilidades, com palavras maiores do que as suas obras. E, contudo, Jesus chama-os para fazer deles pescadores de homens, corredentores, administradores da graça de Deus.

A fé, o amor e a esperança de José

A justiça não consiste na mera submissão a uma regra; a rectidão deve nascer de dentro, deve ser profunda, vital, porque o justo vive da fé. Viver da fé: estas palavras que foram, mais tarde, tema frequente de meditação para o apóstolo S. Paulo, vêem-se realizadas superabundantemente em S. José. O seu cumprimento da vontade de Deus não é rotineiro nem formalista, mas espontâneo e profundo. A lei que todoo judeu praticante vivia não foi para ele um simples código nem uma fria recompilação de preceitos, mas expressão da vontade de Deus vivo. Por isso, soube reconhecer a voz do Senhor quando esta se lhe manifestou inesperada e surpreendente.

A história do Santo Patriarca foi uma vida simples, mas não uma vida fácil. Depois de momentos angustiosos, sabe que o Filho de Maria foi concebido por obra do Espírito Santo. E esse Menino, Filho de Deus, descendente de David segundo a carne, nasce numa gruta. Os anjos celebram o seu nascimento e personalidades de terras longínquas vêm adorá-Lo, mas o rei da Judeia deseja a sua morte e é necessário fugir. O Filho de Deus é um menino aparentemente indefeso que terá de viver no Egipto.

S. Mateus, ao narrar estas cenas no seu Evangelho, põe constantemente em destaque a fidelidade de José, que cumpre sem vacilações os mandatos de Deus, embora por vezes o sentido desses mandatos lhe possa parecer obscuro ou se lhe oculte a sua conexão com o resto dos planos divinos.

Em muitas ocasiões os Padres da Igreja e os autores espirituais fazem ressaltar a firmeza da fé de José. Referindo-se às palavras do Anjo que lhe ordena que fuja de Herodes e se refugie no Egipto, Crisóstomo comenta: Ao ouvir isto, S. José não se escandalizou nem disse: isto parece um enigma. Ainda há pouco Tu me davas a conhecer que Ele salvaria o seu povo e agora não é sequer capaz de salvar-se a si próprio e somos nós que temos necessidade de fugir, de empreender uma viagem e fazer uma grande deslocação; isto é contrário à tua promessa. José não discorre deste modo, porque é um varão fiel. Também não pergunta pela data de regresso, apesar do Anjo a ter deixado indeterminada, posto que lhe tinha dito: fica lá - no Egipto - até que eu te avise. Nem por isso levanta dificuldades, mas obedece e crê e suporta todas as provas alegremente.

A fé de José não vacila, a sua obediência é sempre estrita e rápida. Para compreender melhor esta lição que aqui nos dá o Santo Patriarca, é bom que consideremos que a sua fé é activa e que a sua obediência não se parece com a obediência de quem se deixa arrastar pelos acontecimentos. Porque a fé cristã é o que há de mais oposto ao conformismo ou à falta de actividade e de energia interiores.

José abandonou-se sem reservas nas mãos de Deus, mas nunca deixou de reflectir sobre os acontecimentos, e assim recebeu do Senhor a inteligência das obras de Deus, que é a verdadeira sabedoria.

Deste modo, aprendeu a pouco e pouco que os planos sobrenaturais têm uma coerência divina, que às vezes está em contradição com os planos humanos.

Nas diversas circunstâncias da sua vida, o Patriarca não renuncia a pensar, nem se alheia da sua responsabilidade. Pelo contrário: põe toda a sua experiência humana ao serviço da fé. Quando volta do Egipto, ouvindo que Arquelau reinava na Judeia em vez de seu pai Herodes, temeu ir para lá. Aprendeu a mover-se dentro dos planos divinos e, como confirmação de que Deus quer o que ele pressentia, recebe a indicação de se retirar para a Galileia.

Assim foi a fé de S. José: plena, confiante, íntegra, manifestando-se numa entrega real à vontade de Deus, numa obediência inteligente. E, com a Fé, a Caridade, o Amor. A sua fé funde-se com o amor: com o amor de Deus, que estava a cumprir as promessas feitas a Abraão, a Jacob, a Moisés; com o carinho de esposo para com Maria e com o carinho de pai para com Jesus. Fé e amor da esperança da grande missão que Deus, servindo-se também dele - um carpinteiro da Galileia - estava a começar no mundo: a redenção dos homens.

Tenhamos, pois, Fé, sem permitir que o desalento nos domine; sem nos determos em cálculos meramente humanos. Para superar os obstáculos, há que começar a trabalhar, metendo-se em cheio nessa tarefa, de maneira que o nosso próprio esforço nos leve a abrir novos caminhos. Perante qualquer dificuldade, o remédio é este: santidade pessoal, entrega ao Senhor.

Ser santos é viver tal como o nosso Pai do Céu dispôs que vivêssemos. Dir-me-eis que é difícil. Sim, o ideal é muito elevado. Mas ao mesmo tempo é fácil: está ao alcance da mão. Quando uma pessoa adoece, nem sempre se consegue encontrar o remédio adequado para a tratar. Mas no plano sobrenatural não acontece assim. O remédio está sempre perto de nós: é Jesus Cristo, presente na Sagrada Eucaristia, que também nos dá a sua graça nos outros Sacramentos que instituiu.

Repitamos com a palavra e com as obras: Senhor, confio em Ti, basta-me a tua providência ordinária, a tua ajuda de cada dia. Não temos por que pedir a Deus grandes milagres. Temos de lhe suplicar, pelo contrário, que aumente a nossa fé, que ilumine a nossa inteligência, que fortaleça a nossa vontade. Jesus está sempre junto de nós e permanece fiel.

Desde o começo da minha pregação, preveni-vos contra um falso endeusamento. Não te assustes ao veres-te tal como és: assim, feito de barro. Não te preocupes. Porque, tu e eu somos filhos de Deus, - este é o endeusamento bom - escolhidos desde a eternidade, com uma vocação divina: escolheu-nos o Pai, por Jesus Cristo, antes da criação do mando, para que sejamos santos diante dele. Nós, que somos especialmente de Deus, seus instrumentos apesar da nossa pobre miséria pessoal, seremos eficazes se não perdermos o conhecimento da nossa fraqueza. As tentações dão-nos a dimensão da nosso própria fraqueza.

Se sentimos desalento ao experimentar - talvez de um modo particularmente vivo - a nossa mesquinhez, é o momento de nos abandonarmos por completo, com docilidade, nas mãos de Deus. Conta-se que, certo dia, um mendigo saiu ao encontro de Alexandre Magno, pedindo uma esmola. Alexandre parou e ordenou que o fizessem senhor de cinco cidades. O pobre, confundido e atordoado, exclamou: eu não pedia tanto! E Alexandre respondeu: tu pediste como quem és; eu dou-te como quem sou.

Mesmo nos momentos em que percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e devemos olhar para Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos participantes da vida divina. Nunca existe razão suficiente para voltarmos atrás: o Senhor está ao nosso lado. Temos que ser fiéis, leais, encarar as nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo para compreender os erros dos outros e superar os nossos próprios erros. Assim, todos esses desalentos - os teus, os meus, os de todos os homens - servem também de suporte ao reino de Cristo.

Reconheçamos as nossas fraquezas, mas confessemos o poder de Deus. O optimismo, a alegria, a convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida cristã. Se nos sentirmos parte dessa Igreja Santa, se nos considerarmos sustentados pela rocha firme de Pedro e pela acção do Espírito Santo, decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de cada instante: semear todos os dias um pouco. E a colheita fará transbordar os celeiros.

Cristo na Cruz, com o Coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta eloquente - as palavras não são necessárias - à pergunta sobre o valor das coisas e das pessoas. Pois valem tanto os homens, a sua vida, a sua felicidade, que o próprio Filho de Deus Se entrega para os remir, para os purificar, para os elevar! Quem não amará o seu coração tão ferido? - perguntava uma alma contemplativa. E continuava a perguntar: Quem não dará amor por amor? Quem não abraçará um Coração tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor, abraçaremos o Ferido que encontrámos, Aquele a quem os ímpios atravessaram as mãos e os pés, o lado e o Coração. Peçamos-lhe que Se digne prender o nosso coração com o vínculo do seu amor, feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e impenitente.

São pensamentos, afectos e palavras que as almas enamoradas desde sempre dedicaram a Jesus. Mas, para entender essa linguagem, para saber na verdade o que é o coração humano e o Coração de Cristo e o amor de Deus, são precisas a Fé e a humildade. Foi com Fé e humildade que Santo Agostinho escreveu para nós estas palavras universalmente famosas: criastes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto enquanto em Vós não repousa.

Quando não cultiva a humildade, o homem pretende apropriar-se de Deus, mas não dessa maneira divina que o próprio Cristo tomou possível ao dizer tomai e comei: isto é o meu Corpo;antes, tentando reduzir a grandeza divina aos limites humanos. A razão - razão fria e cega, que não é a inteligência nascida da Fé, nem sequer a recta inteligência da criatura capaz de saborear e amar as coisas - converte-se na sem-razão de quem tudo submete à sua pobre experiência vulgar, que amesquinha a verdade humana e cobre o coração do homem com uma crosta insensível às inspirações do Espírito Santo. A nossa pobre inteligência estaria perdida, se não fosse o poder misericordioso de Deus, que rasga as fronteiras da nossa miséria: hei-de dar-vos um coração novo e revestir-vos de um novo espírito; hei-de tirar-vos o vosso coração de pedra e dar-vos em seu lugar um coração de carne. E a alma recuperará a luz e há-de encher-se de alegria, por força das promessas da Sagrada Escritura.

Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição, declarou Deus pela boca do profeta Jeremias. A Liturgia aplica estas palavras a Jesus, porque n'Ele se nos manifesta com toda a clareza que é assim que Deus nos ama. Não vem condenar-nos; não vem para nos lançar em rosto a nossa indigência ou a nossa mesquinhez: vem salvar-nos, perdoar-nos, desculpar-nos, trazer-nos a paz e a alegria. Se reconhecermos esta maravilhosa relação do Senhor com os seus filhos, os nossos corações mudarão com certeza e veremos abrir-se diante dos nossos olhos um horizonte absolutamente novo, cheio de relevo, de profundidade e de luz.

A alegria cristã

Recolhamos de novo o tema que a Igreja nos propõe: Maria subiu aos céus em corpo e alma: os anjos rejubilam! Penso também no júbilo de S. José, seu Esposo castíssimo, que a aguardava no paraíso. Mas voltemos à Terra. A fé confirma-nos que aqui em baixo, na vida presente, estamos em tempo de viagem, pelo que não faltarão os sacrifícios, a dor e as privações. Todavia, a alegria há-de ser sempre o contraponto do caminho.

Servi ao Senhor com alegria. Não há outro modo de servi-Lo,. Deus ama quem dá com alegria, quem se entrega totalmente num sacrifício gostoso porque não há motivo algum que justifique o desânimo!

Talvez julgueis que este optimismo é excessivo, porque todos os homens conhecem as suas insuficiências e os seus fracassos, experimentam o sofrimento, o cansaço, a ingratidão, talvez até o ódio. Nós, os cristãos, se somos iguais aos outros, como poderemos estar livres dessas constantes da condição humaniza?

Seria ingénuo negar a reiterada presença da dor e do desânimo, da tristeza e da solidão, durante a nossa peregrinação por esta terra. Aprendemos pela fé com segurança que tudo isso não é produto do acaso e que o destino da criatura não é caminhar para a aniquilação dos seus desejos de felicidade. A fé ensina-nos que tudo tem um sentido divino, pois esta é uma característica intrínseca e própria do caminho que nos leva à casa do Pai. Esta maneira sobrenatural de compreender a existência terrena do cristão, não simplifica a complexidade humana, mas assegura ao homem que essa complexidade pode ser penetrada pelo nervo do amor de Deus, pelo cabo forte e indestrutível, que liga a vida na Terra com a vida definitiva na Pátria.

A festa da Assunção de Nossa Senhora apresenta-nos a realidade dessa feliz esperança. Somos ainda peregrinos, mas a Nossa Mãe precedeu-nos e aponta-nos já o termo do caminho. Repete-nos que é possível lá chegar e que, se formos fiéis, lá chegaremos, pois a Santíssima Virgem não é só nosso exemplo, mas também auxílio dos cristãos. E perante a nossa petição - Monstra te esse Matrem mostra que és Mãe - não pode nem quer negar-se a cuidar dos seus filhos com solicitude maternal.