Lista de pontos

Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Glória de Deus.

Aprendamos desta atitude de Jesus: durante a sua vida na Terra, não quis sequer a glória que Lhe pertencia, pois, tendo direito a ser tratado como Deus, assumiu a forma de servo, de escravo. O cristão sabe, portanto, que toda a glória é para Deus e que não pode servir-se da sublimidade e grandeza do Evangelho como instrumento de interesses e de ambições humanas.

Aprendamos de Jesus: a sua atitude, ao opor-se a toda a glória humana, está em perfeita correlação com a grandeza de uma única missão - a de Filho predilecto de Deus, que encarna para salvar os homens. Missão que o amor do Pai rodeou cheia de ternura: Filius meus es, ego hodie genui te. Postula a me et dabo tibi gentes hereditatem tuam. - Tu és meu filho, Eu hoje Te gerei. Pede-Me e Eu Te darei as nações em herança…

O cristão que, seguindo Cristo, vive nessa atitude de completa adoração do Pai, recebe também do Senhor palavras de amoroso desvelo: Porque espera em Mim, Eu o livrarei; protegê-lo-ei, porque conhece o meu nome.

*Homilia pronunciada em 4 de Abril de 1971, Domingo de Ramos

Como toda a festa cristã, esta que agora celebramos é especialmente uma festa de paz. Os ramos, com o seu antigo simbolismo, evocam aquela cena do Génesis: depois de ter esperado outros sete dias, novamente deitou a pomba fora da arca. E ela voltou a ele pela tarde trazendo no bico um ramo de oliveira com folhas verdes. Entendeu, pois, Noé que as águas tinham cessado sobre a terra. Agora recordamos que a aliança entre Deus e o seu povo é confirmada e estabelecida em Cristo, porque Ele é a nossa paz. Nessa maravilhosa unidade e recapitulação do velho no novo, que caracteriza a liturgia da nossa Santa Igreja Católica, lemos no dia de hoje estas palavras de profunda alegria: os filhos dos hebreus, levando ramos de oliveira, saíram ao encontro do Senhor, aclamando e dizendo: glória nas alturas.

A aclamação a Jesus Cristo une-se, na nossa alma, com aquela que saudou o seu nascimento em Belém. E, à sua passagem, conta-nos S. Lucas, as multidões estendiam os seus mantos no caminho. E, quando já ia chegando à descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos seus discípulos começou alegremente a louvar a Deus em altas vozes por todas as maravilhas que tinham visto, dizendo: Bendito o Rei que vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas.

Paz na terra

Pax in coelo, paz no céu. Mas olhemos também o mundo: porque é que não há paz na terra? Não, não há paz. Há somente aparências de paz, equilíbrio de medo, compromissos precários. Nem sequer há paz na Igreja, sulcada por tensões que retalham a branca túnica da Esposa de Cristo. Não há paz em muitos corações que tentam em vão compensar a intranquilidade da alma com a distracção contínua, com a pequena satisfação dos bens que não saciam, porque deixam sempre o travo amargo da tristeza.

As folhas de palma, escreve Santo Agostinho, são o símbolo da homenagem, porque significam vitória. O Senhor estava a momentos da vitória, morrendo na Cruz. Ia triunfar, no sinal da Cruz, sobre o Diabo, príncipe da morte. Cristo é a nossa paz porque venceu; e venceu porque lutou, no duro combate contra a maldade acumulada pelos corações humanos.

Cristo, que é a nossa paz, é também o Caminho. Se queremos a paz, temos de seguir os seus passos. A paz é consequência da guerra, da luta, dessa luta ascética, íntima, que cada cristão deve sustentar contra tudo aquilo que, na sua vida, não é de Deus: contra a soberba, a sensualidade, o egoísmo, a superficialidade, a estreiteza do coração. É inútil clamar pelo sossego exterior se falta tranquilidade nas consciências, no fundo da alma, porque é do coração que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias.

Viver a Santa Missa é manter-se em oração contínua, convencermo-nos de que, para cada um de nós, este é um encontro pessoal com Deus, em que O adoramos, O louvamos, Lhe pedimos, Lhe damos graças, reparamos os nossos pecados, nos purificamos e nos sentimos uma só coisa em Cristo com todos os cristãos.

Por vezes, talvez nos perguntemos como será possível corresponder a tanto amor de Deus e até desejaríamos, para o conseguir, que nos pusessem com toda a clareza diante dos nossos olhos um programa de vida cristã. A solução é fácil e está ao alcance de todos os fiéis: participar amorosamente na Santa Missa, aprender a conviver e a ganhar intimidade com Deus na Missa, porque neste Sacrifício se encerra tudo aquilo que o Senhor quer de nós.

Permiti que aqui vos recorde o desenrolar das cerimónias litúrgicas, que já observámos em tantas e tantas ocasiões. Seguindo-as passo a passo é muito possível que o Senhor nos faça descobrir em que pontos devemos melhorar, que defeitos precisamos de extirpar e como há-de ser o nosso convívio, íntimo e fraterno, com todos os homens.

O sacerdote dirige-se para o altar de Deus, do Deus que alegra a nossa juventude. A Santa Missa inicia-se com um cântico de alegria, porque Deus está presente. É esta alegria que, juntamente com o reconhecimento e o amor, se manifesta no beijo que se dá na mesa do altar, símbolo de Cristo e memória dos santos, um espaço pequeno e santificado, porque nesta ara se confecciona o Sacramento de eficácia infinita.

O Confiteor põe-nos diante da nossa indignidade. Não é a recordação abstracta da culpa, mas a presença, tão concreta, dos nossos pecados e das nossas faltas. Kyrie eleison, Christe eleison, Senhor, tende piedade de nós; Cristo, tende piedade de nós. Se o perdão que necessitamos se pusesse em relação com os nossos méritos, nasceria na nossa alma, neste momento, uma amarga tristeza. Mas, graças à bondade divina, o perdão é-nos dado pela misericórdia de Deus, a Quem já louvamos entoando - Glória! - porque só Vós, sois o Santo; só Vós o Senhor, só Vós o Altíssimo, Jesus Cristo, com o Espírito Santo, na glória de Deus Pai.

Vida de oração

Uma oração ao Deus da minha vida. Se Deus é vida para nós, não deve causar-nos estranheza que a nossa existência de cristãos tenha de estar embebida de oração. Mas não penseis que a oração é um acto que se realiza e se abandona logo a seguir. O justo encontra na lei de Iavé a sua complacência e procura acomodar-se a essa lei durante o dia e durante a noite. Pela manhã penso em ti; e, durante a tarde, dirige-se a ti a minha oração como o incenso. Todo o dia pode ser tempo de oração: da noite à manhã e da manhã à noite. Mais ainda: como nos recorda a Escritura Santa, também o sono deve ser oração.

Recordai o que de Jesus nos narram os Evangelhos. Às vezes, passava a noite inteira ocupado em colóquio íntimo com o Pai. Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem essa atitude constante do Mestre pediram-Lhe: Domine, doce nos orare, Senhor, ensina-nos a orar assim.

São Paulo - orationi instantes, na oração contínua, escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo. E S. Lucas, com uma pincelada, retrata a maneira de actuar dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo espírito, perseveravam juntos em oração.

A têmpera do bom cristão adquire-se, com a graça, na forja da oração. E este alimento da oração, por ser vida, não se desenvolve através de um caminho único. O coração desafogar-se-á habitualmente com palavras, nas orações vocais que nos ensinaram o próprio Deus, Pai Nosso, ou os seus Anjos, Avé Maria. Outras vezes utilizaremos orações apuradas pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos na fé: as da liturgia - lex orandi -; as que nasceram da paixão de um coração enamorado, como tantas antífonas marianas: Sub tuum praesidium…, Memorare…, Salve Regina

Noutras ocasiões serão suficientes duas ou três expressões, lançadas ao Senhor como se fossem setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da história de Cristo: Domine, si vis, potes me mundare, Senhor, se quiseres podes curar-me; Domine, tu omnia nosti, tu scis qui amo te, Senhor tu sabes tudo, tu sabes que te amo; Credo, Domine, sed adjuva incredulitatem meam, creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade, fortalece a minha fé; Domine, non sum dignus, Senhor, não sou digno!; Dominus meus et Deus meus, Senhor meu e Deus meu! Ou outras frases, breves e afectuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a uma circunstância concreta.

A vida de oração tem de fundamentar-se, além disso, em pequenos espaços de tempo, dedicados exclusivamente a estar com Deus. São momentos de colóquio sem ruído de palavras, junto ao Sacrário sempre que possível, para agradecer ao Senhor essa espera - tão só! - desde há vinte séculos. A oração mental é diálogo com Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a imaginação, a memória e a vontade. Uma meditação que contribui a dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida corrente e diária.

Graças a esses tempos de meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos converter a nossa jornada, com naturalidade e sem espectáculo, num contínuo louvor a Deus. Manter-nos-emos na sua presença, como os que estão enamorados dirigem continuamente o seu pensamento à pessoa que amam, e todas as nossas acções - inclusivamente as mais pequenas - encher-se-ão de eficácia espiritual.

Por isso, quando um cristão se lança por este caminho de intimidade ininterrupta com o Senhor - e é um caminho para todos, não uma senda para privilegiados - a vida interior cresce, segura e firme; e o homem empenhasse nessa luta, amável e exigente ao mesmo tempo, por realizar até ao fim a vontade de Deus.

A partir da vida de oração podemos compreender um outro tema que nos propõe a festa de hoje: o apostolado, pôr em prática os ensinamentos de Jesus, transmitidos aos seus pouco antes de subir aos céus: servir-me-eis de testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, na Samaria e até às extremidades da terra.

O reino da alma

Como, és grande, Senhor, Nosso Deus! Tu és quem dá à nossa vida sentido sobrenatural e eficácia divina. Tu és a causa de que, por amor de teu filho, com todas as forças do nosso ser, com a alma e com o corpo, possamos repetir: oportet illum regnare!, enquanto ressoa o eco da nossa debilidade, porque sabes que somos criaturas - e que criaturas! - feitas de barro, dos pésà cabeça, sem esquecer o coração. Perante o divino, vibraremos exclusivamente por Ti.

Cristo deve reinar, em primeiro lugar, na nossa alma. Mas como Lhe responderíamos, se Ele nos perguntasse: como é que tu Me deixas reinar em ti? Eu responder-lhe-ia que para que Ele reine em mim, preciso da sua graça abundante, pois só assim é que o mais imperceptível pulsar do meu coração, a menor respiração, o olhar menos intenso, a palavra mais corrente, a sensação mais elementar se traduzirão num hossana ao meu Cristo Rei.

Se pretendemos que Cristo reine, temos de ser coerentes, começando por Lhe entregar o nosso coração. Se não o fizéssemos, falar do reino de Cristo seria vozearia sem substância cristã, manifestação exterior de uma fé inexistente, utilização fraudulenta do nome de Deus para compromissos humanos.

Se a condição para que Jesus reinasse na minha alma, na tua alma, fosse contar previamente em nós com um lugar perfeito, teríamos razão para desesperar. Mas não temas, filha de Sião; eis que o teu Rei vem montado num jumentinho. Vedes? Jesus contenta-se com um pobre animal por trono. Não sei o que se passa convosco, mas a mim não me humilha reconhecer-me aos olhos do Senhor como um jumento: fui diante de ti como um jumento. Porém, estarei sempre contigo: tomaste-me pela minha mão direita, tu és quem me leva pela arreata.

Pensai nas características dum jumento, agora que vão ficando tão poucos. Não falo dum burro velho e teimoso, rancoroso, que se vinga com um coice traiçoeiro, mas dum burriquito jovem, com as orelhas tesas como antenas, austero na comida, duro no trabalho, com o trote decidido e alegre. Há centenas de animais mais formosos, mais hábeis e mais cruéis. Mas Cristo preferiu este para se apresentar como rei diante do povo que O aclamava, porque Jesus não sabe que fazer da astúcia calculadora, da crueldade dos corações frios, da formosura vistosa mas vã. Nosso Senhor ama a alegria dum coração moço, o passo simples, a voz sem falsete, os olhos limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. E é assim que reina na alma.