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Há 3 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Contrição.

O tempo oportuno

Exhortamur ne in vacuum gratiam Dei recipiatis - Exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. Porque a graça divina pode encher as nossas almas nesta Quaresma, desde que não cerremos as portas do coração. Temos de ter estas boas disposições, o desejo de nos transformar realmente, de não brincar com a graça do Senhor.

Não gosto de falar de temor, porque o que move o cristão é o Amor de Deus, que se nos manifestou em Cristo e que nos ensina a amar todos os homens e a criação inteira; mas devemos falar de responsabilidade, de seriedade. Não queirais enganar-vos a vós mesmos: de Deus não se zomba, adverte-nos o mesmo Apóstolo.

É preciso decidir-se. Não é lícito viver tentando manter acesas, como diz o povo, uma vela a S. Miguel e outra ao Diabo. É preciso apagar a vela do Diabo. Temos de consumir a vida fazendo-a arder inteiramente ao serviço do Senhor. Se o nosso empenho pela santidade é sincero, se temos a docilidade de nos abandonar nas mãos de Deus, tudo correrá bem. Porque Ele está sempre disposto a dar-nos a sua graça e, especialmente neste tempo, a graça de uma nova conversão, de uma melhoria da nossa vida de cristãos.

Não podemos considerar esta Quaresma como uma época mais, repetição cíclica do tempo litúrgico; este momento é único; é uma ajuda divina que é necessário aproveitar. Jesus passa ao nosso lado e espera de nós - hoje, agora - uma grande mudança.

Ecce nunc tempus acceptabile, ecce nunc dies salutis: eis o tempo oportuno, que pode ser o dia da Salvação. Outra vez se ouvem os apelos do Bom Pastor, o carinhoso chamamento: Ego vocavi te nomine tuo. Chama-nos a cada um pelo nosso nome, com o nome familiar com que nos tratam as pessoas que nos amam. A ternura de Jesus por nós não cabe em palavras.

Contemplai comigo esta maravilha do amor de Deus: o Senhor vem ao nosso encontro, espera por nós, coloca-Se à beira do caminho, para que não tenhamos outra solução senão vê-Lo! E chama-nos pessoalmente, falando-nos das nossas coisas, que são também as suas, movendo a nossa consciência à compreensão, abrindo-a à generosidade, imprimindo na nossa alma o desejo de sermos fiéis, de podermos chamar-nos seus discípulos!

Basta ouvir essas palavras íntimas da graça, que são como que uma repreensão, tantas vezes afectuosa, para nos darmos conta de que não Se esqueceu de nós durante todo aquele tempo em que, por culpa nossa, nós não O vimos. Cristo ama-nos com o amor inesgotável que cabe no seu Coração de Deus.

Reparai na sua insistência: Ouvi-te no tempo oportuno, ajudei-te no dia da salvação.Já que Ele te promete a glória, o seu amor, e to oferece oportunamente, e te chama - tu que Lhe hás-de dar? Como responderás, como responderei eu também, a esse amor de Jesus, que passa?

Ecce nunc dies salutis - aqui está, diante de nós, este dia da salvação. O chamamento do Bom Pastor chega até nós: Ego vocavi te nomine tuo, Eu chamei-te, a ti, pelo teu nome! É preciso responder - amor com amor se paga - dizendo-Lhe Ecce ego quia vocasti me - chamaste por mim e aqui estou! Estou decidido a que não passe este tempo de Quaresma como passa a água sobre as pedras, sem deixar rasto. Deixar-me-ei empapar, transformar; converter-me-ei, dirigir-me-ei de novo ao Senhor, querendo-Lhe como Ele deseja ser querido.

Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua mente Que resta do teu coração - comenta S. Agostinho - para que possas amar-te a ti mesmo? Que resta da tua alma, da tua mente? Ex toto - afirma. “Totum exigit te, qui fecit te"; Quem te fez exige tudo de ti.

Nós, os cristãos, trazemos em vasos de barro os grandes tesouros da graça: Deus confiou os seus dons à frágil e débil liberdade humana e, embora a sua força certamente nos assista, a nossa concupiscência, o nosso comodismo e o nosso orgulho repelem-na por vezes e levam-nos a cair em pecado. Em muitas ocasiões, de há mais de um quarto de século para cá, ao recitar o Credo e ao afirmar a minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, costumo acrescentar: apesar dos pesares. Quando alguma vez me acontece comentar este costume e alguém me pergunta a que quero referir-me, respondo: aos teus pecados e aos meus.

Tudo isto é certo, mas não autoriza de maneira nenhuma a julgar a Igreja por critérios humanos, sem fé teologal, atendendo apenas ao maior ou menor valor de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é ficar à superfície. O mais importante na Igreja não é ver como correspondemos nós, os homens, mas sim o que Deus realiza. A Igreja é isto mesmo: Cristo presente entre nós; Deus que vem até à humanidade para a salvar, chamando-nos com a sua revelação, santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e grandes combates da vida de todos os dias.

Podemos chegar a desconfiar dos homens, e cada um está obrigado a desconfiar pessoalmente de si mesmo e a concluir cada um dos seus dias com um mea culpa, com um acto de contrição profundo e sincero. Mas não temos o direito de duvidar de Deus. E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvífica da sua pregação e dos seus sacramentos, é duvidar do próprio Deus; é não acreditar plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo.

Antes de Cristo ser crucificado, - escreve S. João Crisóstomo - não havia nenhuma reconciliação. E, enquanto não houve reconciliação, não foi enviado o Espírito SantoA ausência do Espírito Santo era sinal da ira divina. Agora que O vês enviado em plenitude, não duvides da reconciliação. Mas, se perguntarem: onde está agora o Espírito Santo? Falar da sua presença quando se davam milagres, quando eram ressuscitados os mortos e curados os leprosos, era possível; mas como saber, agora, que está deveras presente? Não vos preocupeis. Hei-de demonstrar-vos que o Espírito Santo está também agora entre nós

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer Senhor, Jesus, pois ninguém pode invocar Jesus como Senhor senão no Espírito Santo (I Cor. 12,3).

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer Senhor, Jesus, pois ninguém pode invocar jesus como Senhor senão no Espírito Santo (I Cor 12,3). Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos orar com confiança, porque ao rezar dizemos Pai Nosso, que estais nos Céus (Mat. 6,9). Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos chamar Pai a Deus. Como sabemos isso? É porque o Apóstolo nos ensina: E, porque somos filhos, Deus mandou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba Pai (Gal, 4,6).

Portanto, quando invocares Deus Pai, recorda-te de que foi o Espírito Santo que, ao mover a tua alma, te deu essa oração. Se não existisse o Espírito Santo, não haveria na Igreja palavra alguma de sabedoria ou de ciência, pois está escrito: Porque… a um é dada pelo Espírito a palavra da sabedoria (I Cor, 12, 8)… Se o Espírito Santo não estivesse presente, a Igreja não existiria. Mas, se a Igreja existe, é certo que o Espírito Santo não falta.

Acima das deficiências e limitações humanas, repito, a Igreja é isto: sinal e, de certo modo - não no sentido estrito em que dogmaticamente se definiu a essência dos sete sacramentos da Nova Aliança - o sacramento universal da presença de Deus no Mundo. Ser cristão é ter sido regenerado por Deus e enviado aos homens para lhes anunciar a salvação. Se tivéssemos fé firme e viva e déssemos a conhecer Cristo com audácia, veríamos que ante os nossos olhos se realizariam milagres como os da era apostólica.

Porque a verdade é que também agora se dá vista aos cegos, que tinham perdido a capacidade de olhar para o Céu e de contemplar as maravilhas de Deus; também agora se dá liberdade a coxos e entrevados, que se encontravam tolhidos pelas próprias paixões e cujo coração já não sabia amar; também agora se dá ouvido aos surdos, que não desejavam o conhecimento de Deus, e se consegue que falem os mudos, que tinham amordaçada a língua por não quererem confessar as suas derrotas; também agora se ressuscitam mortos, em que o pecado destruíra a vida. Mais uma vez se verifica que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes. E, como os primeiros fiéis cristãos, também nós nos alegramos ao admirar a força do Espírito Santo e a sua acção na inteligência e na vontade das suas criaturas.

No meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado ainda habita em nós de algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza da sua filiação divina, quando se reconhece plenamente livre porque trabalha nas coisas do seu Pai, quando a sua alegria se torna constante por nada ser capaz de lhe destruir a esperança.

Pois é também nesse momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da Terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a pureza para que foi criado o coração humano.

Também é nessa altura que a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo, desesperado ou altivo porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana conduzem-no a identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então, finalmente, que o cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito Santo, de tal maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite a recomeçar e a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da Terra, apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam ser faltas leves, que apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves, acudindo ao Sacramento da Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a ser de novo uma boa testemunha das suas misericórdias.

Tal é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo. Não posso, portanto, terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se contém num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante da Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Na tua escola, faz-nos conhecer o Pai e também o Filho; faz, enfim, com que acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e do Outro.