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Há 7 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Mundo → contemplativos no meio do mundo.

O Senhor não nos criou para construirmos aqui uma Cidade definitiva, porque este mundo é o caminho para o outro, que é morada sem pesar. No entanto, nós, os filhos de Deus, não devemos desligar-nos das actividades terrenas em que Deus nos coloca para as santificarmos, para as impregnarmos da nossa bendita fé, a única que dá verdadeira paz, alegria autêntica às almas e aos diversos ambientes. Tem sido esta a minha pregação constante desde 1928: urge cristianizar a sociedade; levar a todos os estratos desta nossa humanidade o sentido sobrenatural, de modo que uns e outros nos empenhemos em elevar à ordem da graça a ocupação diária, a profissão ou o ofício. Desta forma, todas as ocupações humanas se iluminam com uma esperança nova, que transcende o tempo e a caducidade do mundano.

Pelo Baptismo, somos portadores da palavra de Cristo, que serena, que inflama e aquieta as consciências feridas. E para que o Senhor actue em nós e por nós, temos de lhe dizer que estamos dispostos a lutar em cada dia, ainda que nos vejamos frouxos e inúteis, ainda que sintamos o peso imenso das misérias pessoais e da pobre debilidade pessoal. Temos de lhe repetir que confiamos n'Ele, na sua ajuda: se é preciso, como Abraão, contra toda a esperança. Assim trabalharemos com renovado empenho e ensinaremos as pessoas a reagirem com serenidade, livres de ódios, de receios, de ignorância, de incompreensões, de pessimismos, porque Deus tudo pode.

Tudo posso

Se não lutas, não me digas que procuras identificar-te mais com Cristo, conhecê-lo, amá-lo. Quando empreendemos o caminho real de seguir a Cristo, de nos portarmos como filhos de Deus, não se nos oculta o que nos aguarda: a Santa Cruz, que temos de contemplar como o ponto central onde se apoia a nossa esperança de nos unirmos ao Senhor.

Digo-vos desde já que este programa não é uma empresa cómoda; viver da maneira que o Senhor assinala pressupõe esforço. Leio-vos a enumeração do Apóstolo, quando refere as suas peripécias e os seus sofrimentos para cumprir a vontade de Jesus: Dos judeus recebi cinco vezes quarenta açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas; uma vez apedrejado; três vezes naufraguei; uma noite e um dia estive no abismo do mar. Muitas vezes, em viagens, perigos de rios, perigos de ladrões, perigos dos da minha nação, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no descampado, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e misérias, em muitas vigílias, com fome e com sede, com muitos jejuns, com frio e nudez. Além destas coisas exteriores, pesam sobre mim as ocupações de cada dia pela solicitude de todas as igrejas.

Gosto, nestas conversas com o Senhor, de me cingir à realidade em que se desenvolve a nossa vida, sem inventar teorias, nem sonhar com grandes renúncias, com heroicidades, que habitualmente não acontecem. Importa que aproveitemos o tempo, que se nos escapa das mãos e que, segundo o critério cristão, é mais do que ouro, porque representa uma antecipação da glória que depois nos será concedida.

Logicamente, na nossa jornada, não toparemos com tais nem com tantas contradições como as que ocorreram na vida de Saulo. Nós descobriremos a baixeza do nosso egoísmo, os golpes da sensualidade, as investidas de um orgulho inútil e ridículo e muitas outras claudicações: tantas, tantas fraquezas. Descoroçoar? Não. Com S. Paulo, repitamos ao Senhor: sinto complacência nas minhas enfermidades, nos ultrajes, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo; pois quando estou fraco, então sou mais forte .

A miséria e o perdão

Tanto se aproximou o senhor das criaturas, que todos guardamos no coração fome de altura, ânsias de subir muito alto, de fazer o bem. Se agora renovo em ti essas aspirações, é porque quero que te convenças da segurança que Ele pôs na tua alma: se o deixares actuar, servirás - onde estás - como instrumento útil, com uma eficácia insuspeitada. Para que não te afastes por cobardia da confiança que Deus deposita em ti, evita a presunção de menosprezar ingenuamente as dificuldades que aparecerão no teu caminho de cristão.

Não temos de estranhar. Trazemos em nós mesmos - consequência da natureza decaída - um princípio de oposição, de resistência à graça: são as feridas do pecado original, agravadas pelos nossos pecados pessoais. Portanto, temos de empreender as ascensões, as tarefas divinas e humanas - as de cada dia - que sempre desembocam no Amor de Deus, com humildade, com coração contrito, fiados na assistência divina e dedicando os nossos melhores esforços, como se tudo dependesse de nós mesmos.

Enquanto pelejamos - uma peleja que durará até à morte - não excluas a possibilidade de que se levantem, violentos, os inimigos de fora e de dentro. E, como se fosse pequeno o lastro, às vezes, acumular-se-ão na tua mente os erros cometidos, talvez abundantes. Em nome de Deus te digo: não desesperes. Quando isso suceder - não tem necessariamente que suceder, nem será o habitual - converte essa ocasião num motivo para te unires mais com o Senhor; porque Ele, que te escolheu como filho, não te abandonará. Permite a prova, para que ames mais e descubras com mais clareza a sua contínua protecção, o seu Amor.

Insisto, tem ânimo, porque Cristo, que nos perdoou na Cruz, continua a oferecer o seu perdão no Sacramento da Penitência e sempre temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o Justo. Ele mesmo é a vítima de propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos mas também pelos de todo o mundo, para que alcancemos a Vitória.

Para a frente, aconteça o que acontecer! Bem agarrado ao braço do Senhor, considera que Deus não perde batalhas. Se, por qualquer motivo, te afastas d'Ele, reage com a humildade de começar e de recomeçar; de fazer de filho pródigo todos os dias, inclusive repetidamente nas vinte e quatro horas do dia; de reconciliar o teu coração contrito na Confissão, verdadeiro milagre do Amor de Deus. Neste Sacramento maravilhoso, o Senhor limpa a tua alma e inunda-te de alegria e de força para não desanimares na tua luta e para voltares de novo sem cansaço a Deus, mesmo quando tudo te pareça obscuro. Além disso, a Mãe de Deus, que é também nossa Mãe, protege-te com a sua solicitude maternal e dá-te confiança no teu caminhar.

Para alguns, tudo isto é talvez familiar; para outros, novo; para todos, árduo. Mas eu, enquanto tiver alento, não cessarei de pregar a necessidade primordial de ser alma de oração - sempre! - em qualquer ocasião e nas circunstâncias mais díspares, porque Deus nunca nos abandona. Não é cristão pensar na amizade divina exclusivamente como um recurso extremo. Pode parecer--nos normal ignorar ou desprezar as pessoas que amamos? Evidentemente que não. Para os que amamos dirigimos constantemente as palavras, os desejos, os pensamentos: há como que uma presença contínua. Pois, o mesmo com Deus.

Com esta busca do Senhor, toda a nossa jornada se converte numa única conversa, íntima e confiada. Afirmei-o e escrevi-o tantas vezes, mas não me importo de o repetir, porque Nosso Senhor faz-nos ver - com o seu exemplo - que este é o comportamento certo: oração constante, de manhã à noite e da noite até de manhã. Quando tudo sai com facilidade: obrigado, meu Deus! Quando chega um momento difícil: Senhor, não me abandones! E esse Deus, manso e humilde de coração, não esquecerá os nossos rogos nem permanecerá indiferente, porque Ele afirmou: pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á.

Procuremos, portanto, nunca perder o ponto de mira sobrenatural, vendo Deus por detrás de cada acontecimento, seja ele agradável ou desagradável, quer nos cause satisfação… ou desconsolo pela morte de um ser querido. Antes de mais, a conversa com o nosso Pai Deus, procurando o Senhor no centro da nossa alma. Não é coisa que possa considerar-se como uma miudeza, de pouca monta: é uma manifestação clara de vida interior constante, de um autêntico diálogo de amor. Será uma prática que não nos produzirá nenhuma deformação psicológica, porque - para um cristão - deve ser tão natural como o bater do coração.

Olhai que o Senhor anseia por nos conduzir com passos maravilhosos, divinos e humanos, que se traduzem numa abnegação feliz, de alegria com dor, de esquecimento de nós mesmos. Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo. Um conselho que já todos ouvimos. Temos de nos decidir a segui-lo de verdade: que o Senhor se sirva de nós para que, metidos em todas as encruzilhadas do mundo - e estando nós metidos em Deus - sejamos sal, levedura, luz. Tu, em Deus, para iluminar, para dar sabor, para aumentar, para fermentar.

Mas não te esqueças de que não somos nós quem cria essa luz; apenas a reflectimos. Não somos nós quem salva as almas, levando-as a praticar o bem. Somos apenas um instrumento, mais ou menos digno, para os desígnios salvíficos de Deus. Se alguma vez pensássemos que o bem que fazemos é obra nossa, voltaria a soberba, ainda mais retorcida; o sal perderia o sabor, a levedura apodreceria, a luz converter-se-ia em trevas.

Talvez agora algum de vós possa pensar que o dia ordinário, o habitual ir e vir da nossa vida, não se presta muito a manter o coração numa criatura tão pura como Nossa Senhora. Convidar-vos-ia a reflectir um pouco. Que procuramos sempre, mesmo sem especial atenção, em tudo o que fazemos? Quando nos move o amor de Deus e trabalhamos com rectidão de intenção, procuramos o que é bom, o que é limpo, o que dá paz à consciência e felicidade à alma. Também cometemos muitos erros? Sim, mas precisamente reconhecer esses erros é descobrir com maior clareza que a nossa meta é esta: uma felicidade que não passe, profunda, serena, humana e sobrenatural.

Existe uma criatura que conseguiu nesta terra essa felicidade, porque é a obra-prima de Deus: a Nossa Mãe Santíssima, Maria. Ela vive e protege-nos; está junto do Pai e do Filho e do Espírito Santo, em corpo e alma. É Aquela mesma que nasceu na Palestina, que se entregou ao Senhor desde menina, que recebeu a anunciação do Arcanjo Gabriel, que deu à luz o Nosso Salvador, que esteve junto d'Ele ao pé da Cruz.

N'Ela se tornam realidade todos os ideais, mas não devemos concluir daí que a sua sublimidade e grandeza no-la apresentem inacessível e distante. É a cheia de graça, a suma de todas as perfeições; e é Mãe. Com o seu poder diante de Deus conseguirá o que lhe pedirmos; como Mãe, quer conceder-no-lo. E, também como Mãe, entende e compreende as nossas fraquezas, anima-nos, desculpa-nos, facilita o caminho, tem sempre o remédio preparado, mesmo quando parece que já nada é possível.

Ascética? Mística? Não me interessa. Seja o que for, ascética ou mística, que importa? É mercê de Deus. Se procuras meditar, o Senhor não te negará a sua assistência. Fé e obras de fé! Obras, porque o Senhor - tu já reparaste nisso desde o princípio e eu já to fiz notar a seu tempo - cada dia é mais exigente. Isto já é contemplação e união; e assim há-de ser a vida de muitos cristãos, avançando cada um pela sua própria via espiritual - são infinitas - no meio dos afazeres deste mundo, mesmo sem se darem conta disso.

Uma oração e uma conduta que não nos afastam das nossas actividades correntes, que nos conduzem a Nosso Senhor no meio dos nossos nobres empenhos terrenos. Ao elevar a Deus todas essas ocupações, a criatura diviniza o mundo. Tenho falado tantas vezes do mito do rei Midas que convertia em ouro tudo aquilo em que tocava! Podemos converter em ouro de méritos sobrenaturais tudo o que tocamos, apesar dos nossos erros pessoais.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
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