Lista de pontos

Há 3 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Mortificação → os três caminhos.

Recordo agora - certamente algum de vós me terá ouvido já este mesmo comentário noutras meditações - aquele sonho de um escritor do século de ouro castelhano. Diante dele abrem-se dois caminhos. Um apresenta-se amplo e fácil de percorrer, pródigo em estalagens e tabernas e outros lugares amenos e agradáveis. Por ali avançam as pessoas a cavalo ou em carroças, entre música e risos - gargalhadas loucas-; contempla-se uma multidão embriagada num deleite aparente, efémero, porque esse caminho acaba num precipício sem fundo. É o caminho dos mundanos, dos eternos aburguesados: ostentam uma alegria que, na realidade, não têm; procuram insaciavelmente toda a espécie de comodidades e prazeres…; horroriza-os a dor, a renúncia, o sacrifício. Não querem saber nada da Cruz de Cristo, pensam que é coisa de loucos. Mas são eles os dementes: escravos da inveja, da gula, da sensualidade, acabam por passar pior e apercebem-se tarde de que desperdiçaram, por uma bagatela insípida, a sua felicidade terrena e eterna. É o Senhor a advertir-nos: Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim encontrá-la-á. Porque, de que serve ao homem ganhar todo o mundo, se perde a sua alma?

Em direcção diferente segue, nesse sonho, outro caminho: tão estreito e íngreme, que não é possível percorrê-lo a cavalo. Todos os que seguem por ele, andam pelo seu próprio pé, talvez em ziguezague, com rosto sereno, pisando abrolhos e saltando pedregulhos. Em determinados pontos do caminho deixam farrapos dos seus vestidos e mesmo da sua carne. Mas no fim espera-os um jardim, a felicidade para sempre, o Céu. É o caminho das almas santas que se humilham, que por amor a Jesus Cristo se sacrificam com gosto pelos outros; o caminho dos que não temem subir carregando amorosamente com a sua cruz, por muito que pese, porque sabem que, se o peso os fizer cair, poderão levantar--se e continuar a subida: Cristo é a força destes caminhantes.

Que importa tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos levanta de novo e nos impulsiona a prosseguir com renovado alento? Não esqueçais que santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa persistência. Se no livro dos Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes ao dia, tu e eu - pobres criaturas - não nos devemos estranhar nem desalentar perante as misérias pessoais, perante os nossos tropeços, porque continuaremos em frente, se procurarmos a fortaleza n'Aquele que nos prometeu: Vinde a mim todos os que andais cansados e oprimidos, que eu vos aliviarei. Obrigado, Senhor, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu Deus, a minha fortaleza, o meu refúgio, o meu apoio.

Se verdadeiramente desejas progredir na vida interior, sê humilde. Recorre constantemente, confiadamente, à ajuda do Senhor e de sua Mãe bendita, que é também a tua Mãe. Com serenidade, tranquilo, por muito que te doa a ferida ainda não sarada da tua última queda, abraça de novo a cruz e diz: Senhor, com o teu auxílio lutarei para não parar, responderei fielmente aos teus convites, sem temer as encostas íngremes, nem a aparente monotonia do trabalho habitual, nem os cardos e pedras do caminho. Sei que a tua misericórdia me assiste e que, no fim, acharei a felicidade eterna, a alegria e o amor pelos séculos em fim.

Depois, durante o mesmo sonho, aquele escritor descobria um terceiro itinerário: estreito, também semeado de asperezas e encostas duras como o segundo. Por ali avançavam alguns no meio de mil dificuldades com gesto solene e majestoso. Contudo, acabavam no mesmo precipício horrível a que levava o primeiro caminho. É o caminho que percorrem os hipócritas, os que não têm rectidão de intenção, os que se movem por um falso zelo, os que pervertem as obras divinas ao misturá-las com egoísmos temporais. É uma loucura lançar-se num empreendimento custoso com o fim de ser admirado; guardar os Mandamentos de Deus à custa de um árduo esforço, mas aspirar a uma recompensa terrena. Aquele que com o exercício das virtudes pretende benefícios humanos é como o que faz um mau negócio, vendendo um objecto precioso por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, em contrapartida, contenta-se com um louvor efémero… Por isso se diz que as esperanças dos hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la e, no fim, o vento da morte leva-a com um sopro .

Como o bater do coração

Enquanto falo, sei que vós, na presença de Deus, procurais ir revendo o vosso comportamento. Não é verdade que a maioria dessas preocupações que têm inquietado a tua alma, dessas faltas de paz, deriva de não teres correspondido aos convites divinos ou talvez de estares a percorrer o caminho dos hipócritas, porque te procuravas a ti próprio? Com o triste desejo de manter perante os que te rodeiam a mera aparência de uma atitude cristã, no teu interior negavas-te a aceitar a renúncia, a mortificar as tuas paixões tortuosas, a dares-te sem condições, abnegadamente, como Jesus Cristo.

Reparai, nestes momentos de meditação perante o sacrário, não vos podeis limitar a ouvir as palavras que o sacerdote pronuncia como que materializando a oração íntima de cada um. Apresento-te umas considerações, indico-te uns pontos, para que os recebas activamente e reflictas por tua conta, convertendo-os em tema de um colóquio pessoalíssimo e silencioso entre ti e Deus, de maneira que os apliques à tua situação actual e, com as luzes que o Senhor te der, distingas na tua conduta o que vai direito do que vai por mau caminho, a fim de rectificares com a sua graça.

Agradece ao Senhor esse cúmulo de boas obras que realizaste, desinteressadamente, porque podes cantar com o salmista: Ele tirou-me do abismo de miséria e do lodo profundo. E firmou os meus pés sobre a rocha e dirigiu os meus passos. Pede-lhe também perdão pelas tuas omissões ou pelos teus passos em falso, quando te meteste nesse lamentável labirinto da hipocrisia, ao afirmar que desejavas a glória de Deus e o bem do teu próximo, mas na verdade só procuravas honras para ti mesmo… Sê audaz, sê generoso e diz que não, que já não queres defraudar mais o Senhor e a humanidade.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura