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Há 7 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Generosidade → e liberdade.

Liberdade e entrega

O amor de Deus é ciumento; não fica satisfeito, se nos apresentarmos com condições no encontro marcado: espera com impaciência que nos entreguemos totalmente, que não guardemos no coração recantos escuros, onde o gozo e a alegria da graça e dos dons sobrenaturais não consigam chegar. Talvez pensem: responder sim a esse Amor exclusivo não é, porventura, perder a liberdade?

Com a ajuda de Nosso Senhor, que preside à nossa oração, com a sua luz, espero que este tema fique ainda mais definido para vós e para mim. Cada um de nós sabe por experiência que, algumas vezes, seguir Cristo Nosso Senhor implica dor e fadiga. Negar esta realidade significaria não se ter encontrado com Deus. A alma apaixonada sabe que essa dor é uma impressão passageira e bem depressa descobre que o seu peso é leve e a sua carga suave, porque Ele a leva às costas, tal como se abraçou ao madeiro quando estava em jogo a nossa felicidade eterna. Mas há homens que não entendem, que se revoltam contra o Criador - uma rebelião impotente, mesquinha, triste -, que repetem cegamente a queixa inútil que o Salmo regista: Quebremos os seus laços! Para longe de nós o seu jugo. Resistem a realizar, com silêncio heróico, com naturalidade, sem brilho e sem lamentações, o trabalho duro de cada dia. Não compreendem que a Vontade divina, mesmo quando se apresenta com matizes de dor, de exigências que ferem, coincide exactamente com a liberdade, que só reside em Deus e nos seus desígnios.

São almas que fazem barricadas com a liberdade. A minha liberdade, a minha liberdade! Têm-na e não a seguem; olham-na e põem-na como um ídolo de barro dentro do seu entendimento mesquinho. É isso liberdade? Que aproveitam dessa riqueza sem um compromisso sério, que oriente toda a existência? Um tal comportamento opõe-se à categoria própria, à nobreza, da pessoa humana. Falta a rota, o caminho claro que oriente os seus passos na terra; essas almas - decerto já as encontraram, como eu - depressa se deixarão arrastar pela vaidade pueril, pela presunção egoísta, pela sensualidade.

A sua liberdade mostra-se estéril ou produz frutos ridículos, mesmo do ponto de vista humano. Quem não escolhe - com plena liberdade! - uma norma recta de conduta, ver-se-á manipulado por outros cedo ou tarde, viverá na indolência - como um parasita - sujeito ao que os outros determinarem. Prestar-se-á a ser cirandado por qualquer vento e outros resolverão sempre por ele. São nuvens sem água que os ventos levam de um lado para o outro, árvores outonais, sem fruto; duas vezesmortas, sem raízes,ainda que se encubram, numa contínua tagarelice, com paliativos que tentam disfarçar a sua falta de carácter, de valentia e de honradez.

"Mas a mim ninguém me coage!", repetem obstinadamente. Ninguém? Todos coagem essa liberdade ilusória, que não se arrisca a aceitar com responsabilidade as consequências de actuações livres e pessoais. Onde não há amor de Deus, produz-se um vazio do exercício individual e responsável da liberdade: apesar das aparências, tudo neles é coacção. O indeciso, o irresoluto é como matéria plástica à mercê das circunstâncias; qualquer pessoa o molda de acordo com o seu capricho e moldam-no também, em primeiro lugar, as paixões e as piores tendências da natureza ferida pelo pecado.

Recordem a parábola dos talentos. Aquele servo que só recebeu um podia - como os companheiros - empregá-lo bem, procurar que rendesse, usando as suas qualidades. E que decide? Tem medo de o perder. E está certo. Mas, e depois? Enterra-o! E acaba por não dar fruto.

Não esqueçamos este caso de temor doentio de aproveitar honradamente a capacidade de trabalho, a inteligência, a vontade, o homemtodo. Enterro-o - parece afirmar esse desgraçado -, mas a minha liberdade fica a salvo! Não. A liberdade inclinou-se para uma coisa muito concreta, para a mais pobre e árida secura. Optou, porque não tinha outro remédio senão escolher; mas escolheu mal.

Nada mais falso do que opor a liberdade à entrega, porque a entrega surge como consequência da liberdade. Reparem que, quando uma mãe se sacrifica por amor aos filhos, escolheu; e, segundo a medida desse amor, assim se manifestará a sua liberdade. Se esse amor é grande, a liberdade será fecunda e o bem dos filhos nasce dessa bendita liberdade, que pressupõe entrega, e nasce dessa bendita entrega, que é precisamente liberdade.

Mas, perguntar-me-ão, quando conseguimos o que amamos com toda a alma, já não continuamos a procurá-lo. Desapareceu a liberdade? Garanto-vos que então é mais activa do que nunca, porque o amor não se contenta com um cumprimento rotineiro, nem se coaduna com o fastio e a apatia. Amar significa recomeçar todos os dias a servir, com obras de carinho.

Insisto, e gostaria de gravá-lo a fogo em cada um: a liberdade e a entrega não se contradizem; apoiam-se mutuamente. A liberdade só se pode entregar por amor; não concebo outra espécie de desprendimento. Não é um jogo de palavras mais ou menos acertado. Na entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a liberdade renova o amor e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz de grandes ideais e de grandes sacrifícios. Lembro-me que tive uma grande alegria quando soube que em português chamam aos jovens os novos. E são isso. Conto-vos isto, porque já tenho muitos anos, mas quando rezo junto do altar ao Deus que enche de alegria a minha juventude,sinto-me muito jovem e sei que nunca me hei-de considerar velho, porque, se permanecer fiel ao meu Deus, o

Amor vivificar-me-á continuamente. A minha juventude renovar-se-á como a da águia.

Por amor à liberdade nos prendemos. Só a soberba sente nesses laços o peso de uma cadeia. A verdadeira humildade, que nos é ensinada por Aquele que é manso e humilde de coração, mostra-nos que o seu jugo é suave e a sua carga leve: o jugo é a liberdade; o jugo é o amor; o jugo é a unidade; o jugo é a vida que Ele ganhou para nós na Cruz.

Escravidão por escravidão - já que de qualquer modo temos de servir, pois, quer queiramos quer não, essa é a condição humana - não há nada melhor do que saber que somos, por Amor, escravos de Deus. Porque nesse momento perdemos a situação de escravos para nos tornarmos, amigos, filhos. E aqui surge a diferença: enfrentamos as ocupações honestas do mundo com a mesma paixão, com o mesmo empenho que os outros, mas com paz no íntimo da alma; com alegria e serenidade, mesmo nas contradições: pois não depositamos a nossa confiança naquilo que é passageiro, mas no que permanece para sempre, não somos filhos da escrava, mas da mulher livre.

Donde nos vem esta liberdade? De Cristo, Nosso Senhor. Esta é a liberdade com que Ele nos redimiu. Por isso ensina: seo Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres . Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã.

Gosto de falar da aventura da liberdade, porque é essa realmente a aventura da vossa vida e da minha. Livremente - como filhos, insisto, não como escravos - seguimos o caminho que Nosso Senhor assinalou para cada um de nós. E saboreamos esta facilidade de movimentos como um presente de Deus.

Livremente, sem qualquer coacção, porque me apetece, decido-me por Deus. E comprometo-me a servir, a converter a minha existência numa entrega aos outros, por amor ao meu Senhor Jesus. Esta liberdade incita-me a clamar que nada na terra me separará da caridade de Cristo .

Repito: não aceito outra escravidão senão a do Amor de Deus. E isto porque, como já tenho comentado noutras ocasiões, a religião é a maior rebeldia do homem, que não tolera viver como um animal, que não se conforma - não sossega - enquanto não ganha intimidade e conhece o Criador. Quero-os rebeldes, livres de todas os laços, porque os quero - Cristo quer-nos! - filhos de Deus. Escravidão ou filiação divina: eis o dilema da nossa vida. Ou filhos de Deus ou escravos da soberba, da sensualidade, desse egoísmo angustiante em que tantas almas parecem debater-se.

O Amor de Deus marca o caminho da verdade, da justiça, do bem. Quando nos decidimos a responder a Nosso Senhor: a minha liberdade para Ti, encontramo-nos libertos de todas as cadeias que nos atavam a coisas sem importância, a preocupações ridículas, a ambições mesquinhas. E a liberdade - tesouro incalculável, pérola maravilhosa que seria triste lançar aos animais - emprega-se inteiramente em aprender a fazer o bem.

Esta é a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Os cristãos amedrontados - coibidos ou invejosos - na sua conduta, perante a libertinagem dos que não aceitam a Palavra de Deus, demonstram ter um conceito miserável da nossa fé. Se cumprirmos verdadeiramente a Lei de Cristo - se nos esforçarmos por cumpri-la, porque nem sempre o conseguiremos - descobrir-nos-emos dotados dessa maravilhosa elegância de espírito, que não precisa de ir buscar a outro sítio o sentido da mais plena dignidade humana.

A nossa fé não é uma carga, nem uma limitação. Que pobre ideia da verdade cristã manifestaria quem assim pensasse! Ao decidirmo-nos por Deus não perdemos nada; ganhamos tudo. Quem, à custa da sua alma, conserva a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, voltará a achá-la.

Tirámos a carta que ganha, conseguimos o primeiro prémio. Quando alguma coisa nos impedir de ver isto com clareza, examinemos o interior da nossa alma. Talvez haja pouca fé, pouca intimidade pessoal com Deus, pouca vida de oração. Temos de pedir a Nosso Senhor - através de sua Mãe e nossa Mãe - que aumente em nós o seu amor, que nos conceda saborear a doçura da sua presença; porque só quando se ama se chega à mais plena liberdade: a de jamais querer abandonar, por toda a eternidade, o objecto dos nossos amores.

Meu, meu, meu…, pensam, dizem e fazem muitos. Que coisa tão triste! Comenta S. Jerónimo que, verdadeiramente, o que está escrito: "para encontrar desculpas dos pecados" (Ps CXL, 4), acontececom estas pessoas que, ao pecado de soberba, acrescentam a preguiça e a negligência.

É a soberba que afirma continuamente meu, meu, meu… É um vício que converte o homem numa criatura estéril, que lhe anula as ânsias de trabalhar por Deus e que o leva a desaproveitar o tempo. A tua vida para ti? A tua vida para Deus, para o bem de todos os homens, por amor ao Senhor. Desenterra esse talento! Torna-o produtivo e saborearás a alegria de saber que, neste negócio sobrenatural, não importa que o resultado na terra não seja uma maravilha que os homens possam admirar. O essencial é entregarmos tudo o que somos e possuímos, procurarmos que o talento renda e empenharmo-nos continuamente em produzir bom fruto.

Deus concede-nos talvez um ano mais para o servir. Não penses em cinco, nem em dois. Pensa só neste: em um, no que começámos. E entrega-o, não o enterres! Esta há-de ser a nossa determinação.

Referências da Sagrada Escritura
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