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Há 8 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Esperança → simultaneamente na terra e no Céu.

Para alcançarmos esta meta temos de nos conduzir movidos pelo Amor e nunca como aquele que suporta o peso de um castigo ou de uma maldição: Tudo o que fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por meio d'Ele, a Deus Pai. Desta forma terminaremos a nossa tarefa com perfeição, enchendo o tempo todo, porque seremos instrumentos apaixonados por Deus, que compreendem toda a responsabilidade e toda a confiança que o Senhor deposita sobre os seus ombros, apesar da debilidade pessoal. Em todas e cada uma das tuas actividades, porque contas com a fortaleza de Deus, hás-de comportar-te como quem se movimenta exclusivamente por Amor.

Mas não fechemos os olhos à realidade, conformando-nos com uma visão ingénua e superficial, que nos conduza à ideia de que nos espera um caminho fácil e que para percorrê-lo bastam alguns propósitos sinceros e desejos ardentes de servir a Deus. Não duvideis: ao longo dos anos, apresentar-se-ão - talvez mais depressa do que pensamos - situações particularmente custosas, que vão exigir de cada um muito espírito de sacrifício e um maior esquecimento de si mesmo. Fomenta então a virtude da esperança e, com audácia, faz teu o grito do Apóstolo: Eu estimo, efectivamente, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção alguma com a glória que há-de revelar-se em nós. Medita com segurança e com paz: como será o amor infinito derramado sobre esta pobre criatura?! Chegou a hora de, no meio das tuas ocupações habituais, exercitares a fé, despertares a esperança, avivares o amor. Quer dizer: de activar as três virtudes teologais que nos impelem a desterrar imediatamente, sem dissimulações, sem rebuço, sem rodeios, os equívocos da nossa vida profissional e da nossa vida interior.

Aqui, na presença de Deus, que nos está a presidir do sacrário - como fortalece esta proximidade real de Jesus! - vamos meditar hoje esse suave dom de Deus, a esperança, que enche de alegria as nossas almas, spe gaudentes, jubilosos, porque - se formos fiéis - nos aguarda o Amor infinito.

Não esqueçamos jamais que para todos - para cada um de nós, portanto - só há dois modos de estar no mundo: ou se vive vida divina, lutando para agradar a Deus, ou se vive vida animal, mais ou menos humanamente ilustrada, quando se prescinde d'Ele. Nunca concedi demasiado peso aos santões que fazem alarde de não serem crentes: quero-lhes realmente muito, como a todos os homens, meus irmãos; admiro a sua boa vontade, que em determinados aspectos pode mostrar-se heróica, mas tenho pena deles, porque têm a enorme desgraça de lhes faltar a luz e o calor de Deus e a inefável alegria da esperança teologal.

Um cristão sincero, coerente com a sua fé, não actua senão com os olhos em Deus, com visão sobrenatural; trabalha neste mundo, que ama apaixonadamente, metido nos afãs da terra, com o olhar no Céu. É S. Paulo quem o confirma: quæ sursum sunt quærite; buscai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus; saboreai as coisas do Céu, não as da terra. Porque estais mortos - para as coisas terrenas, pelo Baptismo - e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus .

Mas se abundam os temerosos e os frívolos, nesta nossa terra muitos homens rectos, impelidos por um nobre ideal - ainda que sem motivo sobrenatural, por filantropia - afrontam toda a espécie de privações e consomem-se generosamente a servir os outros, a ajudá-los nos seus sofrimentos ou nas suas dificuldades. Sinto-me sempre levado a respeitar, e mesmo a admirar a tenacidade de quem trabalha decididamente por um ideal limpo. No entanto, considero minha obrigação recordar que tudo o que iniciamos aqui, se é empresa exclusivamente nossa, nasce com o selo da caducidade. Meditai as palavras da Escritura: contemplei tudo o que as minhas mãos tinham feito e as canseiras que tive ao fazê-lo e vi que tudo era vaidade e vento que passa e que nada havia de proveitoso debaixo do sol.

Esta precariedade não sufoca a esperança. Pelo contrário, quando reconhecemos a pequenez e a contingência das iniciativas terrenas, o trabalho abre-se à autêntica esperança que eleva toda a actividade humana e a converte em lugar de encontro com Deus. Essa tarefa é assim iluminada com uma luz perene, que afasta as trevas das desilusões. Mas se transformarmos os projectos temporais em metas absolutas, suprimindo do horizonte a morada eterna e o fim para que fomos criados - amar e louvar o Senhor e possuí-lo depois no Céu - os intentos mais brilhantes transformam-se em traições e inclusive em instrumento para envilecer as criaturas. Recordai a sincera e famosa exclamação de Santo Agostinho, que tinha experimentado tantas amarguras enquanto não conhecia Deus e procurava fora d'Ele a felicidade: fizeste-nos, Senhor, para Ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansa em Ti!. Talvez não exista nada mais trágico na vida dos homens do que os enganos padecidos pela corrupção ou pela falsificação da esperança, apresentada com uma perspectiva que não tem como objecto o amor que sacia sem saciar.

A mim, e desejo que a vós suceda o mesmo, a segurança de me sentir - de me saber - filho de Deus enche-me de verdadeira esperança que, por ser virtude sobrenatural, ao ser infundida nas criaturas, se acomoda à nossa natureza e é também virtude muito humana. Sou feliz com a certeza do Céu que alcançaremos, se permanecermos fiéis até ao fim; com a felicidade que nos chegará, quoniam bonus, porque o meu Deus é bom e é infinita a sua misericórdia. Esta convicção incita-me a compreender que só o que está marcado com o selo de Deus revela o sinal indelével da eternidade e tem um valor imperecível. Por isso, a esperança não me separa das coisas desta terra, antes me aproxima dessas realidades de um modo novo, cristão, que procura descobrir em tudo a relação da natureza, caída, com Deus Criador e com Deus Redentor.

Em que esperar

Dado que o mundo oferece muitos bens, apetecíveis para este nosso coração, que reclama felicidade e busca ansiosamente o amor, talvez alguns perguntem: nós, os cristãos, em que devemos esperar? Além disso, queremos semear a paz e a alegria às mãos cheias, não ficamos satisfeitos com a consecução da prosperidade pessoal e procuramos que estejam contentes todos os que nos rodeiam.

Por desgraça, alguns, com uma visão digna mas rasteira, com ideais exclusivamente caducos e fugazes, esquecem que os anelos do cristão se hão-de orientar para cumes mais elevados: infinitos. O que nos interessa é o próprio Amor de Deus, é gozá-lo plenamente, com um júbilo sem fim. Temos comprovado, de muitas maneiras, que as coisas da terra hão-de passar para todos, quando este mundo acabar; e já antes, para cada um, com a morte, porque nem as riquezas nem as honras acompanham ninguém ao sepulcro. Por isso, com as asas da esperança, que anima os nossos corações a levantarem-se para Deus, aprendemos a rezar: in te Domine speravi, non confundar in æternum, espero em Ti, Senhor, para que me dirijas com as tuas mãos agora e em todos os momentos pelos séculos dos séculos.

O Senhor não nos criou para construirmos aqui uma Cidade definitiva, porque este mundo é o caminho para o outro, que é morada sem pesar. No entanto, nós, os filhos de Deus, não devemos desligar-nos das actividades terrenas em que Deus nos coloca para as santificarmos, para as impregnarmos da nossa bendita fé, a única que dá verdadeira paz, alegria autêntica às almas e aos diversos ambientes. Tem sido esta a minha pregação constante desde 1928: urge cristianizar a sociedade; levar a todos os estratos desta nossa humanidade o sentido sobrenatural, de modo que uns e outros nos empenhemos em elevar à ordem da graça a ocupação diária, a profissão ou o ofício. Desta forma, todas as ocupações humanas se iluminam com uma esperança nova, que transcende o tempo e a caducidade do mundano.

Pelo Baptismo, somos portadores da palavra de Cristo, que serena, que inflama e aquieta as consciências feridas. E para que o Senhor actue em nós e por nós, temos de lhe dizer que estamos dispostos a lutar em cada dia, ainda que nos vejamos frouxos e inúteis, ainda que sintamos o peso imenso das misérias pessoais e da pobre debilidade pessoal. Temos de lhe repetir que confiamos n'Ele, na sua ajuda: se é preciso, como Abraão, contra toda a esperança. Assim trabalharemos com renovado empenho e ensinaremos as pessoas a reagirem com serenidade, livres de ódios, de receios, de ignorância, de incompreensões, de pessimismos, porque Deus tudo pode.

Onde quer que nos encontremos, esta é a exortação do Senhor: vigiai! Em face deste apelo de Deus, alimentemos nas nossas consciências os desejos esperançosos de santidade, com obras. Dá-me, meu filho, o teu coração, sugere-nos o senhor ao ouvido. Deixa-te de construir castelos com a fantasia, decide-te a abrir a tua alma a Deus, pois exclusivamente no Senhor acharás o fundamento real para a tua esperança e para fazer o bem aos outros. Quando não lutamos connosco mesmos, quando não rechaçamos terminantemente os inimigos que estão dentro da cidadela interior - o orgulho, a inveja, a concupiscência da carne e dos olhos, a auto-suficiência, a tresloucada avidez da libertinagem - quando não existe essa peleja interior, os mais nobres ideais definham como a flor do feno; ao romper o sol ardente, a erva seca, a flor cai e acaba a sua vistosa formosura. Depois, pela menor fenda brotarão o desalento e a tristeza, como plantas daninhas e invasoras.

Jesus não se conforma com um assentimento titubeante. Pretende, tem direito a que caminhemos com inteireza, sem concessões às dificuldades. Exige passos firmes concretos; pois, de ordinário, os propósitos gerais servem para pouco. Os propósitos pouco delineados parecem-me entusiasmos falazes que intentam calar as chamadas divinas percebidas pelo coração; fogos fátuos, que não queimam nem dão calor e que desaparecem com a mesma fugacidade com que surgiram.

Por isso, convencer-me-ei de que as tuas intenções de alcançar a meta são sinceras, se te vir caminhar com determinação. Faz o bem, revendo as tuas atitudes habituais quanto à ocupação de cada instante; pratica a justiça, precisamente nos ambientes que frequentas, ainda que a fadiga te vença; fomenta a felicidade dos que te rodeiam, servindo os outros com alegria no lugar do teu trabalho, com esforço para o acabar com a maior perfeição possível, com a tua compreensão, com o teu sorriso, com a tua atitude cristã. E tudo por Deus, com o pensamento na sua glória, com o olhar no alto, anelando a Pátria definitiva, pois só esse fim vale a pena.

Com o olhar no Céu

Cresçamos na esperança, que deste modo nos consolidaremos na fé, verdadeiro fundamento das coisas que se esperam e prova das que não se vêem . Cresçamos nesta virtude, que é suplicar ao Senhor que aumente a sua caridade em nós, porque só se confia verdadeiramente no que se ama com todas as forças. E vale a pena amar o Senhor. Vós haveis experimentado, como eu, que a pessoa enamorada se entrega confiante, com uma sintonia maravilhosa, em que os corações batem num mesmo querer. E que será o Amor de Deus? Não sabeis que Cristo morreu por cada um de nós? Sim, por este nosso coração pobre, pequeno, se consumou o sacrifício redentor de Jesus.

Frequentemente, o Senhor fala-nos do prémio que nos ganhou com a sua Morte e Ressurreição. Vou preparar um lugar para vós. Depois que eu tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais Vós também. O Céu é a meta do nosso caminho terreno. Jesus Cristo precedeu-nos e ali, na companhia da Virgem e de S. José - a quem tanto venero - dos Anjos e dos Santos, aguarda a nossa chegada.

Que a Mãe de Deus e nossa Mãe nos proteja a fim de que cada um de nós possa servir a Igreja na plenitude da fé, com os dons do Espírito Santo e com a vida contemplativa. Cada um, realizando os deveres que lhe são próprios; cada um no seu ofício e profissão e no cumprimento das obrigações do seu estado, honre o Senhor com alegria.

Amemos a Igreja, sirvamo-la com a alegria consciente de quem soube decidir-se a esse serviço por Amor. E se virmos que alguém anda sem esperança, como os dois de Emaús, aproximemo-nos com fé - não em nome próprio, mas em nome de Cristo - para lhe assegurarmos que a promessa de Jesus não pode falhar, que Ele vela sempre pela sua Esposa: que não a abandona. Que as trevas passarão, porque somos filhos da luz e estamos chamados a uma vida perdurável.

E Deus enxugará dos seus olhos todas as lágrimas, já não haverá morte, nem pranto, nem gritos; não haverá mais dor, porque as primeiras coisas passaram. E disse o que estava sentado no trono: eis que renovo tudo. E indicou-me: escreve, porque todas estas palavras são digníssimas de fé e verdadeiras. E continuou: isto é um facto. Eu sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim. Àquele que tiver sede dar-Lhe-ei de beber gratuitamente da fonte da água da vida. Quem vencer possuirá todas estas coisas e eu serei seu Deus e ele será meu filho.