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Há 4 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Conversão → começar e recomeçar.

Vamos considerar, durante alguns instantes, os textos desta Missa de Terça-Feira de Paixão, para aprendermos a distinguir o endeusamento bom do endeusamento mau. Vamos falar de humildade, porque esta é a virtude que nos ajuda a conhecer simultaneamente a nossa miséria e a nossa grandeza.

A nossa miséria salta à vista com demasiada evidência. Não me refiro às limitações naturais: a tantas aspirações grandes com as quais o homem sonha e que porventura nunca conseguirá realizar, mesmo que seja só por falta de tempo. Penso em tudo o que fazemos mal, nas quedas, nos erros que poderiam evitar-se e não se evitam. Estamos a experimentar constantemente a nossa ineficácia. Mas, às vezes, parece que todas estas coisas se juntam e se nos manifestam com um relevo maior, para que nos apercebamos de quão pouco somos. Que fazer?

Expecta Dominum, espera no Senhor; vive de esperança, sugere-nos a Igreja, com amor e com fé. Viriliter age , porta-te varonilmente. Que importa que sejamos criaturas de lodo, se temos a esperança posta em Deus? E se alguma vez a alma sofre uma queda, um retrocesso - não é necessário que isso aconteça - aplica-se-lhe o remédio, como se procede normalmente com a saúde do corpo, e recomeça-se de novo!

Permiti-me que vos repita uma e outra vez o caminho que Deus espera que cada um percorra, quando nos chama para o servir no meio do mundo, para santificar e nos santificarmos através das ocupações normais. Com um sentido comum colossal, ao mesmo tempo cheio de fé, pregava S. Paulo que na lei de Moisés está escrito: não atarás a boca ao boi que debulha o grão.

E pergunta-se: Porventura preocupar-se-á Deus com os bois? Ou, pelo contrário, dirá isto sobretudo por nós? Sim, com certeza que se escreveram estas coisas por nós; porque a esperança faz lavrar o que lavra, e o que debulha fá-lo com esperança de participar dos frutos.

Nunca se reduziu a vida cristã a uma trama angustiante de obrigações, que deixa a alma submetida a uma desesperada tensão; a vida cristã adapta-se às circunstâncias individuais como a luva à mão e pede que no exercício das nossas tarefas habituais, nas grandes e nas pequenas, na oração e na mortificação, não percamos nunca o ponto de vista sobrenatural. Pensai que Deus ama apaixonadamente as suas criaturas, e como trabalhará o burro se não se lhe dá de comer nem dispõe de tempo para restaurar as forças ou se se quebranta o seu vigor com excessivas pauladas? O teu corpo é como um burrico - um burrico foi o trono de Deus em Jerusalém - que te carrega pelos caminhos divinos da terra: é necessário dominá-lo para que não se afaste dos caminhos de Deus e animá-lo para que o seu trote seja o mais alegre e brioso que se pode esperar de um jumento.

Misturai-vos com frequência entre os personagens do Novo Testamento. Saboreai aquelas cenas comovedoras em que o Mestre actua com gestos divinos e humanos ou relata, com frases humanas e divinas, a história sublime do perdão e do seu contínuo Amor pelos seus filhos. Esses reflexos do Céu renovam-se também agora na perenidade actual do Evangelho: palpa-se, nota-se, pode-se afirmar que se toca com as mãos a protecção divina; um amparo que adquire vigor, quando prosseguimos apesar dos tropeções, quando começamos e recomeçamos, pois isto é a vida interior vivida com a esperança em Deus.

Sem este empenho em superar os obstáculos de dentro e de fora, não nos será concedido o prémio. Nenhum atleta será premiado, se não lutar verdadeiramente, e não seria autêntico o combate se faltasse o adversário com quem pelejar. Portanto, se não houver adversário, não haverá coroa; pois não pode haver vencedor, onde não há vencido.

Longe de nos desalentarem, as contrariedades hão-de ser um acicate para crescermos como cristãos; nessa luta nos santificamos e o nosso trabalho apostólico adquire maior eficácia. Ao meditar nos momentos em que Jesus Cristo - no Horto das Oliveiras e, mais tarde, no abandono e ludíbrio da Cruz - aceita e ama a Vontade do Pai, enquanto sente o peso gigantesco da Paixão, temos de nos persuadir de que para imitar Cristo, para ser bons discípulos d'Ele, é preciso que sigamos o seu conselho: se alguém quer vir atrás de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Por isso, gosto de pedir a Jesus para mim: Senhor, nenhum dia sem cruz! Assim, com a graça divina, se reforçará o nosso carácter e serviremos de apoio ao nosso Deus, superando as nossas misérias pessoais.

Compreende bem isto: se ao cravar um prego na parede, não encontrasses resistência, que poderias pendurar dele? Se não nos robustecermos, com o auxílio divino, por meio do sacrifício, não alcançaremos a condição de instrumentos do Senhor. Pelo contrário, se nos decidirmos a aproveitar com alegria as contrariedades, por amor de Deus, ao enfrentar o que é difícil e desagradável, o que é duro e incómodo, não nos custará exclamar com os Apóstolos Tiago e João: Podemos!.

Esta luta de um filho de Deus não implica tristes renúncias, obscuras resignações, privações de alegria; é a reacção do enamorado que, enquanto trabalha e enquanto descansa, enquanto se alegra e enquanto padece, põe o seu pensamento na pessoa amada e por ela enfrenta gostosamente os diferentes problemas. No nosso caso, além disso, como Deus - insisto - não perde batalhas, nós, com Ele, seremos vencedores. Tenho a experiência de que, se me ajusto fielmente ao que quer de mim, Ele me faz descansar em verdes prados e me conduz a águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me pelo amor do seu nome. Mesmo que atravesse um vale tenebroso, não temo nenhum mal, porque Tu estás comigo. A tua clava e o teu cajado são o meu consolo.

Nas batalhas da alma, a estratégia muitas vezes é questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente, com paciência, com pertinácia. Aumentai os actos de esperança. Recordo-vos que sofrereis derrotas, ou que passareis por altos e baixos - Deus permita que sejam imperceptíveis - na vossa vida interior, porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é omnipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idóneos para vencer. Basta que os empreguemos, como comentava antes, com a resolução de começar e recomeçar em cada momento, se for preciso.

Recorrei semanalmente - e sempre que o necessiteis, sem dar lugar aos escrúpulos - ao santo Sacramento da Penitência, ao sacramento do perdão divino. Revestidos da graça, caminharemos por entre os montes e subiremos a encosta do cumprimento do dever cristão, sem nos determos. Utilizando estes recursos com boa vontade e rogando ao Senhor que nos conceda uma esperança cada dia maior, possuiremos a alegria contagiosa dos que se sabem filhos de Deus: Se Deus está connosco, quem nos poderá derrotar? . Optimismo, portanto. Incitados pela força da esperança, lutaremos para apagar a mancha viscosa que espalham os semeadores do ódio e redescobriremos o mundo com uma perspectiva jubilosa, porque saiu formoso e limpo das mãos de Deus, e restituir-lho-emos assim belo, se aprendermos a arrepender-nos.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura