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Há 5 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Consciência → liberdade das consciências.

A liberdade das consciências

Quando, nos meus anos de sacerdócio, não direi que prego mas que grito o meu amor à liberdade pessoal, noto nalguns um gesto de desconfiança, como de quem suspeita que a defesa da liberdade implica um perigo para a fé. Que se tranquilizem esses pusilânimes. Só atenta contra a fé uma errada interpretação da liberdade, uma liberdade sem qualquer fim, sem norma objectiva, sem lei, sem responsabilidade, numa palavra, a libertinagem. Infelizmente, é isso que alguns defendem; essa reivindicação é que constitui um atentado contra a fé.

Por isso, não é exacto falar de liberdade de consciência, que equivale a considerar de boa categoria moral o facto de o homem rejeitar Deus. Já recordámos que nos podemos opor aos desígnios salvadores de Nosso Senhor; podemos, mas não devemos fazê-lo. E se alguém tomasse essa atitude deliberadamente, pecaria ao transgredir o primeiro e o fundamental dos mandamentos: amarás Iavé com todo o teu coração .

Defendo com todas as minhas forças a liberdade das consciências, que significa que não é lícito a ninguém impedir que a criatura tribute culto a Deus. Têm de se respeitar os legítimos anseios de verdade: o homem tem obrigação grave de procurar Nosso Senhor, de O conhecer e de O adorar, mas a ninguém na terra é lícito impor ao próximo a prática de uma fé que este não tem, tal como ninguém pode arrogar-se o direito de prejudicar quem a recebeu de Deus.

A Igreja, nossa Santa Mãe, sempre se pronunciou pela liberdade e rejeitou todos os fatalismos, antigos ou menos antigos. Declarou que cada alma é dona do seu destino para bem ou para mal. E os que não se afastaram do bem irão para a vida eterna; os que cometeram o mal, para o fogo eterno . Impressiona-nos sempre esta terrível capacidade humana, tua e minha, de todos, que simultaneamente é o sinal da nossa nobreza. A tal ponto o pecado é um mal voluntário, que de nenhum modo seria pecado, se não tivesse o seu princípio na vontade; esta afirmação goza de tal evidência, que estão de acordo os poucos sábios e os muitos ignorantes que habitam no mundo .

Volto a levantar o meu coração em acção de graças ao meu Deus, ao meu Senhor, porque nada o impedia de nos criar impecáveis, com um impulso irresistível para o bem; mas julgou que seriam melhores os seusservidores se o servissemlivremente . Que grande é o amor, a misericórdia do nosso Pai! Perante esta realidade das suas loucuras divinas pelos filhos, gostaria de ter mil bocas, mil corações mais, que me permitissem viver num contínuo louvor a Deus Pai, a Deus Filho, a Deus Espírito Santo. Reparem que o Todo-Poderoso, Aquele que governa o Universo com a sua Providência, não deseja servos forçados, prefere filhos livres. Meteu na alma de cada um de nós - embora nasçamos proni ad peccatum, inclinados ao pecado pela queda dos nossos primeiros pais - uma chispa da sua inteligência infinita, a atracção pelo bem, uma ânsia de paz perdurável. E leva-nos a compreender que a verdade, a felicidade e a liberdade se conseguem quando procuramos que germine em nós essa semente de vida eterna.

Responder negativamente a Deus, rejeitar esse princípio de felicidade nova e definitiva, ficou nas mãos da criatura. Mas, se agir assim, deixa de ser filho e torna-se escravo. Cada coisa é aquilo que segundo a sua natureza lhe convém; por isso, quando se move à procura de algo que lhe é estranho, não actua segundo a sua própria maneira de ser, mas por impulso alheio; e isto é servil. O homem é racional por natureza. Quando se comporta segundo a razão, procede, pelo seu próprio movimento, comoquem é; e isto é próprio da liberdade. Quando peca, age fora da razão, e então deixa-se conduzir pelo impulso de outro, submetido a domínio alheio; e por isso quem aceita o pecado é servo do pecado (Io 8, 34) .

Permitam-me que insista sobre este ponto; é muito claro e podemos comprová-lo com frequência à nossa volta ou no nosso próprio eu: nenhum homem escapa a algum tipo de servidão. Uns prostram-se diante do dinheiro; outros adoram o poder; outros a tranquilidade relativa do cepticismo; outros descobrem na sensualidade o seu bezerro de ouro. E acontece o mesmo com as coisas nobres. Empenhamo-nos num trabalho, numa actividade de maiores ou menores proporções, na realização de um trabalho científico, artístico, literário, espiritual. Se há empenho, se existe verdadeira paixão, quem a isso se entrega vive como escravo, dedica-se com prazer ao serviço da finalidade da sua tarefa.

Escravidão por escravidão - já que de qualquer modo temos de servir, pois, quer queiramos quer não, essa é a condição humana - não há nada melhor do que saber que somos, por Amor, escravos de Deus. Porque nesse momento perdemos a situação de escravos para nos tornarmos, amigos, filhos. E aqui surge a diferença: enfrentamos as ocupações honestas do mundo com a mesma paixão, com o mesmo empenho que os outros, mas com paz no íntimo da alma; com alegria e serenidade, mesmo nas contradições: pois não depositamos a nossa confiança naquilo que é passageiro, mas no que permanece para sempre, não somos filhos da escrava, mas da mulher livre.

Donde nos vem esta liberdade? De Cristo, Nosso Senhor. Esta é a liberdade com que Ele nos redimiu. Por isso ensina: seo Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres . Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã.

Gosto de falar da aventura da liberdade, porque é essa realmente a aventura da vossa vida e da minha. Livremente - como filhos, insisto, não como escravos - seguimos o caminho que Nosso Senhor assinalou para cada um de nós. E saboreamos esta facilidade de movimentos como um presente de Deus.

Livremente, sem qualquer coacção, porque me apetece, decido-me por Deus. E comprometo-me a servir, a converter a minha existência numa entrega aos outros, por amor ao meu Senhor Jesus. Esta liberdade incita-me a clamar que nada na terra me separará da caridade de Cristo .

Na parábola dos convidados para o banquete, o pai de família, depois de tomar conhecimento de que alguns dos que deveriam comparecer na festa se tinham desculpado com razões sem razão, ordena ao criado: vai pelos caminhos e ao longo dos cercados e força a vir - compelle intrare -aqueles que encontrares. Não é isto coacção? Não é usar de violência contra a legítima liberdade de cada consciência?

Se meditarmos o Evangelho e ponderarmos os ensinamentos de Jesus, não confundiremos essas ordens com a coacção. Vejam como Cristo insinua sempre: se queres ser perfeito…, se alguém quer vir atrás de mim… Esse compelle intrare não implica violência física nem moral; é reflexo do ímpeto do exemplo cristão, que mostra no seu proceder a força de Deus. Vede como o Pai atrai: deleita ensinando; não impondo a necessidade. Assimatrai a Si .

Quando se respira esse ambiente de liberdade, entende-se claramente que actuar mal não é uma libertação, mas uma escravidão. Quem peca contra Deus conserva o livre arbítrio relativamente à liberdade de coacção, mas perdeu-o em relação à liberdade de culpa . Talvez declare que procedeu de acordo com as suas preferências, mas não conseguirá pronunciar o nome da verdadeira liberdade, porque se fez escravo daquilo por que se decidiu e decidiu-se pelo pior, pela ausência de Deus, e aí não há liberdade.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura