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Há 7 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Compreensão → e convivência.

Ao meditar as palavras de Nosso Senhor: Por amor deles santifico-me a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade, percebemos claramente o nosso único fim: a santificação, isto é, que temos de ser santos para santificar. Simultaneamente, como tentação subtil, talvez nos assalte o pensamento de que muito poucos estamos decididos a responder a esse convite divino, além de nos vermos como instrumentos de muito fraca categoria. É verdade, somos poucos, em comparação com o resto da humanidade e pessoalmente não valemos nada; mas a afirmação do Mestre ressoa com autoridade: o cristão é luz, sal, fermento do mundo e um pouco de fermento faz levedar toda a massa. Precisamente por isso, tenho pregado sempre que nos interessam todas as almas - as cem que há num cento - sem nenhuma espécie de discriminações, com a certeza de que Jesus Cristo nos redimiu a todos e quer servir-se de alguns de nós, apesar da nossa nulidade pessoal, para darmos a conhecer esta salvação.

Um discípulo de Jesus nunca trata ninguém mal; chama erro ao erro, mas deve corrigir com afecto o que erra: se não, não pode ajudá-lo, não pode santificá-lo. Temos que conviver, temos que compreender, temos que desculpar, temos que ser fraternos; e, como aconselhava S. João da Cruz, temos que pôr amor, onde não há amor, para tirar amor,sempre, mesmo nas circunstâncias aparentemente intranscendentes que o trabalho profissional e as relações familiares e sociais nos proporcionam. Portanto, tu e eu vamos aproveitar até as oportunidades mais banais que se apresentarem à nossa volta, para santificá-las, para nos santificarmos e para santificar os que compartilham connosco os mesmos afãs quotidianos, sentindo nas nossas vidas o peso doce e sugestivo da co-redenção.

A virtude cristã é mais ambiciosa: leva-nos a mostrar-nos agradecidos, afáveis, generosos; a comportar-nos como amigos leais e honrados, tanto nos tempos bons como na adversidade; a ser cumpridores das leis e respeitadores das autoridades legítimas; a rectificar com alegria quando nos damos conta de que nos enganámos ao encarar uma questão. Sobretudo, se somos justos, cumpriremos os nossos compromissos profissionais, familiares, sociais…, sem espaventos nem alardes, trabalhando com empenho e exercitando os nossos direitos, que também são deveres.

Não acredito na justiça dos preguiçosos, porque com o seu dolce far niente - como dizem na minha querida Itália - faltam, e às vezes gravemente, ao mais fundamental dos princípios da equidade: o do trabalho. Não devemos esquecer que Deus criou o homem ut operaretur, para trabalhar; e os outros - a nossa família, a nossa nação, a Humanidade inteira, - dependem também da eficácia do nosso trabalho. Meus filhos, que pobre ideia têm da justiça os que a reduzem a uma simples distribuição de bens materiais!

Universalidade da caridade

Com o nome de próximo - diz S. Leão Magno - não havemos de considerar só os que se unem a nós pelos laços da amizade ou do parentesco, mas todos os homens, com os quais possuímos uma natureza comum… Um só Criador nos fez, um só Criador nos deu a alma. Todos podemos desfrutar do mesmo céu e do mesmo ar, dos mesmos dias e das mesmas noites e, embora uns sejam bons e outros maus, uns justos e outros injustos, Deus, no entanto, é generoso e benigno com todos.

Nós, os filhos de Deus, forjamo-nos na prática desse mandamento novo, aprendemos na Igreja a servir e a não ser servidos e encontramo-nos com forças para amar a humanidade de um modo novo, que todos reconhecerão como fruto da graça de Cristo. O nosso amor não se confunde com uma atitude sentimental, nem com a simples camaradagem, nem com o afã pouco claro de ajudar os outros para demonstrarmos a nós mesmos que somos superiores. O nosso amor exprime-se em conviver com o próximo, em venerar - insisto - a imagem de Deus que há em cada homem, procurando que também ele a contemple, para que saiba dirigir-se a Cristo.

A universalidade da caridade significa, por isso, universalidade do apostolado: tradução pela nossa parte, em obras e em verdade, do grande empenho de Deus, que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.

Se temos de amar também os inimigos - refiro-me aos que nos colocam entre os seus inimigos; eu não me sinto inimigo de ninguém nem de nada - com maior razão teremos de amar os que apenas estão afastados, os que nos são menos simpáticos, os que pela sua língua, pela sua cultura ou pela sua educação parecem o oposto de ti ou de mim.

De que amor se trata? A Sagrada Escritura fala de dilectio, para que se entenda bem que não se refere apenas ao afecto sensível. É mais uma determinação firme da vontade. Dilectio deriva de electio, de escolher. Eu acrescentaria que amar, em sentido cristão, significa querer querer, decidir-se em Cristo a procurar o bem das almas sem discriminação de qualquer género, conseguindo para elas antes de mais o que há de melhor: que conheçam a Cristo e que se apaixonem por Ele.

O Senhor urge-nos: portai-vos bem com os que vos aborrecem e orai pelos que vos perseguem e caluniam. Podemos não nos sentir humanamente atraídos pelas pessoas que nos afastariam, se nos aproximássemos delas. Mas Jesus exige que não lhes devolvamos mal por mal; que não desperdicemos as ocasiões de as servir com o coração, ainda que nos custe; e que não deixemos nunca de as ter presentes nas nossas orações.

Essa dilectio, essa caridade, enche-se de matizes mais profundos quando se refere aos irmãos na fé, especialmente aos que, porque Deus assim o estabeleceu, trabalham mais perto de nós: os pais, o marido ou a mulher, os filhos e os irmãos, os amigos e os colegas, os vizinhos. Se não existisse este carinho, amor humano nobre e limpo, ordenado a Deus e n'Ele fundamentado, não haveria caridade.

Manifestações do amor

Agrada-me citar umas palavras que o Espírito Santo nos comunica pela boca do profeta Isaías: discite benefacere, aprendei a fazer o bem. Costumo aplicar este conselho aos diferentes aspectos da nossa luta interior, pois a vida cristã nunca se dá por terminada, visto que o crescimento nas virtudes se obtém como consequência de um empenho efectivo e quotidiano pela santidade.

Como aprendemos nós a realizar qualquer trabalho na sociedade? Primeiro examinamos o fim desejado e os meios para o alcançar. Depois perseveramos no uso desses recursos repetidamente até criarmos um hábito arraigado e firme. Quando aprendemos alguma coisa, descobrimos outras que ignorávamos e constituem um estímulo para continuarmos esse trabalho, sem nunca dizermos "basta".

A caridade para com o próximo é uma manifestação do amor a Deus. Por isso, ao esforçarmo-nos por melhorar nesta virtude, não podemos fixar nenhum limite. Com o Senhor, a única medida é amar sem medida, pois, por um lado jamais chegaremos a agradecer suficientemente o que Ele tem feito por nós e, por outro, assim se revela o mesmo amor de Deus às suas criaturas: com excesso, sem cálculo, sem fronteiras.

A todos os que estamos dispostos a abrir-lhe os ouvidos da alma, Jesus Cristo ensina no Sermão da Montanha o mandato divino da caridade. E, ao terminar, como resumo, explica: amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai sem esperardes nada em troca, e será grande a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom, mesmo com os ingratos e os maus. Sede, pois, misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso.

A misericórdia não se limita a uma simples atitude de compaixão; a misericórdia identifica-se com a superabundância da caridade que, ao mesmo tempo, traz consigo a superabundância da justiça. Misericórdia significa manter o coração em carne viva, humana e divinamente repassado por um amor rijo, sacrificado e generoso. Assim glosa S. Paulo a caridade no seu canto a esta virtude: A caridade é paciente, é benéfica; a caridade não é invejosa, não actua precipitadamente; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não pensa mal dos outros, não folga com a injustiça, mas compraz-se na verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.

Uma das suas primeiras manifestações concretiza-se em iniciar a alma nos caminhos da humildade. Quando sinceramente nos consideramos nada; quando compreendemos que, se não tivéssemos o auxílio divino, a mais débil e fraca das criaturas seria melhor do que nós; quando nos vemos capazes de todos os erros e de todos os horrores; quando nos reconhecemos pecadores, embora lutemos com empenho por nos afastarmos de tantas infidelidades, como havemos de pensar mal dos outros? Como se poderá alimentar no coração o fanatismo, a intolerância, o orgulho?

A humildade leva-nos pela mão a tratar o próximo da melhor forma: compreender a todos, conviver com todos, desculpar a todos; não criar divisões nem barreiras; comportarmo-nos - sempre! - como instrumentos de unidade. Não é em vão que existe no fundo do homem uma forte aspiração à paz, à união com os seus semelhantes e ao respeito mútuo pelos direitos da pessoa, de modo que tal aspiração se transforme em fraternidade. Isto reflecte uma nota característica do que há de mais valioso na condição humana: se todos somos filhos de Deus, a fraternidade nem se reduz a uma figura de retórica, nem consiste num ideal ilusório, pois surge como meta difícil, mas real.

Perante os cínicos, os cépticos, os insensíveis, os que fizeram da sua cobardia um modo de pensar, nós, os cristãos, havemos de demonstrar que esse carinho é possível. Existem talvez muitas dificuldades para nos comportarmos deste modo, pois o homem foi criado livre e tem a possibilidade de se levantar inútil e amargamente contra Deus; mas esse caminho é possível e é real, porque tal conduta nasce necessariamente como consequência do amor de Deus e do amor a Deus. Se tu e eu quisermos, Jesus Cristo também o quer. Então compreenderemos, em toda a sua profundidade e com toda a sua fecundidade, a dor, o sacrifício, a entrega desinteressada na convivência diária com os outros.

O único caminho

Já nos convencemos de que a caridade nada tem a ver com essa caricatura que às vezes se tem pretendido traçar da virtude central da vida cristã. Mas perguntamos agora: porque se exige pregá-la constantemente? Será uma espécie de tema obrigatório, mas com poucas possibilidades de se manifestar em factos concretos?

Olhando à nossa volta, talvez descobríssemos razões para pensar que a caridade é realmente uma virtude ilusória. Mas considerando as coisas com sentido sobrenatural, descobrirás também a raiz dessa esterilidade, que se cifra numa ausência de convívio intenso e contínuo, de tu a tu, com Nosso Senhor Jesus Cristo, e no desconhecimento da acção do Espírito Santo na alma, cujo primeiro fruto é precisamente a caridade.

Recolhendo um conselho do Apóstolo - levai uns as cargas dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo - acrescenta um Padre da Igreja: amando a Cristo, suportaremos facilmente a fraqueza dos outros, mesmo a daquele a quem ainda não amamos, porque não tem boas obras .

Por aí se eleva o caminho que nos faz crescer na caridade. Enganar-nos-íamos se imaginássemos que primeiro temos de nos exercitar em actividades humanitárias, em trabalhos de assistência, excluindo o amor do Senhor. Não descuidemos Cristo por causa do próximo que está enfermo, uma vez que devemos amar o enfermo por causa de Cristo.

Olhai constantemente para Jesus, que, sem deixar de ser Deus, se humilhou tomando a forma de servo para nos poder servir, porque só nessa mesma direcção se abrem os afãs por que vale a pena lutar. O amor procura a união, a identificação com a pessoa amada; e, ao unirmo-nos com Cristo, atrair-nos-á a ânsia de secundar a sua vida de entrega, de amor sem medida, de sacrifício até à morte. Cristo coloca-nos perante o dilema definitivo: ou consumirmos a existência de uma forma egoísta e solitária ou dedicarmo-nos com todas as forças a uma tarefa de serviço.

Referências da Sagrada Escritura
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