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Há 7 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Maturidade.

Virtudes humanas

Certa mentalidade laicista e outras maneiras de pensar a que poderíamos chamar pietistas coincidem em não considerar o cristão como homem íntegro e pleno. Para os primeiros, as exigências do Evangelho sufocariam as qualidades humanas; para os outros, a natureza caída poria em perigo a pureza da fé. O resultado é o mesmo: desconhecer a profundidade da Encarnação de Cristo, ignorar que o Verbo se fez carne, homem, e habitou entre nós .

A minha experiência de homem, de cristão e de sacerdote ensina-me precisamente o contrário: não existe coração, por mais empedernido no pecado, que não esconda, como rescaldo no meio da cinza, um lume de nobreza. Sempre que bati à porta desses corações, a sós e com a palavra de Cristo, sempre corresponderam. Neste mundo, muitos não privam com Deus; são criaturas que talvez não tenham tido ocasião de ouvir a palavra divina ou que a esqueceram. Mas as suas disposições são humanamente sinceras, leais, compassivas, honradas. Atrevo a afirmar que quem reúne essas condições está a ponto de ser generoso com Deus, porque as virtudes humanas constituem o fundamento das sobrenaturais.

É certo que não é suficiente essa capacidade pessoal: ninguém se salva sem a graça de Cristo. Mas se o indivíduo conserva e cultiva um espírito de rectidão, Deus aplanar-lhe-á o caminho e poderá ser santo, porque soube viver como homem de bem.

Talvez tenhais observado outros casos, de certo modo contrapostos: tantos e tantos que se dizem cristãos - porque foram baptizados e recebem outros Sacramentos -, mas que se mostram desleais, mentirosos, insinceros, orgulhosos… E caem de repente. Parecem estrelas que brilham durante alguns momentos no céu e, de súbito, despenham-se irremediavelmente.

Se aceitarmos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, saberemos que Ele quer que sejamos muito humanos. A cabeça pode tocar o céu, mas os pés assentam na terra, com segurança. O preço de se viver cristãmente não é nem deixar de ser homem nem abdicar do esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo sem conhecerem Cristo. O preço de todo o cristão é o Sangue redentor de Nosso Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito divinos, com o empenho diário de O imitar, pois é perfectus Deus, perfectus homo.

Talvez não seja capaz de dizer qual é a principal virtude humana. Depende muito do ponto de vista de que se parta. Além disso, a questão torna-se ociosa, porque não se trata de praticar uma ou várias virtudes. É preciso lutar por adquiri-las e praticá-las todas. Cada uma de per si entrelaça-se com as outras e, assim, o esforço por sermos sinceros, por exemplo, torna-nos justos, alegres, prudentes, serenos.

Nem sequer me conseguem convencer essas formas de pensar que distinguem as virtudes pessoais das virtudes sociais. Não há virtude alguma que fomente o egoísmo; cada uma redunda necessariamente no bem da nossa alma e das almas dos que nos rodeiam. Porque todos somos homens e todos filhos de Deus, não podemos conceber a nossa vida como a trabalhosa preparação de um brilhante curriculum, de uma vistosa carreira. Todos temos de sentir-nos solidários e, na ordem da graça, estamos unidos pelos laços sobrenaturais da Comunhão dos Santos.

Precisamos, ao mesmo tempo, de considerar que a decisão e a responsabilidade residem na liberdade pessoal de cada um e, por isso, as virtudes são também radicalmente pessoais, da pessoa. No entanto, nessa batalha de amor ninguém luta sozinho - ninguém é um verso solto, costumo repetir -: de certo modo, ou nos ajudamos ou nos prejudicamos. Todos somos elos de uma mesma cadeia. Pede agora comigo a Deus Nosso Senhor, que essa cadeia, nos prenda ao seu Coração, até chegar o dia de O contemplar face a face, no Céu, para sempre.

Se o cristão luta por adquirir estas virtudes, a alma dispõe-se a receber com eficácia a graça do Espírito Santo: e as qualidades humanas boas ficam reforçadas com as moções do Paráclito na alma. A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade - doce hóspede da alma - oferece os seus dons: dom de sabedoria, de entendimento, de conselho, de fortaleza, de ciência, de piedade, de temor de Deus .

Sente-se então o gozo e a paz , a paz gozosa, o júbilo interior com a virtude humana da alegria. Quando pensamos que tudo se afunda sob os nossos olhos, nada se afunda, porque Tu és, Senhor, a minha fortaleza . Se Deus mora na nossa alma, tudo o resto, por mais importante que pareça, é acidental, transitório; em contrapartida, nós, em Deus, somos o permanente.

O Espírito Santo, com o dom da piedade, ajuda-nos a considerarmo-nos, com certeza, filhos de Deus. E se somos filhos de Deus, por que havemos de estar tristes? A tristeza é a escória do egoísmo. Se queremos viver para Nosso Senhor, não nos faltará a alegria, mesmo que descubramos os nossos erros e as nossas misérias. A alegria entra na vida de oração de tal maneira que, a certa altura, não poderemos deixar de cantar: porque amamos, e cantar é próprio de apaixonados.

Se vivermos assim, realizaremos no mundo uma obra de paz; saberemos tornar amável aos outros o serviço a Nosso Senhor, porque Deus ama quem dá com alegria O cristão é uma pessoa igual às outras na sociedade; mas do seu coração transbordará a alegria de quem se propõe cumprir, com a ajuda constante da graça, a Vontade do Pai: e não se sente vítima, nem inferiorizado, nem coagido. Caminha de cabeça erguida, porque é homem e é filho de Deus.

A nossa fé dá todo o seu relevo a estas virtudes, que pessoa alguma deveria deixar de cultivar. Ninguém pode vencer o cristão em humanidade. Por isso, quem segue Cristo é capaz - não por mérito próprio, mas pela graça de Nosso Senhor - de comunicar aos que o rodeiam o que às vezes eles pressentem, embora não consigam compreender: que a verdadeira felicidade, o verdadeiro serviço ao próximo passa pelo Coração do Nosso Redentor; perfectus Deus, perfectus, homo.

Recorramos a Maria, nossa Mãe, a criatura mais excelsa que saiu das mãos de Deus. Peçamos-lhe que nos faça homens de bem e que essas virtudes humanas, engastadas na vida da graça, se tornem a melhor ajuda para aqueles que trabalham connosco no mundo pela paz e pela felicidade de todos.

Que sejais, espiritualmente, muito crianças! Quanto mais, melhor. Di-lo a experiência deste sacerdote que teve de se levantar muitas vezes, ao longo destes trinta e seis anos (que longos e ao mesmo tempo, que curtos me parecem!) em que tem procurado cumprir uma Vontade precisa de Deus. Houve uma coisa que sempre me ajudou: ser sempre criança e meter-me continuamente no regaço de minha Mãe e no Coração de Cristo, meu Senhor.

As grandes quedas, as que causam destroços sérios na alma, e às vezes com resultados quase irremediáveis, procedem sempre da soberba de nos crermos adultos, auto-suficientes. Nesses casos, torna-se predominante na pessoa uma espécie de incapacidade de pedir ajuda a quem a pode dar: não só a Deus, mas também ao amigo ou ao sacerdote. E aquela pobre alma, isolada na sua desgraça, afunda-se na desorientação e no descaminho.

Peçamos a Deus, agora mesmo, que nunca permita que nos sintamos satisfeitos, que aumente sempre em nós a ânsia do seu auxílio, da sua Palavra, do seu Pão, do seu consolo, da sua fortaleza: rationabile, sine dolo lac concupiscite. Fomentai a fome, a aspiração de ser como crianças. Convencei-vos de que é a melhor forma de vencer a soberba. Persuadi-vos de que é o único remédio para que a nossa maneira de actuar seja boa, grande, divina. Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e vos tornardes como meninos, não entrareis no reino dos céus.

Vêm-me de novo à memória as recordações da minha juventude. Que demonstração de fé! Ainda julgo ouvir o cantar litúrgico, respirar o aroma do incenso, ver milhares de milhares de homens, cada um com um grande círio, como que simbolizando a sua miséria, mas com coração de meninos: como crianças que talvez não se atrevam a levantar os olhos para a cara do pai. Reconhece e compreende que má e amarga coisa é para ti o teres abandonado o Senhor teu Deus. Renovemos a firme decisão de nunca nos afastarmos do Senhor por causa dos interesses terrenos. Façamos crescer a sede de Deus, com propósitos concretos para a nossa vida: como crianças que reconhecem a sua indigência e procuram e chamam incessantemente o Pai.

Mas volto àquilo que antes estava a comentar. Precisamos de aprender a portar-nos como crianças, precisamos de aprender a ser filhos de Deus. E, simultaneamente, ir transmitindo aos outros essa mentalidade que, no meio das naturais fraquezas, nos tornará fortes na fé, fecundos nas obras, seguros no caminho, de tal forma que, seja qual for a espécie de erro que possamos cometer, mesmo o mais desagradável, nunca hesitaremos em reagir e em voltar ao caminho da nossa filiação divina, que nos leva aos braços abertos e expectantes do nosso Pai, Deus.

Qual de vós não se lembra dos braços de seu pai? Provavelmente não seriam tão carinhosos, tão meigos e delicados como os da mãe. Mas aqueles braços robustos, fortes, apertavam-nos com calor e com segurança. Senhor, obrigado por esses braços duros! Obrigado por essas mãos fortes! Obrigado por esse coração terno e firme! E ia agradecer-Te também os meus erros! Mas isso não, porque não os queres! No entanto, compreende-los, desculpa-los, perdoa-los.

Esta é a sabedoria que Deus espera que vivamos nas relações com Ele, verdadeira manifestação de ciência matemática: reconhecer que somos um zero à esquerda… Mas o nosso Pai Deus ama-nos a cada um de nós, tal como somos! Eu, que não passo de um pobre homem, gosto de cada um de vós tal como sois; imaginai como será o Amor de Deus, se lutarmos, se nos empenharmos em viver de acordo com a nossa consciência bem formada.

Referências da Sagrada Escritura
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