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Há 4 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Infância espiritual .

Um burrico por trono

Recordemos de novo o Evangelho e olhemos o nosso modelo, Cristo Jesus.

Tiago e João, por intermédio de sua mãe, pediram a Cristo para se sentarem um à sua direita e outro à sua esquerda. Os outros discípulos indignam-se. E o que é que responde nosso Senhor? Quem quiser ser o maior, há-de ser vosso criado; e quem de entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Porque também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a Sua vida para redenção de muitos.

Noutra ocasião, a caminho da Cafarnaúm, Jesus ia talvez - como noutras jornadas - à frente de todos. E quando já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: de que vínheis vós discutindo pelo caminho? Eles, porém, calaram-se; porque no caminho tinham discutido entre si - uma vez mais - qual deles era o maior. Então, sentando-se, chamou os doze e disse-lhes: se alguém quer ser o primeiro, faça-se o último de todos e o servo de todos. E, tomando um menino, pô-lo no meio deles e, depois de o abraçar, disse-lhes: Todo o que receber um destes meninos em meu nome, a mim recebe, e todo o que me receber a mim, não só me recebe a mim, mas também àquele que me enviou .

Não vos encanta este modo de proceder de Jesus? Ensina-lhes a doutrina e, para que a entendam, dá-lhes um exemplo vivo. Chama um menino, daqueles que estariam a correr pela casa, e estreita-o contra o seu peito. Este silêncio eloquente de Nosso Senhor! Já disse tudo: Ele ama os que se fazem como meninos. Em seguida, acrescenta que o resultado desta simplicidade, desta humildade de espírito é poder abraçá-lo a Ele e ao Pai que está nos Céus.

Quando se aproxima o momento da sua Paixão e Jesus quer mostrar de um modo gráfico a sua realeza, entra triunfalmente em Jerusalém, montado num burrico! Estava escrito que o Messias havia de ser um rei de humildade: Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei vem a ti manso, montado sobre uma jumenta e o jumentinho, filho da que leva o jugo.

Agora, na Última Ceia, Cristo preparou tudo para se despedir dos seus discípulos, enquanto estes se envolviam pela centésima vez na disputa sobre quem seria o maior desse grupo escolhido. Jesus levantou-se da mesa, depôs o seu manto e, pegando numa toalha, cingiu-se. Depois lançou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a limpar-lhos com a toalha com que estava cingido .

Pregou de novo com o exemplo, com obras. Diante dos discípulos, que discutiam por motivos de soberba e de vanglória, Jesus inclina-se e cumpre gostosamente o trabalho próprio de um servo. Depois, quando volta para a mesa, comenta: Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, pois, que sou o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, deveis também lavar-vos os pés uns aos outros. A mim comove-me esta delicadeza do nosso Cristo, porque não afirma: se eu faço isto, quanto mais deveis fazer vós! Coloca-se ao mesmo nível, não coage: fustiga amorosamente a falta de generosidade daqueles homens.

Como aos primeiros doze, o Senhor também nos pode insinuar a nós, como de facto nos insinua continuamente: exemplum dedi vobis, dei-vos exemplo de humildade. Converti-me em servo, para que vós saibais, com coração manso e humilde, servir todos os homens.

O Domingo in albis traz-me à memória uma velha e piedosa tradição da minha terra. Neste dia, em que a liturgia convida a desejar o alimento espiritual - rationabile, sine dolo lac concupiscite, desejai ardentemente o puro leite espiritual - era costume levar a Sagrada Comunhão aos doentes, mesmo que não se tratasse de casos graves, para que pudessem cumprir o preceito pascal.

Nalgumas cidades grandes, cada paróquia organizava uma procissão eucarística. Recordo que, nos meus anos de estudante universitário, era habitual cruzarem-se no Coso de Saragoça três comitivas em que só iam homens, milhares de homens, com grandes círios a arder. Eram homens vigorosos que acompanhavam o Senhor Sacramentado com uma fé maior do que aquelas grandes velas que pesavam muitos quilos.

Esta noite, tendo acordado várias vezes, repeti, como jaculatória, quasi modo geniti infantes, como meninos recém-nascidos… Pensava que esse convite da Igreja vem muito a propósito para todos os que sentimos a realidade da filiação divina, porque nos convém ser muito rijos, fortes, gente de têmpera capaz de influir em qualquer ambiente em que nos encontremos. E, no entanto, diante de Deus, é tão bom que nos consideremos filhos pequenos!

Somos filhos de Deus

Quasi modo geniti infantes, rationabile, sine dolo lac concupiscite, como meninos que acabam de chegar ao mundo, gritai pelo leite limpo e puro do espírito. É extraordinário este versículo de S. Pedro, e entendo muito bem que logo a seguir a liturgia tenha acrescentado: exsultate Deo, adiutori nostro: iubilate Deo Iacob; alegrai-vos em Deus, nosso protector: aclamai o Deus de Jacob, que é também Senhor e Pai Nosso. Mas não pretendia que vós e eu meditássemos hoje sobre o Santo Sacramento do Altar, que arranca dos nossos corações os mais altos louvores a Jesus. Preferia que nos detivéssemos nessa certeza da filiação divina e nalgumas das suas consequências para todos os que pretendem viver com nobre empenho a sua fé cristã.

Olhai: para a nossa Mãe, Santa Maria, jamais deixamos de ser pequenos, porque Ela nos abre o caminho até ao Reino dos Céus, que será dado aos que se tornam meninos. De Nossa Senhora nunca nos devemos afastar. Como a honraremos? Tendo intimidade com Ela, falando com Ela, manifestando-lhe o nosso carinho, ponderando no nosso coração os episódios da sua vida na terra, contando-lhes as nossas lutas, os nossos êxitos e os nossos fracassos.

Descobriremos assim, como se as recitássemos pela primeira vez, o sentido das orações marianas, que sempre se rezaram na Igreja. O que são a Ave-Maria e o Angelus, senão louvores calorosos à Maternidade divina? E no Santo Rosário - essa maravilhosa devoção, que nunca me cansarei de aconselhar a todos os cristãos - passam pela nossa cabeça e pelo nosso coração os mistérios da conduta admirável de Maria, que são os próprios mistérios fundamentais da fé.