Lista de pontos

Há 7 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Céu.

Gosto sempre de lembrar, quando me dirijo a vós e conversamos todos juntos com Deus Nosso Senhor, que estou a fazer a minha oração pessoal em voz alta. Pela vossa parte, deveis esforçar-vos também por alimentar a vossa oração nas vossas almas, mesmo quando, por qualquer circunstância, como a de hoje, por exemplo, sintamos a obrigação de tratar de um tema que não parece, à primeira vista, muito adequado para um diálogo de amor, que é isso o nosso colóquio com o Senhor. Digo à primeira vista, porque tudo o que nos acontece, tudo o que se passa ao nosso lado pode e deve ser tema da nossa meditação.

Tenho de falar-vos do tempo, deste tempo que vai passando. Não vou repetir a conhecida afirmação de que um ano a mais é um ano a menos… Nem sequer vos sugiro que pergunteis o que é que por aí pensam da passagem dos dias, pois provavelmente - se o fizésseis - ouviríeis alguma resposta deste estilo: juventude, divino tesouro, que passas para não voltar… Embora admita que talvez ouvísseis alguma consideração com mais sentido sobrenatural.

Também não quero deter-me a pensar na brevidade da vida, com laivos de nostalgia. Para nós, cristãos, a fugacidade do caminho terreno deve incitar-nos a aproveitar melhor o tempo, não a temer Nosso Senhor, e muito menos a olhar a morte como um final desastroso. Um ano que termina - já foi dito de mil modos, mais ou menos poéticos - com a graça e a misericórdia de Deus, é mais um passo que nos aproxima do Céu, nossa Pátria definitiva.

Ao pensar nesta realidade, compreendo perfeitamente aquela exclamação que S. Paulo escreve aos de Corinto: tempus breve est!, que breve é a nossa passagem pela terra! Para um cristão coerente, estas palavras soam, no mais íntimo do seu coração, como uma censura à falta de generosidade e como um convite constante a ser leal. Realmente é curto o nosso tempo para amar, para dar, para desagravar. Não é justo, portanto, que o malbaratemos, nem que atiremos irresponsavelmente este tesouro pela janela fora. Não podemos desperdiçar esta etapa do mundo que Deus confia a cada um de nós.

Para alcançarmos esta meta temos de nos conduzir movidos pelo Amor e nunca como aquele que suporta o peso de um castigo ou de uma maldição: Tudo o que fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por meio d'Ele, a Deus Pai. Desta forma terminaremos a nossa tarefa com perfeição, enchendo o tempo todo, porque seremos instrumentos apaixonados por Deus, que compreendem toda a responsabilidade e toda a confiança que o Senhor deposita sobre os seus ombros, apesar da debilidade pessoal. Em todas e cada uma das tuas actividades, porque contas com a fortaleza de Deus, hás-de comportar-te como quem se movimenta exclusivamente por Amor.

Mas não fechemos os olhos à realidade, conformando-nos com uma visão ingénua e superficial, que nos conduza à ideia de que nos espera um caminho fácil e que para percorrê-lo bastam alguns propósitos sinceros e desejos ardentes de servir a Deus. Não duvideis: ao longo dos anos, apresentar-se-ão - talvez mais depressa do que pensamos - situações particularmente custosas, que vão exigir de cada um muito espírito de sacrifício e um maior esquecimento de si mesmo. Fomenta então a virtude da esperança e, com audácia, faz teu o grito do Apóstolo: Eu estimo, efectivamente, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção alguma com a glória que há-de revelar-se em nós. Medita com segurança e com paz: como será o amor infinito derramado sobre esta pobre criatura?! Chegou a hora de, no meio das tuas ocupações habituais, exercitares a fé, despertares a esperança, avivares o amor. Quer dizer: de activar as três virtudes teologais que nos impelem a desterrar imediatamente, sem dissimulações, sem rebuço, sem rodeios, os equívocos da nossa vida profissional e da nossa vida interior.

Recordo agora - certamente algum de vós me terá ouvido já este mesmo comentário noutras meditações - aquele sonho de um escritor do século de ouro castelhano. Diante dele abrem-se dois caminhos. Um apresenta-se amplo e fácil de percorrer, pródigo em estalagens e tabernas e outros lugares amenos e agradáveis. Por ali avançam as pessoas a cavalo ou em carroças, entre música e risos - gargalhadas loucas-; contempla-se uma multidão embriagada num deleite aparente, efémero, porque esse caminho acaba num precipício sem fundo. É o caminho dos mundanos, dos eternos aburguesados: ostentam uma alegria que, na realidade, não têm; procuram insaciavelmente toda a espécie de comodidades e prazeres…; horroriza-os a dor, a renúncia, o sacrifício. Não querem saber nada da Cruz de Cristo, pensam que é coisa de loucos. Mas são eles os dementes: escravos da inveja, da gula, da sensualidade, acabam por passar pior e apercebem-se tarde de que desperdiçaram, por uma bagatela insípida, a sua felicidade terrena e eterna. É o Senhor a advertir-nos: Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim encontrá-la-á. Porque, de que serve ao homem ganhar todo o mundo, se perde a sua alma?

Em direcção diferente segue, nesse sonho, outro caminho: tão estreito e íngreme, que não é possível percorrê-lo a cavalo. Todos os que seguem por ele, andam pelo seu próprio pé, talvez em ziguezague, com rosto sereno, pisando abrolhos e saltando pedregulhos. Em determinados pontos do caminho deixam farrapos dos seus vestidos e mesmo da sua carne. Mas no fim espera-os um jardim, a felicidade para sempre, o Céu. É o caminho das almas santas que se humilham, que por amor a Jesus Cristo se sacrificam com gosto pelos outros; o caminho dos que não temem subir carregando amorosamente com a sua cruz, por muito que pese, porque sabem que, se o peso os fizer cair, poderão levantar--se e continuar a subida: Cristo é a força destes caminhantes.

Que importa tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos levanta de novo e nos impulsiona a prosseguir com renovado alento? Não esqueçais que santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa persistência. Se no livro dos Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes ao dia, tu e eu - pobres criaturas - não nos devemos estranhar nem desalentar perante as misérias pessoais, perante os nossos tropeços, porque continuaremos em frente, se procurarmos a fortaleza n'Aquele que nos prometeu: Vinde a mim todos os que andais cansados e oprimidos, que eu vos aliviarei. Obrigado, Senhor, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu Deus, a minha fortaleza, o meu refúgio, o meu apoio.

Se verdadeiramente desejas progredir na vida interior, sê humilde. Recorre constantemente, confiadamente, à ajuda do Senhor e de sua Mãe bendita, que é também a tua Mãe. Com serenidade, tranquilo, por muito que te doa a ferida ainda não sarada da tua última queda, abraça de novo a cruz e diz: Senhor, com o teu auxílio lutarei para não parar, responderei fielmente aos teus convites, sem temer as encostas íngremes, nem a aparente monotonia do trabalho habitual, nem os cardos e pedras do caminho. Sei que a tua misericórdia me assiste e que, no fim, acharei a felicidade eterna, a alegria e o amor pelos séculos em fim.

Depois, durante o mesmo sonho, aquele escritor descobria um terceiro itinerário: estreito, também semeado de asperezas e encostas duras como o segundo. Por ali avançavam alguns no meio de mil dificuldades com gesto solene e majestoso. Contudo, acabavam no mesmo precipício horrível a que levava o primeiro caminho. É o caminho que percorrem os hipócritas, os que não têm rectidão de intenção, os que se movem por um falso zelo, os que pervertem as obras divinas ao misturá-las com egoísmos temporais. É uma loucura lançar-se num empreendimento custoso com o fim de ser admirado; guardar os Mandamentos de Deus à custa de um árduo esforço, mas aspirar a uma recompensa terrena. Aquele que com o exercício das virtudes pretende benefícios humanos é como o que faz um mau negócio, vendendo um objecto precioso por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, em contrapartida, contenta-se com um louvor efémero… Por isso se diz que as esperanças dos hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la e, no fim, o vento da morte leva-a com um sopro .

Às vezes, quando tudo nos acontece ao contrário do que imaginávamos, vem-nos espontaneamente à boca: Senhor, olha que se afunda tudo, tudo, tudo…! Chegou a hora de rectificar: contigo, avançarei seguro, porque Tu és a própria fortaleza: quia tu es, Deus, fortitudo mea.

Roguei-te que, no meio das ocupações, procures levantar os teus olhos ao Céu perseverantemente, porque a esperança nos impele a agarrar-nos a essa mão forte que Deus nos estende sem cessar, com o fim de não perdermos o ponto de mira sobrenatural; isto também quando as paixões se levantam e nos acometem para nos aferrolharem no reduto mesquinho do nosso eu, ou quando - com pueril vaidade - nos sentimos o centro do universo. Eu vivo persuadido de que, sem olhar para o alto, sem Jesus, jamais conseguirei nada; e sei que a minha fortaleza, para me vencer e para vencer, nasce de repetir aquele brado: tudo posso n'Aquele que me conforta, que contém a segura promessa de Deus de não abandonar os seus filhos, se os seus filhos não o abandonarem.

Misturai-vos com frequência entre os personagens do Novo Testamento. Saboreai aquelas cenas comovedoras em que o Mestre actua com gestos divinos e humanos ou relata, com frases humanas e divinas, a história sublime do perdão e do seu contínuo Amor pelos seus filhos. Esses reflexos do Céu renovam-se também agora na perenidade actual do Evangelho: palpa-se, nota-se, pode-se afirmar que se toca com as mãos a protecção divina; um amparo que adquire vigor, quando prosseguimos apesar dos tropeções, quando começamos e recomeçamos, pois isto é a vida interior vivida com a esperança em Deus.

Sem este empenho em superar os obstáculos de dentro e de fora, não nos será concedido o prémio. Nenhum atleta será premiado, se não lutar verdadeiramente, e não seria autêntico o combate se faltasse o adversário com quem pelejar. Portanto, se não houver adversário, não haverá coroa; pois não pode haver vencedor, onde não há vencido.

Longe de nos desalentarem, as contrariedades hão-de ser um acicate para crescermos como cristãos; nessa luta nos santificamos e o nosso trabalho apostólico adquire maior eficácia. Ao meditar nos momentos em que Jesus Cristo - no Horto das Oliveiras e, mais tarde, no abandono e ludíbrio da Cruz - aceita e ama a Vontade do Pai, enquanto sente o peso gigantesco da Paixão, temos de nos persuadir de que para imitar Cristo, para ser bons discípulos d'Ele, é preciso que sigamos o seu conselho: se alguém quer vir atrás de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Por isso, gosto de pedir a Jesus para mim: Senhor, nenhum dia sem cruz! Assim, com a graça divina, se reforçará o nosso carácter e serviremos de apoio ao nosso Deus, superando as nossas misérias pessoais.

Compreende bem isto: se ao cravar um prego na parede, não encontrasses resistência, que poderias pendurar dele? Se não nos robustecermos, com o auxílio divino, por meio do sacrifício, não alcançaremos a condição de instrumentos do Senhor. Pelo contrário, se nos decidirmos a aproveitar com alegria as contrariedades, por amor de Deus, ao enfrentar o que é difícil e desagradável, o que é duro e incómodo, não nos custará exclamar com os Apóstolos Tiago e João: Podemos!.

Esta luta de um filho de Deus não implica tristes renúncias, obscuras resignações, privações de alegria; é a reacção do enamorado que, enquanto trabalha e enquanto descansa, enquanto se alegra e enquanto padece, põe o seu pensamento na pessoa amada e por ela enfrenta gostosamente os diferentes problemas. No nosso caso, além disso, como Deus - insisto - não perde batalhas, nós, com Ele, seremos vencedores. Tenho a experiência de que, se me ajusto fielmente ao que quer de mim, Ele me faz descansar em verdes prados e me conduz a águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me pelo amor do seu nome. Mesmo que atravesse um vale tenebroso, não temo nenhum mal, porque Tu estás comigo. A tua clava e o teu cajado são o meu consolo.

Nas batalhas da alma, a estratégia muitas vezes é questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente, com paciência, com pertinácia. Aumentai os actos de esperança. Recordo-vos que sofrereis derrotas, ou que passareis por altos e baixos - Deus permita que sejam imperceptíveis - na vossa vida interior, porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é omnipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idóneos para vencer. Basta que os empreguemos, como comentava antes, com a resolução de começar e recomeçar em cada momento, se for preciso.

Recorrei semanalmente - e sempre que o necessiteis, sem dar lugar aos escrúpulos - ao santo Sacramento da Penitência, ao sacramento do perdão divino. Revestidos da graça, caminharemos por entre os montes e subiremos a encosta do cumprimento do dever cristão, sem nos determos. Utilizando estes recursos com boa vontade e rogando ao Senhor que nos conceda uma esperança cada dia maior, possuiremos a alegria contagiosa dos que se sabem filhos de Deus: Se Deus está connosco, quem nos poderá derrotar? . Optimismo, portanto. Incitados pela força da esperança, lutaremos para apagar a mancha viscosa que espalham os semeadores do ódio e redescobriremos o mundo com uma perspectiva jubilosa, porque saiu formoso e limpo das mãos de Deus, e restituir-lho-emos assim belo, se aprendermos a arrepender-nos.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura