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Bom pastor, bom guia

Se a vocação é o mais importante, se a luz da estrela vai à nossa frente, para nos orientar no nosso caminho de amor de Deus, não é lógico ter dúvidas quando, uma vez ou outra, a perdemos de vista. Quase sempre por nossa culpa, em certos momentos da nossa vida interior, acontece-nos o que aconteceu na viagem dos Reis Magos: a estrela oculta-se. Já conhecemos o esplendor divino da nossa vocação, estamos convencidos do seu carácter definitivo, mas talvez o pó que levantamos ao caminhar - o pó das nossas misérias - forme uma nuvem densa, que não deixa passar a luz.

Que havemos de fazer então? Seguir o exemplo daqueles homens santos: perguntar. Herodes serviu-se da ciência para proceder de modo injusto; os Reis Magos utilizam-na para fazer o bem. Mas nós, cristãos, não temos necessidade de perguntar a Herodes ou aos sábios da Terra. Cristo deu à sua Igreja a segurança da doutrina, a corrente da graça dos Sacramentos; e providenciou para que haja pessoas que nos orientem, que nos conduzam, que nos recordem constantemente o caminho. Dispomos de um tesouro infinito de ciência: a Palavra de Deus, guardada pela Igreja; a graça de Cristo que se administra nos Sacramentos; o testemunho e o exemplo dos que vivem com rectidão a nosso lado e sabem fazer das suas vidas um caminho de fidelidade a Deus.

Permiti que vos dê um conselho: se alguma vez perderdes a claridade da luz, recorrei sempre ao bom pastor. E quem é o bom pastor? O que entra pela porta da fidelidade à doutrina da Igreja; o que não se comporta como um mercenário, que, ao ver vir o lobo, deixa as ovelhas e foge; e o lobo arrebata-as e faz dispersar o rebanho. Reparai que a palavra divina não é vã: a insistência de Cristo (vedes como fala, com tanto carinho, de ovelhas e de pastores, de redil e de rebanhos?) é uma demonstração prática da necessidade de um bom guia para a nossa alma.

Se não houvesse maus pastores - escreve S. Agostinho - Ele não teria feito referência especial aos bons. Quem é mercenário? É o que vê o lobo e foge. O que procura a sua própria glória, não a glória de Cristo; o que não se atreve a reprovar os pecadores com liberdade e espírito. O lobo fila uma ovelha pelo pescoço; o diabo induz um fiel, por exemplo, a cometer adultério. Se te calas e não reprovas esse comportamento, és mercenário: viste o lobo e fugiste. Talvez me contradigas: não, estou aqui; não fugi. E eu respondo-te: fugiste porque te calaste; e calaste-te porque tiveste medo.

A santidade da esposa de Cristo sempre se provou - e continua a provar-se actualmente - pela abundância de bons pastores. Mas a fé cristã, que nos ensina a ser simples, não nos leva a ser ingénuos. Há mercenários que se calam e há mercenários que pregam uma doutrina que não é de Cristo. Por isso, se porventura o Senhor permite que fiquemos às escuras, inclusivamente em coisas de pormenor, se sentimos falta de firmeza na fé, recorramos ao bom pastor, àquele que - dando a vida pelos outros - quer ser, na palavra e na conduta, uma alma movida pelo amor - àquele que talvez seja também um pecador, mas que confia sempre no perdão e na misericórdia de Cristo.

Se a vossa consciência vos reprova por alguma falta - embora não vos pareça uma falta grave - se tendes uma dúvida a esse respeito, recorrei ao sacramento da Penitência. Ide ao sacerdote que vos atende, ao que sabe exigir de vós firmeza na fé, delicadeza de alma, verdadeira fortaleza cristã. Na Igreja existe a mais completa liberdade para nos confessarmos com qualquer sacerdote que possua as necessárias licenças eclesiásticas; mas um cristão de vida limpa recorrerá - com liberdade! - àquele que reconhece como bom pastor, que o pode ajudar a erguer a vista para voltar a ver no céu a estrela do Senhor.

Referências da Sagrada Escritura
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