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Há 6 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Santidade → no meio do mundo.

O sal da mortificação

Para se santificar, o cristão corrente - que não é um religioso e não se afasta do mundo, porque o mundo é o lugar do seu encontro com Cristo - não precisa de hábito externo nem sinais distintivos. Os seus sinais são internos: a constante presença de Deus e o espírito de mortificação. Na realidade, são uma só coisa, porque a mortificação é apenas a oração dos sentidos.

A vocação cristã é vocação de sacrifício, de penitência, de expiação. Temos de reparar pelos nossos pecados (já voltámos a cara tantas vezes para não vermos Deus!) e por todos os pecados dos homens. Precisamos de seguir de perto os passos de Cristo: trazendo sempre no nosso corpo a mortificação, a abnegação de Cristo, o seu abatimento na Cruz, para que também a vida de Jesus se manifeste nos nossos corpos. O nosso caminho é de imolação e, nesta renúncia, encontraremos o gaudium cum pace, a alegria e a paz.

Não contemplamos o mundo com um olhar triste. Talvez involuntariamente, prestaram um fraco serviço à catequese os biógrafos de santos que queriam encontrar a todo o custo coisas extraordinárias nos servos de Deus, logo desde os primeiros vagidos. E contam de alguns deles que na sua infância não choravam, não mamavam às sextas-feiras por mortificação… Tu e eu nascemos a chorar, como Deus manda; e sugámos o peito da nossa mãe sem nos preocuparmos com Quaresmas nem Têmporas…

Agora, com o auxílio de Deus, aprendemos a descobrir ao longo dos dias (aparentemente sempre iguais) spatium verae penitentiae, tempo de verdadeira penitência; e nesses instantes fazemos propósitos de emendatio vitae, de melhorar a nossa vida. Este é o caminho para nos predispormos à graça e às inspirações do Espírito Santo na alma. E com essa graça - repito - vem o gaudium cum pace, a alegria, a paz e a perseverança no caminho.

A mortificação é o sal da nossa vida. E a melhor mortificação é a que combate - em pequenos pormenores, durante todo o dia - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba de vida. Mortificações que não mortifiquem os outros, que nos tornem mais delicados, mais compreensivos, mais abertos a todos. Tu não podes ser mortificado se és susceptível, se só vives os teus egoísmos, se dominas os outros, se não sabes privar-te do supérfluo e, por vezes, até do necessário e, enfim, se te entristeces quando as coisas não correm como tu tinhas previsto. Serás, pelo contrário, mortificado se souberes fazer-te tudo para todos para salvar a todos.

Permiti-me que volte de novo à naturalidade, à simplicidade da vida de Jesus, que já vos tenho feito considerar tantas vezes. Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, nem uma simples preparação dos anos que viriam depois, os da sua vida pública. Desde 1928 compreendi claramente que Deus deseja que os cristãos tomem exemplo de toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a sua vida escondida, a sua vida de trabalho corrente no meio dos homens: o Senhor quer que muitas almas encontrem o seu caminho nos anos de vida calada e sem brilho. Obedecer à vontade de Deus, portanto, é sempre sair do nosso egoísmo; mas não tem por que se traduzir no afastamento das circunstâncias ordinárias da vida dos homens, iguais a nós pelo seu estado, pela sua profissão, pela sua situação na sociedade. Sonho - e o sonho já se tornou realidade - com multidões de filhos de Deus santificando-se na sua vida de cidadãos correntes, compartilhando ideais, anseios e esforços com as outras pessoas. Preciso de lhes gritar esta verdade divina: se permaneceis no meio do mundo, não é porque Deus se tenha esquecido de vós; não é porque o Senhor vos não tenha chamado; convidou-vos a permanecer nas actividades e nas ansiedades da Terra, porque vos fez saber que a vossa vocação humana, a vossa profissão, as vossas qualidades não só não são alheias aos seus desígnios divinos, mas que Ele as santificou como oferenda gratíssima ao Pai!

Aplicação à nossa vida corrente

Percorremos algumas páginas dos Santos Evangelhos para contemplar Jesus no seu convívio com os homens e para aprendermos a levar Cristo aos nossos irmãos, os homens, sendo nós próprios Cristo. Apliquemos esta lição à nossa vida corrente, à vida de cada um de nós. Porque a vida corrente e ordinária, a vida de cada homem entre os seus concidadãos e seus iguais, não é coisa baixa e sem relevo; é precisamente nessas circunstâncias que o Senhor quer que se santifique a imensa maioria dos seus filhos.

É necessário repetir uma e mais vezes que Jesus não se dirigiu a um grupo de privilegiados, mas veio revelar-nos o amor universal de Deus. Todos os homens são amados por Deus; de todos eles espera amor, de todos, quaisquer que sejam a sua condição, a sua posição social, a sua profissão ou oficio. A vida corrente e ordinária não é coisa de pouco valor; todos os caminhos da Terra podem ser uma ocasião de encontro com Cristo, que nos chama a identificar-nos com Ele, para realizarmos - no lugar onde estamos - a sua missão divina.

Deus chama-nos através dos incidentes da vida de cada dia, no sofrimento e na alegria das pessoas com quem convivemos, nas preocupações dos nossos companheiros, nas pequenas coisas da vida familiar. Deus também nos chama através dos grandes problemas, conflitos e ideais que definem cada época histórica, atraindo o esforço e o entusiasmo de grande parte da Humanidade.

Força de Deus e fraqueza humana

Non est abbreviata manus Domini, a mão de Deus não diminuiu; Deus não é menos poderoso hoje do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro o seu amor pelos homens. A nossa fé ensina-nos que a criação inteira, o movimento da Terra e dos astros, as acções rectas das criaturas e tudo quando há de positivo no decurso da História, tudo, numa palavra, veio de Deus e a Deus se ordena.

A acção do Espírito Santo pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer os seus planos e porque o pecado do Homem turva e obscurece os dons divinos. Mas a Fé recorda-nos que o Senhor age constantemente: Ele é que nos criou e nos conserva no ser; Ele, com a sua graça, conduz a criação inteira para a liberdade da glória dos filhos de Deus.

Por isso, a Tradição cristã resumiu a atitude que devemos adoptar para com o Espírito Santo num só conceito: docilidade. Sermos sensíveis àquilo que o Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões que faz nascer nos nossos corações… O Espírito Santo realiza no Mundo as obras de Deus. Como diz o hino litúrgico, é dador das graças, luz dos corações, hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto. Sem a sua ajuda nada há no homem que seja inocente e valioso, pois é Ele que lava o que está sujo, que cura o que está doente, que aquece o que está frio, que corrige o extraviado, que conduz os homens ao porto da salvação e do gozo eterno.

Mas esta nossa fé no Espírito Santo deve ser plena e completa. Não é uma crença vaga na sua presença no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e realidades a que quis vincular a sua força de um modo especial. Quando vier o Espírito de Verdade - anunciou Jesus - Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. O Espírito Santo é o Espírito enviado por Cristo, para operar em nós a santificação que Ele nos mereceu para nós na Terra.

É por isso que não pode haver fé no Espírito Santo, se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo, nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo. Não é coerente com a fé cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo, quem não ama a Igreja, quem não tem confiança nela, quem se compraz apenas em mostrar as deficiências e limitações dos que a representam, quem a julga por fora e é incapaz de se sentir seu filho.

E sou levado a considerar até que ponto será extraordinariamente importante e abundantíssima a acção do Divino Paráclito enquanto o sacerdote renova o sacrifício do Calvário, quando celebra a Santa Missa nos nossos altares.

Talvez algum de vós me pergunte como pode dar esse conhecimento às pessoas. E eu respondo-vos: com naturalidade, com simplicidade, vivendo como viveis, no meio do mundo, entregues ao vosso trabalho profissional e aos cuidados da vossa família, participando em todos os ideais nobres, respeitando a legítima liberdade de cada um.

Desde há quase trinta anos, Deus pôs no meu coração o anseio de fazer compreender às pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente pode ser santa e cheia de Deus; o Senhor chama-nos a santificar o trabalho quotidiano, porque aí está também a perfeição do cristão. Consideramo-lo uma vez mais, contemplando a vida de Maria.

Não nos esqueçamos de que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na Terra decorreram de forma muito semelhante à vida diária de muitos milhões de mulheres, ocupadas em cuidar da sua família, em educar os seus filhos, em levar a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as mais pequenas coisas, aquilo que muitos consideram erradamente como não transcendente e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e as visitas por motivo de parentesco ou de amizade… Bendita normalidade, que pode estar cheia de tanto amor de Deus!

Na verdade, é isso o que explica a vida de Maria: o amor. Um amor levado até ao extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, contente por estar onde Deus quer que esteja e cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com que o mais pequeno dos seus gestos nunca seja banal, mas cheio de significado. Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Havemos de procurar ser como Ela nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.

Procedendo deste modo, daremos aos que nos cercam o testemunho de uma vida simples e normal, com as limitações e com os defeitos próprios da nossa condição humana, mas coerente. E assim, vendo-vos iguais a eles em tudo, os outros serão levados a perguntar-nos: como se explica a vossa alegria? Donde tirais forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, o espírito de convivência, a entrega, o serviço dos demais?

É então o momento de lhes descobrirdes o segredo divino da existência cristã, falando-lhes de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria. É o momento de procurar transmitir-lhes, através da nossa pobre palavra, a loucura do amor de Deus que a graça derramou em nossos corações.

A escola da oração

O Senhor ter-vos-á feito descobrir muitos outros aspectos da correspondência fiel da Santíssima Virgem, que por si mesmos já são um convite para que os tomemos como modelo: a sua pureza, a sua humildade, a sua fortaleza, a sua generosidade, a sua fidelidade… Eu gostaria de falar sobre um aspecto que engloba todos os outros, porque é o clima do progresso espiritual, isto é, a vida de oração.

Para aproveitar a graça que nos concede a Nossa Mãe no dia de hoje e para secundar também, em qualquer momento, as inspirações do Espírito Santo, pastor das nossas almas, devemos estar seriamente comprometidos numa actividade que nos leve a ter intimidade com Deus. Não podemos esconder-nos no anonimato, porque a vida interior, se não for um encontro pessoal com Deus, não existe. A superficialidade não é cristã. Admitir a rotina, na nossa luta ascética, equivale a assinar a certidão de óbito da alma contemplativa. Deus procura-nos um a um, e precisamos de Lhe responder um a um: eis-me aqui, pois Tu me chamaste.

Oração, sabêmo-lo todos, é falar com Deus. É possível, porém, que alguém pergunte: falar, de quê? Do que há-de ser, senão das coisas de Deus e das que enchem o nosso dia? Do nascimento de Jesus, do seu caminhar por este mundo, da sua vida oculta e da sua pregação, dos seus milagres, da sua Paixão Redentora, da sua Cruz e da sua Ressurreição… E na presença de Deus, Uno e Trino, tendo por Medianeira Santa Maria e por advogado S. José, Nosso Pai e Senhor - a quem tanto amo e venero - falaremos também do nosso trabalho de todos os dias, da família, das relações de amizade, dos grandes projectos e das pequenas coisas sem importância.

O tema da minha oração é o tema da minha vida. Eu faço assim. E à vista da minha situação concreta, surge naturalmente o propósito, determinado e firme, de mudar, de melhorar, de ser mais dócil ao amor de Deus. Um propósito sincero, concreto. E não pode faltar opedido urgente, mas confiado, de que o Espírito Santo nos não abandone, porque tu és, Senhor, a minha fortaleza.

Somos cristãos correntes. Trabalhamos em profissões muito diferentes. Toda a nossa actividade segue o caminho da normalidade. Tudo se desenvolve com um ritmo previsível. Os dias parecem iguais, inclusivamente monótonos… Pois bem: esse programa, aparentemente tão comum, tem um valor divino e é algo que interessa a Deus, porque Cristo quer encarnar nos nossos afazeres, animando, a partir de dentro, até as nossas mais humildes acções.

Este pensamento é uma realidade sobrenatural, nítida, inequívoca; não é uma consideração destinada a consolar ou a confortar aqueles que, como nós, não conseguem gravar o seu nome no livro de oiro da História. Cristo interessa-se por esse trabalho que devemos realizar - uma vez e mil vezes - no escritório, na fábrica, na oficina, na escola, no campo, no exercício da profissão manual ou intelectual. Interessa-lhe também o sacrifício oculto que fazemos para não derramar sobre os outros o fel do nosso mau humor.

Recordai na oração estes temas, aproveitai-os precisamente para dizer a Jesus que o adorais, e assim, estareis a ser contemplativos no meio do mundo, no meio do ruído da rua, em toda a parte. Essa é a primeira lição, na escola da intimidade com Jesus Cristo. Dessa escola, Maria é a melhor professora, porque a Virgem manteve sempre essa atitude de fé, de visão sobrenatural, perante tudo o que sucedia à sua volta: conservava todas estas coisas ponderando-as no seu coração.

Supliquemos hoje a Santa Maria que nos torne contemplativos, que nos ajude a compreender os contínuos apelos que o Senhor nos dirige, batendo à porta do nosso coração. Peçamos-lhe: Mãe, tu trouxeste ao mundo Jesus, que nos revela o amor do nosso Pai, Deus; ajuda-nos a reconhecê-lo, no meio das preocupações de cada dia; remove a nossa inteligência e a nossa vontade, para que saibamos escutar a voz de Deus, o impulso da graça.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura