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Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Pecado → arrependimento.

Filiação Divina

Como se explica esta oração confiante, esta certeza de que não pereceremos na batalha? É um convencimento que parte de uma realidade que nunca me cansarei de admirar: a nossa filiação divina. O Senhor, que nesta Quaresma pede a nossa conversão, não é um dominador tirânico, nem um juiz rígido e implacável; é nosso Pai. Fala-nos dos nossos pecados, dos nossos erros, da nossa falta de generosidade, mas é para nos livrar deles e nos prometer a sua amizade e o seu amor. A consciência da nossa filiação divina dá alegria à nossa conversão; diz-nos que estamos a voltar à casa do Pai.

A filiação divina é o fundamento do espírito do Opus Dei. Todos os homens são filhos de Deus, mas um filho pode reagir de muitos modos diante do seu pai. Temos de esforçar-nos por ser filhos que procuram lembrar-se de que o Senhor, querendo-nos como filhos, fez com que vivamos em sua casa no meio deste mundo; que sejamos da sua família; que o que é seu seja nosso e o nosso seu; que tenhamos com Ele a mesma familiaridade e confiança com que um menino é capaz de pedir a própria Lua!

Um filho de Deus trata o Senhor como Pai. Não servilmente, nem com uma reverência formal, de mera cortesia, mas cheio de sinceridade e de confiança. Deus não se escandaliza com os homens. Deus não Se cansa das nossas infidelidades. O nosso Pai do Céu perdoa qualquer ofensa quando o filho volta de novo até Ele, quando se arrepende e pede perdão. Nosso Senhor é tão verdadeiramente pai, que prevê os nossos desejos de sermos perdoados e se adianta com a sua graça, abrindo-nos amorosamente os braços.

Reparai que não estou a inventar nada. Recordai a parábola que o Filho de Deus nos contou para que entendêssemos o amor do Pai que está nos Céus: a parábola do filho pródigo.

Ainda estava longe - diz a Escritura - quando o pai o viu e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Estas são as palavras do livro sagrado: cobrindo-o de beijos! Pode-se falar mais humanamente? Pode-se descrever com mais viveza o amor paternal de Deus para com os homens?

Perante um Deus que corre para nós, não podemos calar-nos e dir-Lhe-emos com S. Paulo: Abba, Pater! Pai! Meu Pai! Pois, sendo Ele o criador do universo, não dá importância a títulos altissonantes, nem sente falta da justa confissão do seu poderio. Quer que Lhe chamemos Pai, que saboreemos essa palavra, enchendo a alma de alegria.

De certo modo, a vida humana é um constante voltar à casa do nosso Pai, um regresso mediante a contrição, a conversão do coração que significa o desejo de mudar, a decisão firme de melhorar a nossa vida e que, portanto, se manifesta em obras de sacrifício e de doação; regresso a casa do Pai, por meio do sacramento do perdão, em que, ao confessar os nossos pecados, nos revestimos de Cristo e nos tornamos assim seus irmãos, membros da família de Deus.

Deus espera-nos como o pai da parábola, estendendo para nós os braços, embora não o mereçamos. Não importa o que lhe devemos. Como no caso do filho pródigo, o que é preciso é que lhe abramos o coração, que tenhamos saudades do lar paterno, que nos maravilhemos e nos alegremos perante o dom que Deus nos faz de nos podermos chamar e sermos realmente, apesar de tanta falta de correspondência da nossa parte, seus filhos.

Viver a Santa Missa é manter-se em oração contínua, convencermo-nos de que, para cada um de nós, este é um encontro pessoal com Deus, em que O adoramos, O louvamos, Lhe pedimos, Lhe damos graças, reparamos os nossos pecados, nos purificamos e nos sentimos uma só coisa em Cristo com todos os cristãos.

Por vezes, talvez nos perguntemos como será possível corresponder a tanto amor de Deus e até desejaríamos, para o conseguir, que nos pusessem com toda a clareza diante dos nossos olhos um programa de vida cristã. A solução é fácil e está ao alcance de todos os fiéis: participar amorosamente na Santa Missa, aprender a conviver e a ganhar intimidade com Deus na Missa, porque neste Sacrifício se encerra tudo aquilo que o Senhor quer de nós.

Permiti que aqui vos recorde o desenrolar das cerimónias litúrgicas, que já observámos em tantas e tantas ocasiões. Seguindo-as passo a passo é muito possível que o Senhor nos faça descobrir em que pontos devemos melhorar, que defeitos precisamos de extirpar e como há-de ser o nosso convívio, íntimo e fraterno, com todos os homens.

O sacerdote dirige-se para o altar de Deus, do Deus que alegra a nossa juventude. A Santa Missa inicia-se com um cântico de alegria, porque Deus está presente. É esta alegria que, juntamente com o reconhecimento e o amor, se manifesta no beijo que se dá na mesa do altar, símbolo de Cristo e memória dos santos, um espaço pequeno e santificado, porque nesta ara se confecciona o Sacramento de eficácia infinita.

O Confiteor põe-nos diante da nossa indignidade. Não é a recordação abstracta da culpa, mas a presença, tão concreta, dos nossos pecados e das nossas faltas. Kyrie eleison, Christe eleison, Senhor, tende piedade de nós; Cristo, tende piedade de nós. Se o perdão que necessitamos se pusesse em relação com os nossos méritos, nasceria na nossa alma, neste momento, uma amarga tristeza. Mas, graças à bondade divina, o perdão é-nos dado pela misericórdia de Deus, a Quem já louvamos entoando - Glória! - porque só Vós, sois o Santo; só Vós o Senhor, só Vós o Altíssimo, Jesus Cristo, com o Espírito Santo, na glória de Deus Pai.

A paz de Cristo

Tenho ainda a propor-vos uma outra consideração: devemos lutar sem descanso por fazer o bem, precisamente por sabermos que nos é difícil, a nós, homens, decidirmo-nos a sério a exercer a justiça, e é muito o que falta para que a convivência terrena esteja inspirada pelo amor e não pelo ódio ou pela indiferença. Não esqueçamos também que, mesmo que consigamos atingir um estado razoável de distribuição dos bens e uma harmoniosa organização da sociedade, não há-de desaparecer a dor da doença, da incompreensão ou da solidão, a dor da experiência dos nossas próprias limitações.

Em face dessas penas, o cristão só tem uma resposta autêntica, uma resposta definitiva: Cristo na Cruz, Deus que sofre e que morre, Deus que nos entrega o seu Coração, aberto por uma lança, por amor a todos. Nosso Senhor abomina as injustiças e condena quem as comete. Mas, como respeita a liberdade das pessoas, permite que existam. Deus Nosso Senhor não causa a dor das criaturas, mas tolera-a como parte que é - depois do pecado original - da condição humana. E, no entanto, o seu Coração, cheio de amor pelos homens, levou-O a tomar sobre os seus ombros, juntamente com a Cruz, todas essas torturas: o nosso sofrimento, a nossa tristeza, a nossa angústia, a nossa fome e sede de justiça.

A doutrina cristã sobre a dor não é um programa de fáceis consolações. Começa logo por ser uma doutrina de aceitação do sofrimento, inseparável de toda a vida humana. Não vos posso esconder - e com alegria pois sempre preguei e procurei viver a verdade de que, onde está a Cruz está Cristo, o Amor - que a dor apareceu muitas vezes na minha vida; e mais de uma vez tive vontade de chorar. Noutras ocasiões, senti crescer em mim o desgosto pela injustiça e pelo mal. E soube o que era a mágoa de ver que nada podia fazer, que, apesar dos meus desejos e dos meus esforços, não conseguia melhorar aquelas situações iníquas.

Quando vos falo de dor, não vos falo apenas de teorias. Nem me limito a recolher uma experiência de outros, quando vos confirmo que, se sentis, diante da realidade do sofrimento, que a vossa alma vacila algumas vezes, o remédio que tendes é olhar para Cristo. A cena do Calvário proclama a todos que as aflições hão-de ser santificadas, se vivermos unidos à Cruz.

Porque as nossas tribulações, cristãmente vividas, se convertem em reparação, em desagravo, em participação no destino e na vida de Jesus, que voluntariamente experimentou, por amor aos homens, toda a espécie de dores, todo o género de tormentos. Nasceu, viveu e morreu pobre; foi atacado, insultado, difamado, caluniado e condenado injustamente; conheceu a traição e o abandono dos discípulos; experimentou a solidão e as amarguras do suplício e da morte. Ainda agora, Cristo continua a sofrer nos seus membros, na Humanidade inteira que povoa a Terra e da qual Ele é Cabeça e Primogénito e Redentor.

A dor entra nos planos de Deus. Ainda que nos entendê-la, é esta a realidade. Também Jesus, como homem, teve dificuldade em admiti-la: Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice! Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua! . Nesta tensão entre o sofrimento e a aceitação da vontade do Pai, Jesus vai serenamente para a morte, perdoando aos que O crucificaram.

Ora, esta aceitação sobrenatural da dor pressupõe, por outro lado, a maior conquista. Jesus, morrendo na Cruz, venceu a morte. Deus tira da morte a vida. A atitude de um filho de Deus não é a de quem se resigna à sua trágica desventura; é, sim, a satisfação de quem já antegoza a vitória. Em nome desse amor vitorioso de Cristo, nós, os cristãos, devemos lançar-nos por todos os caminhos da Terra, para sermos semeadores de paz e de alegria, com a nossa palavra e nossas obras. Temos de lutar - é uma luta de paz - contra o mal, contra a injustiça, contra o pecado, para proclamarmos assim que a actual condição humana não é a definitiva; o amor de Deus, manifestado no Coração de Cristo, conseguirá o glorioso triunfo espiritual dos homens.

A alegria é um bem cristão. Só desaparece com a ofensa a Deus, porque o pecado é fruto do egoísmo e o egoísmo é a causa da tristeza. Mesmo então, essa alegria permanece no fundo da alma, pois sabemos que Deus e a sua Mãe nunca se esquecem dos homens. Se nos arrependemos no santo sacramento da penitência, Deus vem ao nosso encontro e perdoa-nos. E já não há tristeza. Na verdade, é muito justo que haja regozijo, porque o teu irmão estava morto e ressuscitou; tinha-se perdido e foi encontrado.

Estas palavras são o final maravilhoso da parábola do filho pródigo, que jamais nos cansaremos de meditar: eis que o Pai vem ao teu encontro; inclinar-se-á sobre o teu ombro e dar-te-á um beijo, penhor de amor e de ternura; fará que te entreguem um vestido, um anel, o calçado. Tu receias ainda uma repreensão, e ele devolve-te a tua dignidade; temes um castigo, e dá-te um beijo; tens medo duma palavra irada, e prepara para ti um banquete.

O amor de Deus é insondável. Se procede assim com quem O ofendeu, o que não fará para honrar a sua Mãe, imaculada, Virgo fidelis, Virgem Santíssima, sempre fiel?

Se o amor de Deus se manifesta tão grande quando o acolhimento que lhe dá o coração humano - tantas vezes traidor - é tão pouco, como não será no coração de Maria, que nunca levantou o mínimo obstáculo à vontade de Deus?

Vede como a liturgia da festa faz eco da impossibilidade de compreender a misericórdia infinita do Senhor com raciocínios humanos; mais do que explicar, canta; fere a imaginação, a fim de que todos se entusiasmem no louvor, pois ficaremos sempre muito aquém do que é merecido: apareceu no céu um grande sinal. Uma mulher vestida de sol, e a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. E o rei cobiçará a tua beleza. A filha do rei entra toda formosa; tecidos de ouro são os seus vestidos.

A liturgia acabará com algumas palavras de Maria, nas quais a maior humildade se conjuga com a maior glória: eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem aventurada, porque fez em mim grandes coisas aquele que é todo poderoso.

Cor Mariae Dulcissimum, iter para tutum: Coração Dulcíssimo de Maria, dá força e segurança ao nosso caminho na Terra. Sê tu mesma o nosso caminho, porque tu conheces as vias e os atalhos certos que, através do teu amor, levam ao amor de Jesus Cristo.

*Homilia pronunciada no dia 22 de Novembro de 1970, Festa de Cristo rei

Acaba o ano litúrgico e no Santo Sacrifício do Altar renovamos ao Pai o oferecimento da Vitima, Cristo, Rei de santidade e de graça, rei de justiça, de amor e de paz, como leremos dentro de pouco tempo no Prefácio. Todos sentis nas vossas almas uma alegria imensa, ao considerar a santa Humanidade de Nosso Senhor, por saberdes que se trata dum Rei com um coração de carnecomo o nosso, que é o autor do universo e de todas as criaturas e que não se impõe pelo domínio, mas mendigando um pouco de amor, ao mesmo tempo que nos mostra, em silêncio, as suas mãos chagadas.

Como é possível, então, que tantos O ignorem? Porque se ouve ainda esse protesto cruel: nolumus hunc regnare super nos, não queremos que este reine sobre nós? Na terra há milhões de homens que se enfrentam assim com Jesus Cristo, ou melhor, com a sombra de Jesus Cristo, porque não O conhecem, nem viram a beleza do seu rosto, nem se aperceberam da maravilha da sua doutrina.

Diante deste triste espectáculo, sinto-me movido a desagravar o Senhor. Ao ouvir o clamor que não cessa e que se constrói mais com obras pouco nobres do que com palavras, sinto a necessidade de gritar bem alto: oportet illum regnare!, convém que Ele reine.

Oposição a Cristo

Muitos não suportam que Cristo reine. Opõem-se-lhe de mil maneiras, quer nos planos gerais de governo do mundo e da convivência humana, quer nos costumes, quer na arte ou na ciência. Até na própria Igreja! Eu não falo - escreve Santo Agostinho - dos malvados que blasfemam de Cristo. São raros, efectivamente, os que O blasfemam com a língua, mas são muitos os que O blasfemam com a própria conduta.

Para alguns é molesta a própria expressão Cristo Rei, talvez por uma superficial questão de palavras como se o reinado de Cristo pudesse confundir-se com fórmulas políticas, ou porque a confissão da realeza do Senhor os levaria a admitir uma lei. E não toleram a lei, mesmo a do amável preceito da caridade, visto que não querem aproximar-se do amor de Deus. São os que só ambicionam servir o seu próprio egoísmo.

O Senhor levou-me a repetir, desde há muito tempo, um grito calado: serviam!, servirei. Que Ele nos aumente essas ânsias de entrega, de fidelidade ao seu chamamento divino - com naturalidade, sem aparato, sem barulho - no meio da rua. Demos-lhe graças do fundo do coração. Dirijamos-lhe uma oração de súbditos, de filhos! - e a língua e o paladar encher-se-nos-ão de doçura com tal intensidade, que tratar do Reino de Deus nos saberá como a favo de mel, porque se trata dum Reino de liberdade, da liberdade que Ele ganhou para nós.