Lista de pontos

Há 5 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Amor de Deus → correspondência ao amor de Deus.

A consideração da morte de Cristo traduz-se num convite a situarmo-nos, com absoluta sinceridade, perante o nosso trabalho ordinário, a tomarmos a sério a Fé que professamos. A Semana Santa, portanto, não pode ser um parêntesis sagrado no contexto de um viver movido só por interesses humanos: tem de ser uma ocasião para penetrarmos na profundidade do Amor de Deus, para podermos assim, com a palavra e com as obras, mostrá-lo aos outros homens.

Mas o Senhor impõe condições. Há uma declaração sua, que S. Lucas nos conserva, da qual não se pode prescindir: Se alguém quer vir a Mim e não aborrece o pai e a mãe, a mulher e os filhos, os irmãos e as irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. São palavras duras. Decerto nem o odiar nem o aborrecer exprimem bem o pensamento original de Jesus. De qualquer maneira, as palavras do Senhor foram fortes, pois não se reduzem a um amor menor, como por vezes se interpreta temperadamente, para suavizar a frase. É tremenda essa expressão tão taxativa, não porque implique uma atitude negativa ou impiedosa, pois o Jesus que fala agora é o mesmo que manda amar os outros como a própria alma e entrega a sua vida pelos homens: aquela locução indica simplesmente que perante Deus não cabem meias-tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com um amor egoísta, nem tão-pouco com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus. Disto é que se trata!

Reparemos na última das exigências de Jesus: et animam suam, a vida, a própria alma é o que o Senhor pede.

Se somos fátuos, se nos preocupamos apenas com a nossa comodidade pessoal, se centramos a existência dos outros e até o próprio mundo em nós mesmos, não temos o direito de nos chamarmos cristãos, de nos considerarmos discípulos de Cristo. A entrega tem de se fazer com obras e com verdade, não apenas com a boca. O amor a Deus convida-nos a levarmos a cruz a pulso, a sentir também sobre nós o peso da Humanidade inteira e a cumprirmos, nas circunstâncias próprias do estado e do trabalho de cada um, os desígnios, claros e amorosos ao mesmo tempo, da vontade do Pai. Na passagem que comentamos, Jesus prossegue: Aquele que não carrega com a sua cruz para Me seguir também não pode ser meu discípulo.

Aceitemos sem medo a vontade de Deus, formulemos sem vacilações o propósito de edificar toda a nossa vida de acordo com aquilo que nos ensina e nos exige a nossa fé. Estejamos seguros de que encontraremos luta, sofrimento e dor; mas, se possuirmos de verdade a Fé, nunca nos sentiremos infelizes: também com sofrimentos, e até mesmo com calúnias, seremos felizes, com uma felicidade que nos impelirá a amar os outros para os fazer participar da nossa alegria sobrenatural.

Não quero terminar sem uma última reflexão: o cristão, ao tornar Cristo presente entre os homens, sendo ele mesmo ipse Christus, não procura apenas viver numa atitude de amor, mas também dar a conhecer o Amor de Deus através desse amor humano.

Jesus concebeu toda a sua vida como uma revelação desse amor: Filipe, - respondeu a um dos seus Apóstolos - quem me vê a Mim, vê o Pai. Seguindo esse ensinamento, o Apóstolo João convida os cristãos a que, já que conheceram o amor de Deus, o manifestem com as suas obras: Caríssimos, amemo-nos uns aos outros; porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-0. Aquele que não ama não conhece Deus, porque Deus é Amor. Nisto se manifestou o amor de Deus para connosco: em ter enviado o seu Filho unigénito ao mundo para que por Ele vivamos. Nisto consiste o seu amor: não fomos nós que amámos Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros.

Tornarmo-nos crianças no amor de Deus

Consideremos atentamente este ponto, porque nos pode ajudar a compreender coisas muito importantes. O mistério de Maria faz-nos ver que, para nos aproximarmos de Deus, é preciso tornarmo-nos pequenos. Em verdade vos digo, - exclamou o Senhor dirigindo-Se aos seus discípulos - se não voltardes a ser como meninos, não podereis entrar no reino dos Céus.

Tornarmo-nos meninos… Renunciar à soberba, à auto-suficiência; reconhecer que, sozinhos, nada podemos, porque necessitamos da graça, do poder do nosso Pai, Deus, para aprender a caminhar e para perseverar no caminho. Ser pequeno exige abandonar-se como se abandonam as crianças, crer como crêem as crianças, pedir como pedem as crianças.

Tudo isto aprendemos na intimidade com Maria. A devoção à Virgem não é moleza; é consolo e júbilo que enche a alma precisamente porque exige o exercício profundo e íntegro da Fé, que nos faz sair de nós mesmos e colocar a nossa esperança no Senhor. Iavé é o meu pastor - canta um dos salmos - e nada me faltará. Em verdes prados me faz repousar, conduz-me junto das águas saborosas, reconforta a minha alma e guia-me por caminhos rectos, em virtude do seu nome. Ainda que eu vá por um vale tenebroso, nenhum mal temerei, porque Tu estás comigo.

Porque Maria é Mãe, a sua devoção ensina-nos a ser filhos - a amar deveras, sem medida; a ser simples, sem as complicações que nascem do egoísmo de pensar só em nós; a estar alegres, sabendo que nada pode destruir a nossa esperança. O princípio do caminho que leva à loucura do amor de Deus é um confiado amor a Maria Santíssima. Assim o escrevi já há muitos anos, no prólogo a uns comentários ao Santo Rosário, e desde então muitas vezes voltei a comprovar a verdade destas palavras. Não vou fazer aqui muitas considerações para glosar esta ideia; convido-vos, sim, a fazerdes vós a experiência, a descobrirdes isso por vós mesmos, conversando amorosamente com Maria, abrindo-lhe o vosso coração, confiando-lhe as vossa alegrias e as vossas penas, pedindo-lhe que vos ajude a conhecer e a seguir Jesus.

Talvez algum de vós me pergunte como pode dar esse conhecimento às pessoas. E eu respondo-vos: com naturalidade, com simplicidade, vivendo como viveis, no meio do mundo, entregues ao vosso trabalho profissional e aos cuidados da vossa família, participando em todos os ideais nobres, respeitando a legítima liberdade de cada um.

Desde há quase trinta anos, Deus pôs no meu coração o anseio de fazer compreender às pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente pode ser santa e cheia de Deus; o Senhor chama-nos a santificar o trabalho quotidiano, porque aí está também a perfeição do cristão. Consideramo-lo uma vez mais, contemplando a vida de Maria.

Não nos esqueçamos de que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na Terra decorreram de forma muito semelhante à vida diária de muitos milhões de mulheres, ocupadas em cuidar da sua família, em educar os seus filhos, em levar a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as mais pequenas coisas, aquilo que muitos consideram erradamente como não transcendente e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e as visitas por motivo de parentesco ou de amizade… Bendita normalidade, que pode estar cheia de tanto amor de Deus!

Na verdade, é isso o que explica a vida de Maria: o amor. Um amor levado até ao extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, contente por estar onde Deus quer que esteja e cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com que o mais pequeno dos seus gestos nunca seja banal, mas cheio de significado. Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Havemos de procurar ser como Ela nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.

Procedendo deste modo, daremos aos que nos cercam o testemunho de uma vida simples e normal, com as limitações e com os defeitos próprios da nossa condição humana, mas coerente. E assim, vendo-vos iguais a eles em tudo, os outros serão levados a perguntar-nos: como se explica a vossa alegria? Donde tirais forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, o espírito de convivência, a entrega, o serviço dos demais?

É então o momento de lhes descobrirdes o segredo divino da existência cristã, falando-lhes de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria. É o momento de procurar transmitir-lhes, através da nossa pobre palavra, a loucura do amor de Deus que a graça derramou em nossos corações.

Viver no Coração de Jesus, unir-nos a Ele estreitamente é, portanto, convertermo-nos em morada de Deus. Aquele que Me ama será amado pelo meu Pai, anunciou o Senhor. E Cristo e o Pai, no Espírito Santo, vêm à alma e fazem nela a sua morada.

Quando compreendemos - ainda que seja só um poucochinho - estas verdades fundamentais, a nossa maneira de ser transforma-se. Passamos a ter fome de Deus e fazemos nossas as palavras do Salmo: Meu Deus, eu Te procuro solícito; sedenta de Ti está a minha alma; a minha carne deseja-Te, como terra árida, sem água. E Jesus, que suscitou as nossas ansiedades, vem ao nosso encontro e diz-nos: se alguém tem sede, venha a Mim e beba. E oferece-nos o seu Coração, para encontrarmos nele o nosso repouso e a nossa fortaleza. Se aceitarmos o seu chamamento, veremos como as suas palavras são verdadeiras, e aumentará a nossa fome e a nossa sede, até desejarmos que Deus estabeleça no nosso coração olugar do seu repouso e não afaste de nós o seu calor e a sua luz.

Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur?, vim trazer fogo à Terra, e que quero eu senão que se acenda? Já que nos aproximámos um bocadinho do fogo do Amor de Deus, deixemos que o seu impulso mova as nossas vidas, sintamos o entusiasmo de levar o fogo divino de um extremo ao outro do mundo, de o dar a conhecer àqueles que nos rodeiam - para que também eles conheçam a paz de Cristo e, com ela, encontrem a felicidade. Um cristão que viva unido ao Coração de Jesus não pode ter outros objectivos senão estes: a paz na sociedade, a paz na Igreja, a paz na própria alma, a paz de Deus, que se consumará quando vier a nós o seu Reino.

Maria, Regina pacis, Rainha da Paz, porque tiveste fé e acreditaste que se cumpriria o anúncio do Anjo, ajuda-nos a aumentar a Fé, a sermos firmes na Esperança, a aprofundar o Amor. Porque é isso que quer hoje de nós o teu Filho, ao mostrar-nos o seu Sacratíssimo Coração.