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Há 4 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Vocação cristã .

Santificar o trabalho, santificar-se no trabalho, santificar com o trabalho

Descrevendo o espírito da associação a que dediquei a minha vida, o Opus Dei, tenho dito que se apoia, como em seu gonzo, no trabalho ordinário, no trabalho profissional exercido no meio do mundo. A vocação divina dá-nos uma missão, convida-nos a participar na tarefa única da Igreja, para sermos assim testemunho de Cristo perante os nossos iguais, os homens, e para levarmos todas as coisas a Deus.

A vocação acende uma luz que nos faz reconhecer o sentido da nossa existência. É convencermo-nos, com o resplendor da fé, do porquê da nossa realidade terrena. Toda a nossa vida, a presente, a passada e a que há-de vir, cobra um novo relevo, uma profundidade de que antes não suspeitávamos. Todos os factos e acontecimentos passam a ocupar o seu posto: entendemos aonde nos quer levar o Senhor e sentimo-nos entusiasmados e envolvidos por esse encargo que se nos confia.

Deus tira-nos das trevas da nossa ignorância, do nosso caminho incerto entre os acontecimentos da história e chama-nos com voz forte, como um dia o fez com Pedro e André: Venite post me, et faciam vos fieri piscatores hominum. - Segui-me e eu vos farei pescadores de homens - qualquer que seja o lugar que ocupemos no mundo.

Quem vive da fé pode encontrar a dificuldade e a luta, a dor e até a amargura, mas nunca o desânimo nem a angústia, porque sabe que a sua vida serve, sabe para que veio a esta terra. Ego sum lux mundi - exclamou Cristo - qui sequitur me non ambulate in tenebris, sed habebit lumen vitae. Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não caminha às escuras, mas possuirá a luz da vida.

Para merecer essa luz de Deus é preciso amar, ter a humildade de reconhecer a necessidade de sermos salvos e dizer com Pedro: Senhor a quem iremos?, Tu tens palavras de vida eterna. E nós acreditamos e sabemos, que Tu és Cristo, Filho de Deus. Se realmente procedermos assim, se deixarmos entrar no nosso coração o chamamento de Deus, também poderemos repetir com verdade que não caminhamos nas trevas, pois, por cima das nossas misérias e dos nossos defeitos pessoais, brilha a luz de Deus, como o Sol brilha por cima da tempestade.

A fé e a vocação de cristãos afectam toda a nossa existência e não só uma parte dela. As relações com Deus são necessariamente relações de entrega e assumem um sentido de totalidade. A atitude de um homem de fé é olhar para a vida, em todas as suas dimensões, com uma perspectiva nova: a que nos é dada por Deus.

Vós, que hoje celebrais comigo esta festa de S. José, sois todos homens dedicados ao trabalho em diversas profissões humanas, formais diversos lares, pertenceis a diferentes nações, raças e línguas. Adquiristes formação em centros de ensino, em oficinas ou escritórios, tendes exercido durante anos a vossa profissão, estabelecestes relações profissionais e pessoais com os vossos companheiros, participastes na solução dos problemas colectivos das vossas empresas e da sociedade.

Pois bem: recordo-vos, mais uma vez, que nada disso é alheio aos planos divinos. A vossa vocação humana é uma parte, e parte importante, da vossa vocação divina.

Esta é a razão pela qual vos haveis de santificar, contribuindo ao mesmo tempo para a santificação dos outros, vossos iguais, precisamente santificando o vosso trabalho e o vosso ambiente: a profissão ou ofício que enche os vossos dias, que dá fisionomia peculiar à vossa personalidade humana, que é a vossa maneira de estar no mundo: o vosso lar, a vossa família; e a nação em que nascestes e que amais.

O trabalho é também apostolado, ocasião de entrega aos outros homens, para lhes revelar Cristo e levá-los até Deus Pai, consequência da caridade que o Espírito Santo derrama nas almas. Entre as indicações que S. Paulo dá aos de Éfeso sobre como deve se manifestar a mudança que representou para eles a sua conversão, a sua vocação ao Cristianismo, encontramos esta: o que furtava, não furte mais, mas trabalhe, ocupando-se com as suas mãos nalguma tarefa honesta, para ter com que ajudar a quem tenha necessidade.

Os homens têm necessidade do pão da terra que sustente as suas vidas e também do pão do Céu que ilumine e dê calor aos seus corações. Com o vosso próprio trabalho, com as iniciativas que se promovam a partir dessa ocupação, nas vossas conversas, no convívio com os outros, podeis e deveis concretizar esse preceito apostólico.

Se trabalhamos com este espírito, a nossa vida, no meio das limitações próprias da condição terrena, será uma antecipação da glória do Céu, dessa comunidade com Deus e com os santos, na qual só reinará o amor, a entrega, a fidelidade, a amizade, a alegria. Na vossa ocupação profissional, corrente e ordinária, encontrareis a matéria - real, consciente, valiosa - para realizar toda a vida cristã, para corresponder à graça que nos vem de Cristo.

Nas vossa ocupações profissionais, realizadas face a Deus, pôr-se-ão em jogo a Fé, a Esperança e a Caridade. Os incidentes, as relações e os problemas que o vosso trabalho traz consigo alimentarão a vossa oração. O esforço por cumprirdes os vossos deveres correntes será o modo de viverdes a Cruz, que é essencial para o Cristão. A experiência da vossa debilidade e os fracassos que existem sempre em todo o esforço humano dar-vos-ão mais realismo, mais humildade, mais compreensão com os outros. Os êxitos e as alegrias convidar-vos-ão a dar graças e a pensar que não viveis para vós mesmos, mas para o serviço dos outros e de Deus.

Cristo no cume das actividades humanas

Isto é realizável, não é um sonho inútil. Se nós, homens, nos decidíssemos a albergar nos nossos corações o amor de Deus! Cristo, Senhor Nosso, foi crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a paz entre Deus e os homens. Jesus Cristo lembra a todos: et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum, se vós Me puserdes no cume de todas as actividades da Terra, cumprindo o dever de cada momento, sendo meu testemunho naquilo que parece grande e naquilo que parece pequeno, omnia traham ad meipsum, tudo atrairei a Mim. 0 meu reino entre vós será uma realidade!

Cristo, Nosso Senhor, continua empenhado nesta sementeira de salvação dos homens e de toda a Criação, deste nosso mundo, que é bom, porque saiu bom das mãos de Deus. Foi a ofensa de Adão, o pecado do orgulho humano, que quebrou a harmonia divina da criação.

Mas Deus Pai, quando, chegou a plenitude dos tempos, enviou o seu Filho Unigénito, que por obra do Espírito Santo encarnou em Maria sempre Virgem, para restabelecer a paz; para que, redimindo o homem do pecado, adoptionem filiorum reciperemus fôssemos constituídos filhos de Deus, capazes de participar na intimidade divina, e assim fosse concedido a este homem novo, a esta nova estirpe dos filhos de Deus a libertação de todo o universo da desordem, restaurando todas as coisas em Cristo, que as reconciliou com Deus.

A isto fomos chamados, nós, os cristãos; esta é a nossa tarefa apostólica e a ânsia que nos deve queimar a alma: conseguir que seja realidade o reino de Cristo, que não haja mais ódiosnem mais crueldades, que dinfundamos na Terra o bálsamo forte e pacífico do amor. Peçamos hoje ao nosso Rei que nos faça colaborar humilde e fervorosamente no divino propósito de unir o que está quebrado, de salvar o que está perdido, de ordenar o que o homem desordenou, de levar ao seu fim aquilo que se desencaminha, de reconstruir a concórdia de tudo o que foi criado.

Abraçar a fé cristã é comprometer-se a continuar entre as criaturas a missão de Jesus. Temos de ser, cada um de nós, altar Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo. Só assim poderemos realizar esse empreendimento grande, imenso, interminável: santificar a partir de dentro todas as estruturas temporais, levando até elas o fermento da Redenção.

Nunca falo de política. Não penso na tarefa dos cristãos na terra como o nascer duma corrente político-religiosa - seria uma loucura - nem mesmo com o bom propósito de difundir o espírito de Cristo em todas as actividades dos homens. O que é preciso pôr em Deus é o coração de cada um, seja ele quem for. Procuremos falar a todos os cristãos, para que no lugar onde estiverem - em circunstâncias que não dependem apenas da sua posição na Igreja ou na vida civil, mas do resultado das mutáveis situações históricas - saibam dar testemunho, com o exemplo e com a palavra, da fé que professam.

O cristão vive no mundo com pleno direito, por ser homem. Se aceita que no seu coração habite Cristo, que reine Cristo, em todo o seu trabalho humano encontrará - bem forte - a eficácia Senhor. Não tem qualquer importância que essa ocupação seja, como costuma dizer-se, alta ou baixa, porqueum máximo humano pode ser, aos olhos de Deus, uma baixeza, e o que chamamos baixo ou modesto pode ser um máximo cristão de santidade e de serviço.