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Há 3 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é História.

*Homilia pronunciada no dia 15 de Abril de 1960, Sexta-feira Santa.

Esta semana, que o povo cristão tradicionalmente chama Santa, oferece-nos uma vez mais a possibilidade de considerar - de reviver - os momentos em que se consuma a vida de Jesus.

Tudo o que as diversas manifestações de piedade nos trazem à memória nestes dias se encaminha decerto para a Ressurreição, que é o fundamento da nossa fé, como escreve S. Paulo. Mas não percorramos este caminho demasiado depressa; não deixemos cair no esquecimento alguma coisa muito simples, que por vezes parece escapar-nos: não poderemos participar da Ressurreição do Senhor se não nos unirmos à sua Paixão e à sua Morte. Para acompanhar a Cristo na sua glória no final da Semana Santa, é necessário que penetremos antes no seu holocausto e que nos sintamos uma só coisa com Ele, morto no Calvário.

A entrega generosa de Cristo enfrenta-se com o pecado, essa realidade dura de aceitar, mas inegável: o mysterium iniquitatis, a inexplicável maldade da criatura que se ergue, por soberba, contra Deus.

A história é tão antiga como a Humanidade. Recordemos a queda dos nossos primeiros pais; depois, toda essa cadeia de depravações que marcam a marcha dos homens; finalmente, as nossas rebeldias pessoais. Não é fácil considerar a perversidade que o pecado representa e compreender tudo o que a Fé nos ensina. Temos de ter presente que, mesmo no plano humano, a grandeza da ofensa se mede pela condição do ofendido, pelo seu valor pessoal, pela sua dignidade social, pelas suas qualidades. E o homem ofende a Deus: a criatura renega o seu Criador.

Mas Deus é Amor. O abismo de malícia, que o que o pecado encerra, foi vencido por uma Caridade infinita. Deus não abandona os homens. Os desígnios divinos previram que, para reparar as nossas faltas, para restabelecer a unidade perdida, não bastavam os sacrifícios da Antiga Lei: tornou-se necessária a entrega de um homem que fosse Deus. Podemos imaginar - para nos aproximarmos de algum modo deste mistério insondável - que a Trindade Santíssima se reúne em conselho na sua contínua relação íntima de amor imenso e, como resultado de uma decisão eterna, o Filho Unigénito de Deus-Pai assume a nossa condição humana, carrega sobre Si as nossas misérias e as nossas dores, para acabar pregado com cravos num madeiro.

Esse fogo, esse desejo de cumprir odecreto salvador de Deus-Pai, enche toda a vida de Cristo, desde o seu nascimento em Belém. Ao longo dos três anos que com Ele conviveram, os discípulos ouvem-No repetir incansavelmente que o seu alimento é fazer a vontade d'Aquele que O enviou, até que, no meio da tarde da primeira Sexta-Feira Santa, se concluiu a sua imolação: inclinando a cabeça entregou o espírito.Com estas palavras descreve-nos o Apóstolo S. João a morte de Cristo: Jesus, sob o peso da Cruz com todas as culpas dos homens, morre por causa da força e da vileza dos nossos pecados.

Meditemos no Senhor, chagado dos pés à cabeça por amor de nós. Com frase que se aproxima da realidade, embora não consiga exprimi-la completamente, podemos repetir com um escritor de há séculos: O corpo de Jesus é um retábulo de dores. A vista de Cristo feito um farrapo, transformado num corpo inerte descido da Cruz e confiado a sua Mãe, à vista desse Jesus destroçado, poder-se-ia concluir que esta cena é a exteriorização mais clara de uma derrota. Onde estão as massas que O seguiram e o Reino cuja vinda anunciava? Contudo, não temos diante dos olhos uma derrota, mas sim uma vitória: está agora mais perto do que nunca o momento da Ressurreição, da manifestação da glória que Cristo conquistou com a sua obediência.

*Homilia pronunciada no dia 28 de Maio de 1964, Festa do Corpo de Deus

Hoje, festa do Corpo de Deus, meditamos juntos a profundidade do Amor do Senhor, que o levou a ficar oculto sob das espécies sacramentais, e é como se ouvíssemos, fisicamente, aqueles seus ensinamentos à multidão: Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, e vieram as aves do céu e comeram-na. Outra parte caiu em lugar pedregoso, onde havia pouca terra; e logo nasceu porque estava à superfície; mas, saindo o sol, queimou-se e, porque não tinha raiz, secou. Outra parte caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. Outra parte caiu em boa terra e frutificou; uns grãos renderam cem por um, outros sessenta, outros trinta.

A cena é actual. O semeador divino lança agora, também, a sua semente. A obra da salvação continua a cumprir-se e o Senhor quer servir-se de nós: deseja que nós, os cristãos, abramos ao seu amor todos os caminhos da Terra; convida-nos a propagar a mensagem divina, com a doutrina e com o exemplo, até aos últimos recantos do mundo. Pede-nos que, sendo cidadãos da sociedade eclesial e da civil, ao desempenhar com fidelidade os nossos deveres, sejamos cada um outro Cristo, santificando o trabalho profissional e as obrigações do próprio estado.

Se olharmos à nossa volta, para este mundo que amamos porque foi feito por Deus, dar-nos-emos conta de que se verifica a parábola: a palavra de Jesus Cristo é fecunda, suscita em muitas almas desejos de entrega e de fidelidade. A vida e o comportamento dos que servem a Deus mudaram a história, e inclusivamente muitos dos que não conhecem o Senhor regem-se - talvez sem sequer o advertirem - por ideais nascidos do Cristianismo.

Vemos também que parte da semente cai em terra estéril, ou entre espinhos e abrolhos: há corações que se fecham à luz da fé. Os ideais de paz, de reconciliação, de fraternidade, são aceites e proclamados, mas - não poucas vezes - são desmentidos com os factos. Alguns homens empenham-se inutilmente em afogar a voz de Deus, impedindo a sua difusão com a força bruta ou então com uma arma, menos ruidosa, mas talvez mais cruel, porque insensibiliza o espírito: a indiferença.

Que há muita gente empenhada em comportar-se com injustiça? Sim, mas o Senhor insiste: pede-me, e eu te darei as nações em herança, e os teus domínios irão até aos confins da Terra. Tu os governarás com vara de ferro, e quebrá-los-ás qual vaso de oleiro. São promessas fortes e são de Deus. Por isso, não podemos dissimulá-las. Não é em vão que Cristo é o Redentor do mundo, e reina, soberano, à direita do Pai. É o terrível anúncio daquilo que espera a cada um de nós, quando a vida passar - porque passa - e a todos, quando a história acabar, se o coração se endurece no mal e na desesperança.

Contudo, Deus, que sempre pode vencer, prefere convencer: E agora, ó reis, atendei: instruí-vos, vós que governais a Terra.. Servi ao Senhor com temor, e louvai-o com alegria; com tremor, prestai-lhe vassalagem, para que não Se ire, e não pereçais fora do caminho, quando daqui a pouco se incendiar a sua indignação. Cristo é o Senhor, o Rei. E nós vos anunciamos que aquela promessa, que foi feita a nossos pais, Deus a cumpriu para nossos filhos, ressuscitando Jesus, como também está escrito no salmo segundo: Tu és meu Filho, eu te gerei hoje

Seja-vos, pois, notório, homens, irmãos, que por Ele vos é anunciada a remissão dos pecados e de tudo aquilo de que não pudestes ser justificados pela lei de Moisés. Por Ele é justificado todo aquele que crê. Tomai pois cuidado que não venha sobre vós o que foi fito pelos profetas: Vede, ó despertadores, e admirai-vos e desaparecei, que eu faço uma obra em vossos dias, uma obra que vós não crereis, se alguém vo-la contar.

É a obra da salvação, o reinado de Cristo nas almas, a manifestação da misericórdia de Deus. Bem-aventurados todos os que confiam n'Ele! Nós, cristãos, temos direito a enaltecer a realeza de Cristo, porque, ainda que a injustiça abunde, ainda que muitos não desejem este reinado de amor, na própria história humana que é o cenário do mal, vai-se tecendo a obra da salvação eterna.