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Há 4 pontos em «Cristo que Passa» cujo tema é Coisas pequenas .

E, com os Reis Magos, oferecemos também mirra, isto é, o sacrifício, que não deve faltar na vida cristã. A mirra traz à nossa lembrança a Paixão do Senhor: na cruz, dão-lhe a beber mirra misturada com vinho, e com mirra ungiram o seu corpo para a sepultura. Mas não penseis que meditar na necessidade de sacrifício e da mortificação significa dar uma nota de tristeza a esta festa que comemoramos alegremente no dia de hoje.

Mortificação não é pessimismo nem espírito azedo. A mortificação nada vale sem a caridade: por isso, havemos de procurar mortificações que, além de nos manterem livres em relação às coisas da terra, não mortifiquem os que vivem à nossa volta. O cristão não pode ser um verdugo nem um miserável; há-de ser um homem que sabe ama com obras, que prova o seu amor na pedra de toque da dor.

Mas - insisto - essa mortificação não consistirá habitualmente em grandes renúncias, cuja oportunidade não se nos depara com frequência. Há-de estar feita de pequenas vitórias: ter um sorriso para quem nos incomoda, negar ao corpo o capricho dos bens supérfluos, habituarmo-nos a ouvir os outros, fazer render o tempo que Deus põe à nossa disposição… e tantos outros pormenores, aparentemente insignificantes - contrariedades, dificuldades, dissabores - que surgem ao longo do dia sem os procurarmos.

As obras do Amor são sempre grandes, ainda que se trate, aparentemente, de coisas pequenas. Deus aproximou-se dos homens, pobres criaturas, e disse-nos que nos ama: Deliciae mea esse cum filiis hominum, a minha delícia é estar entre os filhos dos homens. O Senhor mostra-nos que tudo tem importância: as acções que, com olhos humanos, consideramos grandes; aquelas outras que, pelo contrário, qualificamos de pouca categoria… Nada se perde. Nenhum homem é desprezado por Deus. Todos, seguindo cada um a sua vocação - no seu lar, na sua profissão ou no seu ofício, no cumprimento das obrigações que correspondem ao seu estado, nos seus deveres de cidadão, no exercício dos seus direitos - todos estão chamados a participar no Reino dos Céus.

É isto o que nos ensina a vida de José, simples, normal e vulgar, feita de anos de trabalho sempre igual, de dias humanamente monótonos, que se sucedem uns aos outros. Muitas vezes o tenho pensado ao meditar sobre a figura de S. José, e esta é uma das razões que faz com que sinta por ele uma devoção especial.

Quando no seu discurso de encerramento da primeira sessão do Concílio Vaticano II, no passado dia 8 de Dezembro, o Santo Padre João XXIII anunciou que no cânon da Missa se mencionaria o nome de S. José, uma altíssima personalidade eclesiástica telefonou-me imediatamente para me dizer: Rallegramenti! Felicidades! Ao ouvir a notícia pensei logo em si, na alegria que lhe tinha dado. E assim era, porque na assembleia conciliar, que representa a Igreja inteira reunida no Espírito Santo, se proclamava o valor divino da vida de S. José, o valor de uma vida simples de trabalho face a Deus e em total cumprimento da vontade divina.

Mas ronda à nossa volta um potente inimigo, que se opõe ao nosso desejo de encarnar dum modo acabado a doutrina de Cristo: o orgulho que cresce quando não procuramos descobrir, depois dos fracassos e das derrotas, a mão benfeitora e misericordiosa do Senhor. Então a alma enche-se de penumbra - de triste obscuridade - crendo-se perdida. E a imaginação inventa obstáculos que não são reais, que desapareceriam se os encarássemos com um pouco de humildade. Com o orgulho e a imaginação, a alma mete-se por vezes em tortuosos calvários; mas nesses calvários não está Cristo, porque onde está o Senhor goza-se de paz e de alegria, mesmo que a alma esteja em carne viva e rodeada de trevas.

Outro inimigo hipócrita da nossa santificarão: pensar que esta batalha interior tem de dirigir-se contra obstáculos extraordinários, contra dragões que respiram fogo. É outra manifestação de orgulho. Queremos lutar, mas estrondosamente, com clamores de trombetas e tremular de estandartes.

Temos de nos convencer de que o maior inimigo da pedra não é o picão ou o machado, nem o golpe de qualquer outro instrumento, por mais contundente que seja: é essa água miúda, que se mete, gota a gota, entre as gretas da fraga, até arruinar a sua estrutura. O perigo mais forte para o cristão é desprezar a luta nessas escaramuças, que penetram pouco a pouco na alma, até a tornarem branda, quebradiça, indiferente e insensível às vozes de Deus.

Oiçamos o Senhor, que nos diz: quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. Isto é o mesmo que recordar-nos: luta a cada instante nesses pormenores aparentemente pequenos, mas grandes aos meus olhos; vive com pontualidade o cumprimento do dever; sorri a quem precise, mesmo que tu tenhas a alma dorida; dedica, sem regateares, o tempo necessário à oração; acode a ajudar quem te procura; pratica a justiça, ampliando-a com a graça da caridade.

São estas e outras semelhantes as moções que cada dia sentiremos dentro de nós, como um aviso silencioso que nos leva a treinar-nos neste desporto sobrenatural de nos vencermos a nós mesmos. Que a luz de Deus nos ilumine, para compreendermos as suas advertências; que nos ajude a lutar, que esteja ao nosso lado na vitória; que não nos abandone na hora da queda, porque assim nos encontraremos sempre em condições de nos levantarmos e de continuarmos a combater.

Não podemos parar. O Senhor pede-nos uma luta cada vez mais rápida, cada vez mais profunda, cada vez mais ampla. Somos obrigados a superar-nos, porque nesta competição a única meta é a chegada à glória do Céu. E se não chegássemos ao Céu, nada teria valido a pena.

Talvez algum de vós me pergunte como pode dar esse conhecimento às pessoas. E eu respondo-vos: com naturalidade, com simplicidade, vivendo como viveis, no meio do mundo, entregues ao vosso trabalho profissional e aos cuidados da vossa família, participando em todos os ideais nobres, respeitando a legítima liberdade de cada um.

Desde há quase trinta anos, Deus pôs no meu coração o anseio de fazer compreender às pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente pode ser santa e cheia de Deus; o Senhor chama-nos a santificar o trabalho quotidiano, porque aí está também a perfeição do cristão. Consideramo-lo uma vez mais, contemplando a vida de Maria.

Não nos esqueçamos de que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na Terra decorreram de forma muito semelhante à vida diária de muitos milhões de mulheres, ocupadas em cuidar da sua família, em educar os seus filhos, em levar a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as mais pequenas coisas, aquilo que muitos consideram erradamente como não transcendente e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e as visitas por motivo de parentesco ou de amizade… Bendita normalidade, que pode estar cheia de tanto amor de Deus!

Na verdade, é isso o que explica a vida de Maria: o amor. Um amor levado até ao extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, contente por estar onde Deus quer que esteja e cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com que o mais pequeno dos seus gestos nunca seja banal, mas cheio de significado. Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Havemos de procurar ser como Ela nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.

Procedendo deste modo, daremos aos que nos cercam o testemunho de uma vida simples e normal, com as limitações e com os defeitos próprios da nossa condição humana, mas coerente. E assim, vendo-vos iguais a eles em tudo, os outros serão levados a perguntar-nos: como se explica a vossa alegria? Donde tirais forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, o espírito de convivência, a entrega, o serviço dos demais?

É então o momento de lhes descobrirdes o segredo divino da existência cristã, falando-lhes de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria. É o momento de procurar transmitir-lhes, através da nossa pobre palavra, a loucura do amor de Deus que a graça derramou em nossos corações.

Referências da Sagrada Escritura
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