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Há 2 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Unidade de vida → santidade, trabalho e apostolado.

Sabemos que pertencem ao Opus Dei homens e mulheres de todas as condições sociais, solteiros ou casados. Qual é, pois, o elemento comum que caracteriza a vocação para a Obra? Que compromissos assume cada sócio para realizar os fins do Opus Dei?

Vou dizer-lho em poucas palavras: procurar a santidade no meio do mundo, no meio da rua. Quem recebe de Deus a vocação específica para o Opus Dei sabe e vive que deve alcançar a santidade no seu próprio estado, no exercício do seu trabalho, manual ou intelectual. Disse sabe e vive, porque não se trata de aceitar um simples postulado teórico, mas de o realizar dia a dia, na vida ordinária.

Querer alcançar a santidade - apesar dos erros e das misérias pessoais, que durarão enquanto vivermos - significa esforçar-se, com a graça de Deus, por viver a caridade, plenitude da lei e vínculo da perfeição. A caridade não é algo de abstracto; quer dizer entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens: desse Deus que nos fala no silêncio da oração e no rumor do mundo; desses homens, cuja existência se cruza com a nossa.

Vivendo a caridade - o Amor -, vivem-se todas as virtudes humanas e sobrenaturais do cristão, que formam uma unidade e que não se podem reduzir a enumerações exaustivas. A caridade exige que se viva a justiça, a solidariedade, a responsabilidade familiar e social, a pobreza, a alegria, a castidade, a amizade…

Vê-se imediatamente que a prática destas virtudes conduz ao apostolado. Mais, é já apostolado. Porque, ao procurar viver assim, no meio do trabalho diário, a conduta cristã torna-se bom exemplo, testemunho, ajuda concreta e eficaz: aprende-se a seguir as pisadas de Cristo, que coepit facere et docere (Act. 1, 1), que começou a fazer e a ensinar, unindo ao exemplo a palavra. Por isso, chamei a este trabalho, há já quarenta anos, apostolado de amizade e confidência.

Todos os sócios do Opus Dei têm este mesmo afã de santidade e de apostolado. Por isso, na Obra não há graus ou categorias de membros. O que há é uma multiplicidade de situações pessoais - a situação que cada um tem no mundo - a que se adapta a mesma e única vocação específica e divina: a chamada a entregar-se, a empenhar-se pessoalmente, livremente e responsavelmente, no cumprimento da vontade de Deus manifestada para cada um de nós.

Como pode ver, o fenómeno pastoral do Opus Dei é algo que nasce de baixo, quer dizer, da vida corrente do cristão que vive e trabalha junto dos outros homens. Não está na linha de uma mundanização - dessacralização - da vida monástica ou religiosa: não é o último estádio de aproximação dos religiosos ao mundo.

Aquele que recebe a vocação para o Opus Dei adquire uma nova visão das coisas que tem à sua volta: luzes novas nas suas relações sociais, na sua profissão, nas suas preocupações, nas suas tristezas e nas suas alegrias; mas nem por um momento deixa de viver no meio de tudo isso. E não se pode de modo algum falar de adaptação ao mundo, ou à sociedade moderna: ninguém se adapta àquilo que tem como próprio; naquilo que se tem como próprio está-se. A vocação recebida é igual à que surgia na alma daqueles pescadores, camponeses, comerciantes ou soldados que, sentados ao pé de Jesus Cristo na Galileia, O ouviam dizer: sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito (Mt. 5, 48).

Repito que esta perfeição - que os sócios do Opus Dei procuram - é a perfeição própria do cristão, sem mais: quer dizer, aquela a que são chamados todos os cristãos e que implica viver integralmente as exigências da fé. Não nos interessa a perfeição evangélica, que se considera própria dos religiosos e de algumas instituições assimiladas aos religiosos; e ainda menos nos interessa a chamada vida de perfeição evangélica, que se refere canonicamente ao estado religioso.

O caminho da vocação religiosa parece-me bendito e necessário na Igreja, e quem não o estimasse não teria o espírito da Obra. Mas esse caminho não é o meu nem o dos sócios do Opus Dei. Pode-se dizer que, ao virem ao Opus Dei, todos e cada um dos seus sócios o fizeram com a condição explícita de não mudar de estado. A nossa característica específica é santificar o próprio estado no mundo, e procurar que cada um dos sócios se santifique no lugar do seu encontro com Cristo: este é o compromisso que cada sócio assume para realizar os fins do Opus Dei.

Tem falado com frequência do trabalho. Poderia dizer que lugar ocupa o trabalho profissional na espiritualidade do Opus Dei?

A vocação para o Opus Dei não altera nem modifica de modo algum a condição, o estado de vida, de quem a recebe. E como a condição humana é o trabalho, a vocação sobrenatural para a santidade e para o apostolado, segundo o espírito do Opus Dei, confirma a vocação humana para o trabalho. A imensa maioria dos sócios da Obra são leigos, cristãos correntes: a sua condição é a de quem tem uma profissão, um ofício, uma ocupação, com frequência absorvente, com a qual ganha a vida, mantém a família, contribui para o bem comum, desenvolve a sua personalidade.

A vocação para o Opus Dei vem confirmar tudo isso, até ao ponto de que um dos sinais essenciais dessa vocação é precisamente viver no mundo e realizar aí um trabalho - contando, volto a dizer, com as próprias imperfeições pessoais - da maneira mais perfeita possível, tanto do ponto de vista humano, como do ponto de vista sobrenatural. Quer dizer, um trabalho que contribua eficazmente para a edificação da cidade terrena - e que seja, por isso, feito com competência e com espírito de servir - e para a consagração do mundo, e que, portanto, seja santificador e santificado.

Os que querem viver com perfeição a sua fé e praticar o apostolado segundo o espírito do Opus Dei, devem santificar-se com a profissão, santificar a profissão e santificar os outros com a profissão. Vivendo assim, sem se distinguirem dos outros cidadãos iguais a eles, que com eles trabalham, esforçam-se por se identificar com Cristo, imitando os seus trinta anos de trabalho na oficina de Nazaré.

Porque essa tarefa habitual é, não só o âmbito em que se devem santificar, como também a própria matéria da sua santidade: no meio das incidências do dia a dia descobrem a mão de Deus, e encontram estímulo para a sua vida de oração. A própria actividade profissional põe-nos em contacto com outras pessoas - parentes, amigos, colegas - e com os grandes problemas que afectam a sua sociedade ou o mundo inteiro e oferece-lhes assim a ocasião de viverem a entrega ao serviço dos outros, que é essencial aos cristãos. Assim, devem esforçar-se por dar um verdadeiro e autêntico testemunho de Cristo, para que todos aprendam a conhecer e a amar o Senhor, a descobrir que a vida normal no mundo, o trabalho de todos os dias, pode ser um encontro com Deus.

Por outras palavras: a santidade e o apostolado constituem uma só coisa com a vida dos sócios da Obra, e por isso o trabalho é o alicerce da sua vida espiritual. A sua entrega a Deus enxerta-se no trabalho que faziam antes de virem para a Obra e que continuam a fazer depois.

Quando, nos primeiros anos da minha actividade pastoral, comecei a pregar estas coisas, algumas pessoas não me compreenderam, outras escandalizaram-se: estavam habituadas a ouvir falar do mundo sempre em sentido pejorativo. O Senhor tinha-me feito compreender, e eu procurava fazê-lo compreender aos outros, que o mundo é bom, porque as obras de Deus são sempre perfeitas, e que somos nós os homens que, pelo pecado, fazemos o mundo mau.

Dizia então, e continuo a dizer agora, que temos de amar o mundo, porque no mundo encontramos a Deus, porque nos factos e acontecimentos do mundo Deus Se nos manifesta e revela.

O mal e o bem misturam-se na história humana e por isso o cristão deve saber discernir; mas nunca esse discernimento o deve levar a negar a bondade das obras de Deus, antes, pelo contrário, a reconhecer o divino que se manifesta no humano, inclusivamente por trás das nossas fraquezas. Um bom lema para a vida cristã pode encontrar-se naquelas palavras do Apóstolo: todas as coisas são vossas, e vós de Cristo, e Cristo de Deus (1 Cor. 3, 22-23), para realizar assim os desígnios desse Deus que quer salvar o mundo.