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Há 3 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Opus Dei  → espírito e natureza.

Quererá V. Rev.ª explicar qual a missão central e quais os objectivos do Opus Dei? Em que precedentes baseou as suas ideias sobre a Associação? Ou será o Opus Dei algo de único, de totalmente novo dentro da Igreja e da Cristandade? Será lícito compará-lo com as Ordens Religiosas e com os Institutos Seculares, ou com associações católicas do tipo, por exemplo, da Holy Name Society, dos Caballeros de Colón ou do Christopher Movement?

O Opus Dei propõe-se promover, entre pessoas de todas as classes da sociedade, o desejo da plenitude de vida cristã no meio do mundo. Isto é, o Opus Dei pretende ajudar as pessoas que vivem no mundo - o homem vulgar, o homem da rua - a levar uma vida plenamente cristã, sem modificar o seu modo normal de vida, o seu trabalho habitual, nem os seus ideais e preocupações.

Por isto se pode dizer, como escrevi há muitos anos, que o Opus Dei é velho como o Evangelho e, como o Evangelho, novo. Trata-se de recordar aos cristãos as palavras maravilhosas que se lêem no Génesis: que Deus criou o homem para trabalhar. Pusemos os olhos no exemplo de Cristo, que passou quase toda a sua vida terrena trabalhando como artesão numa terra pequena. O trabalho não é apenas um dos mais altos valores humanos e um meio pelo qual os homens hão-de contribuir para o progresso da sociedade; é também um caminho de santificação.

A que outras organizações poderíamos comparar o Opus Dei? A resposta não é fácil, porque, quando se querem comparar entre si organizações com fins espirituais, corre-se o risco de ficar pelos traços exteriores ou pelas denominações jurídicas, esquecendo o que mais importa - o espírito que dá vida e razão de ser a toda a actividade.

Limitar-me-ei a dizer-lhe que, no que diz respeito às que mencionou, a Obra está muito longe das Ordens Religiosas e dos Institutos Seculares, e mais perto de instituições como a Holy Name Society.

O Opus Dei é uma organização internacional de leigos, a que pertencem também sacerdotes diocesanos (minoria bem exígua em comparação com o total de membros). Os seus membros são pessoas que vivem no mundo e nele exercem uma profissão ou ofício. Não entram no Opus Dei para abandonar esse trabalho, mas, pelo contrário, para encontrar uma ajuda espiritual que os leve a santificar o seu trabalho quotidiano, convertendo-o também em meio de santificação, sua e dos outros. Não mudam de estado: continuam a ser solteiros, casados, viúvos, ou sacerdotes; procuram, sim, servir Deus e os outros homens, dentro do seu próprio estado. Ao Opus Dei, não interessam votos nem promessas; o que pede aos seus sócios é que, no meio das deficiências e erros, próprios de toda a vida humana, se esforcem por praticar as virtudes humanas e cristãs, sabendo-se filhos de Deus.

Se alguma comparação se quer fazer, a maneira mais fácil de entender o Opus Dei é pensar na vida dos primeiros cristãos. Eles viviam profundamente a sua vocação cristã; procuravam muito a sério a perfeição a que eram chamados, pelo facto, ao mesmo tempo simples e sublime, do Baptismo. Não se distinguem exteriormente dos outros cidadãos. Os membros do Opus Dei são como toda a gente: realizam um trabalho corrente; vivem no meio do mundo conforme aquilo que são - cidadãos cristãos que querem responder inteiramente às exigências da sua fé.

Permita-me, Monsenhor, que insista na questão dos Institutos Seculares. Num estudo dum conhecido canonista, o Dr. Julián Herranz, li eu que alguns desses Institutos são secretos e que muitos outros, na prática, se identificam com as Ordens Religiosas (usando hábito, abandonando o trabalho profissional para se dedicarem aos mesmos fins a que se dedicam os religiosos, etc.), a ponto de os seus membros não terem inconveniente em considerar-se eles próprios como religiosos. Que pensa V. Rev.º deste assunto?

O estudo acerca dos Institutos Seculares, a que se refere, teve, efectivamente, ampla difusão entre os especialistas. O Dr. Herranz exprime, sob responsabilidade inteiramente pessoal, uma tese bem documentada. Sobre as conclusões desse trabalho, prefiro não falar.

Quero apenas dizer-lhe que todo esse modo de proceder nada tem que ver com o Opus Dei, que não é secreto, nem é de modo algum comparável, pela sua actuação ou pela vida dos seus membros, às Ordens Religiosas. Os sócios do Opus Dei, como acabo de dizer, são cidadãos iguais aos outros, que exercem livremente todas as profissões e todas as tarefas humanas que sejam honestas1.

Tem falado com frequência do trabalho. Poderia dizer que lugar ocupa o trabalho profissional na espiritualidade do Opus Dei?

A vocação para o Opus Dei não altera nem modifica de modo algum a condição, o estado de vida, de quem a recebe. E como a condição humana é o trabalho, a vocação sobrenatural para a santidade e para o apostolado, segundo o espírito do Opus Dei, confirma a vocação humana para o trabalho. A imensa maioria dos sócios da Obra são leigos, cristãos correntes: a sua condição é a de quem tem uma profissão, um ofício, uma ocupação, com frequência absorvente, com a qual ganha a vida, mantém a família, contribui para o bem comum, desenvolve a sua personalidade.

A vocação para o Opus Dei vem confirmar tudo isso, até ao ponto de que um dos sinais essenciais dessa vocação é precisamente viver no mundo e realizar aí um trabalho - contando, volto a dizer, com as próprias imperfeições pessoais - da maneira mais perfeita possível, tanto do ponto de vista humano, como do ponto de vista sobrenatural. Quer dizer, um trabalho que contribua eficazmente para a edificação da cidade terrena - e que seja, por isso, feito com competência e com espírito de servir - e para a consagração do mundo, e que, portanto, seja santificador e santificado.

Os que querem viver com perfeição a sua fé e praticar o apostolado segundo o espírito do Opus Dei, devem santificar-se com a profissão, santificar a profissão e santificar os outros com a profissão. Vivendo assim, sem se distinguirem dos outros cidadãos iguais a eles, que com eles trabalham, esforçam-se por se identificar com Cristo, imitando os seus trinta anos de trabalho na oficina de Nazaré.

Porque essa tarefa habitual é, não só o âmbito em que se devem santificar, como também a própria matéria da sua santidade: no meio das incidências do dia a dia descobrem a mão de Deus, e encontram estímulo para a sua vida de oração. A própria actividade profissional põe-nos em contacto com outras pessoas - parentes, amigos, colegas - e com os grandes problemas que afectam a sua sociedade ou o mundo inteiro e oferece-lhes assim a ocasião de viverem a entrega ao serviço dos outros, que é essencial aos cristãos. Assim, devem esforçar-se por dar um verdadeiro e autêntico testemunho de Cristo, para que todos aprendam a conhecer e a amar o Senhor, a descobrir que a vida normal no mundo, o trabalho de todos os dias, pode ser um encontro com Deus.

Por outras palavras: a santidade e o apostolado constituem uma só coisa com a vida dos sócios da Obra, e por isso o trabalho é o alicerce da sua vida espiritual. A sua entrega a Deus enxerta-se no trabalho que faziam antes de virem para a Obra e que continuam a fazer depois.

Quando, nos primeiros anos da minha actividade pastoral, comecei a pregar estas coisas, algumas pessoas não me compreenderam, outras escandalizaram-se: estavam habituadas a ouvir falar do mundo sempre em sentido pejorativo. O Senhor tinha-me feito compreender, e eu procurava fazê-lo compreender aos outros, que o mundo é bom, porque as obras de Deus são sempre perfeitas, e que somos nós os homens que, pelo pecado, fazemos o mundo mau.

Dizia então, e continuo a dizer agora, que temos de amar o mundo, porque no mundo encontramos a Deus, porque nos factos e acontecimentos do mundo Deus Se nos manifesta e revela.

O mal e o bem misturam-se na história humana e por isso o cristão deve saber discernir; mas nunca esse discernimento o deve levar a negar a bondade das obras de Deus, antes, pelo contrário, a reconhecer o divino que se manifesta no humano, inclusivamente por trás das nossas fraquezas. Um bom lema para a vida cristã pode encontrar-se naquelas palavras do Apóstolo: todas as coisas são vossas, e vós de Cristo, e Cristo de Deus (1 Cor. 3, 22-23), para realizar assim os desígnios desse Deus que quer salvar o mundo.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Mons. Escrivá de Balaguer afirmou repetidamente que o Opus Dei, de facto, não era um Instituto Secular, como também não era uma comum associação de fiéis. Ainda que tenha sido aprovado, em 1947, como Instituto Secular, por ser a solução jurídica menos inadequada para o Opus Dei dentro das normas jurídicas então vigentes na Igreja, Mons. Escrivá de Balaguer pensara, já há muitos anos, que a situação jurídica definitiva do Opus Dei estava entre as estruturas seculares de jurisdição pessoal, como é o caso das Prelaturas pessoais.