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Há 2 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Matrimónio → indissolubilidade.

Quereríamos começar esta entrevista com um problema que provoca em muitos espíritos as mais diversas interpretações. Referimo-nos ao tema do aggiornamento. Como entende, aplicado à vida da Igreja, o verdadeiro sentido desta palavra?

Fidelidade. Para mim, aggiornamento significa sobretudo isto: fidelidade. Um marido, um soldado, um administrador é sempre tanto melhor marido, tanto melhor soldado, tanto melhor administrador, quanto mais fielmente souber corresponder, em cada momento, perante cada nova circunstância da sua vida, aos firmes compromissos de amor e de justiça que um dia assumiu. A fidelidade delicada, operativa e constante - que é difícil, como é difícil qualquer aplicação de princípios à realidade mutável do que é contingente - é por isso a melhor defesa da pessoa contra a velhice de espírito, a aridez de coração e a anquilose mental.

O mesmo sucede na vida das instituições, muito especialmente na vida da Igreja, que obedece, não a um precário projecto do homem, mas a um desígnio de Deus. A Redenção, a salvação do mundo, é obra da fidelidade amorosa e filial de Jesus Cristo - e da nossa com Ele - à vontade do Pai celestial que O enviou. Por isso, o aggiornamento da Igreja - agora, como em qualquer outra época - é fundamentalmente isto: uma reafirmação jubilosa da fidelidade do Povo de Deus à missão recebida, ao Evangelho.

É claro que essa fidelidade - viva e actual perante cada circunstância da vida dos homens - pode requerer, e de facto tem requerido frequentemente na história duas vezes milenária da Igreja e recentemente no Concílio Vaticano II, oportunos desenvolvimentos doutrinais na exposição das riquezas do Depositum Fidei, assim como convenientes modificações e reformas que aperfeiçoam - no seu elemento humano, perfectível - as estruturas orgânicas e os métodos missionários e apostólicos. Mas seria pelo menos superficial pensar que o aggiornamento consiste primariamente em modificar, ou que qualquer modificação aggiorna. Basta pensar que não falta quem, à margem da doutrina conciliar e contra ela, também desejaria modificações que fariam retroceder em muitos séculos de história - pelo menos até à época feudal - o caminho progressivo do Povo de Deus.

Há casais em que a mulher - por qualquer razão - se encontra separada do marido, em situações degradantes e insustentáveis. Nesses casos, torna-se-lhes difícil aceitar a indissolubilidade do vínculo matrimonial. Estas mulheres separadas do marido lamentam que se lhes negue a possibilidade de construir um novo lar. Que resposta daria a estas situações?

Diria a essas mulheres, compreendendo o seu sofrimento, que também podem ver nessa situação a Vontade de Deus, que nunca é cruel, porque Deus é Pai amoroso. É possível que por algum tempo a situação seja especialmente difícil, mas, se recorrerem ao Senhor e à sua Santa Mãe, não lhes faltará a ajuda da graça.

A indissolubilidade do matrimónio não e um capricho da Igreja e nem sequer uma mera lei positiva eclesiástica. É de lei natural, de direito divino, e corresponde perfeitamente à nossa natureza e à ordem sobrenatural da graça. Por isso, na imensa maioria dos casos, é condição indispensável de felicidade dos cônjuges, e de segurança, mesmo espiritual, para os filhos. E sempre - ainda nesses casos dolorosos de que falámos - a aceitação rendida da vontade de Deus traz consigo uma profunda satisfação, que nada pode substituir. Não é um recurso, não é uma simples consolação, é a essência da vida cristã.

Se essas mulheres já têm filhos a seu cargo, hão-de ver nisso uma exigência contínua de entrega amorosa, maternal, então especialmente necessária para suprir nessas almas as deficiências de um lar dividido. E hão-de entender generosamente que essa indissolubilidade, que para elas implica sacrifício, é para a maior parte das famílias uma defesa da sua integridade, algo que enobrece o amor dos esposos e impede o desamparo dos filhos.

Este assombro em face da aparente dureza do preceito cristão da indissolubilidade não é novo. Os Apóstolos estranharam quando Jesus o confirmou. Pode parecer uma carga, um jugo; mas o próprio Cristo disse que o seu jugo é suave e a sua carga leve.

Por outro lado, reconhecendo embora a inevitável dureza de bastantes situações - as quais, em não poucos casos, se poderiam e deveriam ter evitado -, é necessário não dramatizar demasiado. A vida de uma mulher nessas condições será realmente mais dura que a de outra mulher maltratada, ou que a vida de quem padece algum dos outros grandes sofrimentos físicos ou morais que a existência traz consigo?

O que verdadeiramente torna uma pessoa infeliz - e até uma sociedade inteira - é essa busca ansiosa de bem-estar, o cuidado de eliminar, seja como for, tudo o que nos contrariar. A vida apresenta mil facetas, situações diversíssimas, umas árduas, outras, talvez só na aparência, fáceis. A cada uma delas corresponde a sua própria graça; cada uma é uma chamada original de Deus, uma ocasião inédita de trabalhar, de dar o testemunho divino da caridade. A quem sentir a angústia de uma situação difícil, eu aconselharia que procurasse também esquecer-se um pouco dos seus próprios problemas para se preocupar com os problemas dos outros. Fazendo isto, terá mais paz e, sobretudo, santificar-se-á.