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Há 5 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Leigos → vocação cristã .

O Opus Dei ocupa um papel de primeiro plano no processo moderno de evolução do laicado; por isso gostaríamos de lhe perguntar, antes de mais nada, quais são, na sua opinião, as características mais notáveis deste processo.

Sempre pensei que a característica fundamental do processo de evolução do laicado é a consciencialização da dignidade da vocação cristã. A chamada de Deus, o carácter baptismal e a graça, fazem com que cada cristão possa e deva encarnar plenamente a fé. Cada cristão deve ser alter Christus, ipse Christus, presente entre os homens. O Santo Padre disse-o de maneira inequívoca: “É necessário voltar a dar toda a importância ao facto de ter recebido o sagrado baptismo, quer dizer, de ter sido enxertado, mediante esse sacramento, no Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. (…) Ser cristão, ter recebido o baptismo, não deve ser considerado como coisa indiferente e sem valor, antes deve marcar profunda e ditosamente a consciência de todos os baptizados” (Encíclica Ecclesiam Suam, parte 1).

Nestas circunstâncias, qual a função que o Opus Dei desempenhou e desempenha? Que relações de colaboração mantêm os sócios com outras organizações que trabalham neste campo?

Não me pertence a mim fazer um juízo histórico sobre o que, pela graça de Deus, o Opus Dei tem feito. Devo apenas afirmar que a finalidade a que o Opus Dei aspira é favorecer a procura da santidade e o exercício do apostolado por parte dos cristãos que vivem no meio do mundo, qualquer que seja o seu estado ou condição.

A Obra nasceu para contribuir para que esses cristãos, inseridos no tecido da sociedade civil - com a sua família, os seus amigos, o seu trabalho profissional, as suas aspirações nobres - compreendam que a sua vida, tal como é, pode ser ocasião de um encontro com Cristo: quer dizer, que é um caminho de santidade e de apostolado. Cristo está presente em qualquer actividade humana honesta: a vida de um cristão corrente - que talvez a alguns pareça vulgar e mesquinha - pode e deve ser uma vida santa e santificante.

Por outras palavras: para seguir Cristo, para servir a Igreja, para ajudar os outros homens a reconhecerem o seu destino eterno, não é indispensável abandonar o mundo ou afastar-se dele, nem sequer é preciso dedicar-se a uma actividade eclesiástica; a condição necessária e suficiente é cumprir a missão que Deus encomendou a cada um, no lugar e no ambiente queridos pela sua Providência.

E como a maior parte dos cristãos recebe de Deus a missão de santificar o mundo a partir de dentro, permanecendo no meio das estruturas temporais, o Opus Dei dedica-se a fazer-lhes descobrir essa missão divina, mostrando-lhes que a vocação humana - a vocação profissional, familiar e social - não se opõe à vocação sobrenatural: antes pelo contrário, forma parte integrante dela.

O Opus Dei tem como missão específica e exclusiva a difusão desta mensagem - que é uma mensagem evangélica - entre todas as pessoas que vivem e trabalham no mundo, em qualquer ambiente ou profissão. E àqueles que entendem este ideal de santidade a Obra proporciona os meios espirituais e a formação doutrinal, ascética e apostólica, necessários para o realizar na própria vida.

Os sócios do Opus Dei não actuam em grupo; actuam individualmente, com liberdade e responsabilidade pessoais. Por isso, o Opus Dei não é uma organização fechada, ou que de algum modo reúna os seus sócios para os isolar dos outros homens. As actividades corporativas, que são as únicas que a Obra dirige, estão abertas a toda a espécie de pessoas, sem discriminação de espécie alguma: nem social, nem cultural, nem religiosa. E os sócios, precisamente porque devem santificar-se no mundo, colaboram sempre com todas as pessoas com quem estão em relação pelo seu trabalho e pela sua participação na vida cívica.

Faz parte essencial do espírito cristão não só viver em união com a Hierarquia ordinária - o Romano Pontífice e o Episcopado - como também sentir a unidade com os outros irmãos na fé. Há muito tempo que penso que um dos maiores males da Igreja nestes tempos é o desconhecimento que muitos católicos têm do que fazem e pensam os católicos de outros países ou de outros ambientes sociais. É necessário actualizar essa fraternidade que os primeiros cristãos viviam tão profundamente. Assim nos sentiremos unidos, amando ao mesmo tempo a variedade das vocações pessoais, evitando-se não poucos juízos injustos e ofensivos, que determinados pequenos grupos propagam - em nome do catolicismo - contra os seus irmãos na fé, que na realidade actuam rectamente e com sacrifício, dadas as circunstâncias particulares do seu país.

É importante que cada um procure ser fiel à sua vocação divina, de tal maneira que não deixe de trazer à Igreja aquilo que leva consigo o carisma recebido de Deus. O que é próprio dos sócios do Opus Dei - cristãos correntes - é santificar o mundo a partir de dentro, participando nas mais diversas actividades humanas. Como o facto de pertencerem à Obra não altera em nada a sua posição no mundo, colaboram, da maneira adequada em cada caso, nas celebrações religiosas colectivas, na vida paroquial, etc. Também neste sentido são cidadãos correntes, que querem ser bons católicos.

Todavia, os sócios do Opus Dei não se costumam dedicar, geralmente, a trabalhar em actividades confessionais. Só em casos excepcionais, quando a Hierarquia expressamente o pede, algum membro da Obra colabora em actividades eclesiásticas. Nessa atitude não há qualquer desejo de se singularizar, e menos ainda de desconsideração pelas actividades confessionais, mas tão somente a decisão de se ocupar do que é próprio da vocação para o Opus Dei. Há já muitos religiosos e clérigos, e também muitos leigos cheios de zelo, que levam para a frente essas actividades, dedicando-lhes os seus melhores esforços.

O que é próprio dos sócios da Obra, a tarefa a que se sabem chamados por Deus, é outra. Dentro da chamada universal à santidade, o sócio do Opus Dei recebe, além disso, uma chamada especial para se dedicar, livre e responsavelmente, a procurar a santidade e a fazer o apostolado no meio do mundo, comprometendo-se a viver um espírito específico e a receber, ao longo de toda a sua vida, uma formação peculiar. Se descurassem o seu trabalho no mundo, para se ocuparem das actividades eclesiásticas, tornariam ineficazes os dons divinos recebidos, e pelo entusiasmo de uma eficácia pastoral imediata, causariam um real dano à Igreja: porque não haveria tantos cristãos dedicados a santificarem-se em todas as profissões e ofícios da sociedade civil, no campo imenso do trabalho secular.

Além disso, a exigente necessidade da contínua formação profissional e da formação religiosa, juntamente com o tempo dedicado pessoalmente à piedade, à oração e ao cumprimento sacrificado dos deveres de estado, consome toda a vida: não há horas livres.

Ao longo desta entrevista, tem havido ocasião de comentar aspectos importantes da vida humana o especificamente da vida da mulher, e de reconhecer como o espírito do Opus Dei os valoriza. Para terminar, poder-nos-ia dizer como considera que se deve promove, o papel da mulher na vida da Igreja?

Não posso ocultar que, ao responder a uma pergunta deste tipo, sinto a tentação - contrária ao meu proceder habitual - de fazê-lo de um modo polémico, porque há algumas pessoas que empregam essa linguagem de um modo clerical, usando a palavra Igreja como sinónimo de algo que pertence ao clero, à Hierarquia eclesiástica. E assim, por participação na vida da Igreja entendem, só ou principalmente, a ajuda prestada à vida paroquial, a colaboração em associações “com mandato” da Hierarquia, a assistência activa nas funções litúrgicas e coisas semelhantes.

Quem pensa assim esquece na prática - ainda que talvez o proclame na teoria - que a Igreja é a totalidade do Povo de Deus, o conjunto de todos os cristãos, que, portanto, onde estiver um cristão que se esforce por viver em nome de Jesus Cristo, aí está presente a Igreja.

Com isto não pretendo minimizar a importância da colaboração que a mulher pode prestar à vida da estrutura eclesiástica. Pelo contrário, considero-a imprescindível. Tenho dedicado a minha vida a defender a plenitude da vocação cristã do laicado, dos homens e das mulheres que vivem no meio do mundo e, por conseguinte, a procurar o pleno reconhecimento teológico e jurídico da sua missão na Igreja e no mundo.

Só quero fazer notar que há quem promova uma redução injustificada dessa colaboração, e afirmar que o cristão comum, homem ou mulher, só pode cumprir a sua missão específica, também a que lhe corresponde dentro da estrutura eclesial, desde que não se clericalize, se continuar a ser secular, corrente, pessoa que vive no mundo e que participa dos cuidados do mundo.

Compete aos milhões de mulheres e de homens cristãos que enchem a Terra, levar Cristo a todas as actividades humanas, anunciando com as suas vidas que Deus ama a todos e quer salvar a todos. Por isso, a melhor maneira de participarem na vida da Igreja, a mais importante e a que, pelo menos, tem de estar pressuposta em todas as outras, é a de serem integralmente cristãos no lugar onde estão na vida, onde a sua vocação humana os levou.

Como me emociona pensar em tantos cristãos, homens e mulheres, que, talvez sem se proporem fazê-lo de maneira específica, vivem com simplicidade a sua vida de cada dia, procurando encarnar nela a Vontade de Deus! Fazer-lhes tomar consciência da sublimidade da sua vida, revelar-lhes que isso, que parece sem importância, tem um valor de eternidade, ensinar-lhes a escutar mais atentamente a voz de Deus, que lhes fala através de acontecimentos e situações, é do que a Igreja tem hoje premente necessidade, porque é nesse sentido que Deus a está urgindo.

Cristianizar o mundo inteiro a partir de dentro, mostrando que Jesus Cristo redimiu toda a humanidade - essa é a missão do cristão. E a mulher participará nela da maneira que lhe é própria, tanto no lar como nas tarefas que desempenhe, realizando as suas virtualidades peculiares.

O principal é, pois, que, como Santa Maria - mulher, Virgem e Mãe - vivam voltadas para Deus, pronunciando esse fiat mihi secundum verbum tuum (Luc. 1, 38), faça-se em mim segundo a tua palavra, do qual depende a fidelidade à vocação pessoal, única e intransferível em cada caso, que nos fará cooperadores da obra de salvação que Deus realiza em nós e no mundo inteiro.

Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra, como sabeis, no próprio cerne do espírito do Opus Dei, há-de levar-vos a realizar o vosso trabalho com perfeição, a amar a Deus e os homens fazendo com amor as pequenas coisas da vossa jornada habitual, descobrindo esse quê divino que está encerrado nos pormenores. Que bem se enquadram aqui aqueles versos do poeta de Castela: Devagar, e boa letra;/que fazer as coisas bem/ importa mais que fazê-las [A. MACHADO, Poesias Completas. CLXI - Proverbios y cantares XXIV, Espasa-Calpe, Madrid, 1940].

Asseguro-vos, meus filhos, que, quando um cristão realiza com amor a mais intranscendente das acções diárias, ela transborda da transcendência de Deus. Por isso vos tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em fazer poesia heróica da prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não; onde se juntam deveras é nos vossos corações, quando viveis santamente a vida de cada dia…

Viver santamente a vida de cada dia, acabo de dizer-vos. E com estas palavras refiro-me a todo o programa da vossa vida cristã. Deixai-vos, pois, de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, daquilo a que costumo chamar mística do oxalá - oxalá não me tivesse casado; oxalá não tivesse esta profissão; oxalá tivesse mais saúde; oxalá fosse mais novo; oxalá fosse velho!… - e cingi-vos, pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde Nosso Senhor está: vede as minhas mãos e os meus pés, disse Jesus ressuscitado; sou Eu mesmo. Tocai-Me e vede que um espírito não tem carne e ossos como vedes que Eu tenho [Lc 24, 39].

São muitos os aspectos do ambiente secular em que vos moveis, que se iluminam a partir destas verdades. Pensai, por exemplo, na vossa actuação de cidadãos na vida civil. Um homem sabedor de que o mundo - e não só o templo - é o lugar do seu encontro com Cristo, ama esse mundo, procura adquirir uma boa preparação intelectual e profissional, vai formando - com plena liberdade - os seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que vive; e toma, como consequência, as suas próprias decisões que, por serem decisões de um cristão, procedem também de uma reflexão pessoal que tenta humildemente captar a vontade de Deus nesses aspectos, pequenos e grandes, da vida.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura