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Há 4 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Igreja → e o Espírito Santo .

O Concílio Vaticano II utilizou abundantemente nos seus Documentos a expressão “Povo de Deus”, para designar a Igreja, e pôs assim a claro a responsabilidade comum de todos os cristãos na missão única deste Povo de Deus. Quais as características que, em seu entender, a “necessária opinião pública na Igreja” - da qual já Pio XII falou - deve ter, para reflectir essa responsabilidade comum? Como é afectado o fenómeno da “opinião pública na Igreja” pelas peculiares relações de autoridade e obediência que se verificam no seio da comunidade eclesial?

Não concebo que possa haver obediência verdadeiramente cristã, se essa obediência não for voluntária e responsável. Os filhos de Deus não são pedras ou cadáveres: são seres inteligentes e livres e elevados todos à mesma ordem sobrenatural, tal como a pessoa que manda. Mas não poderá nunca fazer uso recto da inteligência e da liberdade - para obedecer, da mesma maneira que para opinar - quem carecer de suficiente formação cristã. Por isso, o problema de fundo da “necessária opinião pública na igreja” é equivalente ao problema da necessária formação doutrinal dos fiéis. É certo que o Espírito Santo distribui a abundância dos seus dons entre os membros do Povo de Deus - que são todos corresponsáveis da missão da Igreja - mas isto não exime ninguém, antes pelo contrário, do dever de adquirir essa adequada formação doutrinal.

Entendo por doutrina o suficiente conhecimento que cada fiel deve ter da missão total da Igreja e da peculiar participação, e consequente responsabilidade específica, que lhe corresponde nessa missão única. Este é - como o tem recordado repetidas vezes o Santo Padre - o colossal trabalho de pedagogia que a Igreja tem de enfrentar nesta época pós-conciliar. Penso que a solução correcta do problema a que aludiu deve ser procurada - como outras esperanças latentes no seio da Igreja - em relação directa com esse trabalho. Não serão, com certeza, as intuições mais ou menos proféticas de alguns carismáticos sem doutrina que poderão assegurar a necessária opinião pública no Povo de Deus.

Quanto às formas de expressão dessa opinião pública, não considero que seja um problema de órgãos ou de instituições. Tão adequado pode ser um Conselho pastoral diocesano, como as colunas dum jornal - ainda que não seja oficialmente católico - ou a simples carta pessoal dum fiel ao seu Bispo, etc. As possibilidades e as modalidades legítimas pelas quais essa opinião dos fiéis se pode manifestar são muito variadas, e não parece que se possam nem devam espartilhar, criando uma nova entidade ou instituição. E menos ainda se se tratasse duma instituição que corresse o perigo - tão fácil - de chegar a ser monopolizada ou instrumentalizada por um grupo ou grupito de católicos oficiais, qualquer que fosse a tendência ou orientação em que essa minoria se inspirasse. Isto poria em perigo o próprio prestígio da Hierarquia e soaria a falso para os restantes membros do Povo de Deus.

Há também aspectos do mesmo processo de desenvolvimento eclesiológico, que representam magníficas aquisições doutrinais - para as quais quis Deus indubitavelmente que contribuísse, em parte talvez não pequena, o testemunho do espírito e da vida do Opus Dei, juntamente com outras contribuições valiosas de iniciativas e associações apostólicas não menos beneméritas. Mas são aquisições doutrinais e talvez passe ainda bastante tempo até chegarem a encarnar-se realmente na vida total do Povo de Deus. Aliás, nas suas perguntas anteriores já recordou alguns desses aspectos: o desenvolvimento de uma autêntica espiritualidade laical; a compreensão da peculiar função eclesial - não eclesiástica ou oficial - própria do leigo; a distinção dos direitos e dos deveres que o leigo tem enquanto leigo; as relações Hierarquia-laicado; a igualdade de dignidade e a complementaridade das funções do homem e da mulher na Igreja; a necessidade de conseguir uma ordenada opinião pública no Povo de Deus, etc.

Tudo isto constitui evidentemente uma realidade muito fluida e nem sempre isenta de paradoxos. Uma mesma coisa, que dita há quarenta anos escandalizava quase todos, ou todos, hoje a quase ninguém causa estranheza, embora, na verdade, sejam ainda muito poucos os que a compreendem a fundo e a vivem ordenadamente.

Explicar-me-ei melhor com um exemplo. Em 1932, comentando, num documento dirigido aos meus filhos do Opus Dei, alguns dos aspectos e consequências da dignidade e responsabilidade peculiares que o Baptismo confere às pessoas, escrevi: “impõe-se repelir o preconceito de que os fiéis correntes não podem fazer mais do que ajudar o clero, em apostolados eclesiásticos. O apostolado dos seculares não tem de ser sempre uma simples participação no apostolado hierárquico: compete-lhes o dever de fazer apostolado. E isto não é porque recebam uma missão canónica, mas por serem parte da Igreja; essa missão… realizam-na através da profissão, do ofício, da família, dos colegas, dos amigos”.

Hoje, depois dos ensinamentos solenes do Vaticano II, ninguém na Igreja porá em dúvida a ortodoxia desta doutrina. Mas, quantos abandonaram realmente a sua concepção única do apostolado dos leigos como um trabalho pastoral organizado de cima para baixo? Quantos, superando a anterior concepção monolítica do apostolado laical, compreendem que ele possa e inclusivamente deva também existir sem necessidade de rígidas estruturas centralizadas, missões canónicas e mandatos hierárquicos? Quantos, que qualificam o laicado de longa manus Ecclesiae, não estarão a confundir ao mesmo tempo o conceito de Igreja-Povo de Deus com o conceito mais limitado de Hierarquia? Ou ainda, quantos leigos entendem devidamente que só em delicada comunhão com a Hierarquia têm direito a reivindicar o seu âmbito legítimo de autonomia apostólica?

Poder-se-iam formular considerações semelhantes em relação a outros problemas, porque é realmente muito, muitíssimo, o que está ainda por conseguir, tanto na necessária exposição doutrinal, como na educação das consciências e na própria reforma da legislação eclesiástica. Peço muito ao Senhor - a oração sempre foi a minha grande arma - que o Espírito Santo assista ao seu Povo, e especialmente à Hierarquia, na realização destas tarefas. E peço-Lhe também que continue a servir-Se do Opus Dei, para que possamos contribuir e ajudar, em tudo o que estiver ao nosso alcance, neste difícil mas maravilhoso processo de desenvolvimento e crescimento da Igreja.

Mudando de tema, gostaríamos de saber o que pensa em relação ao actual momento da Igreja. Concretamente, como o qualificaria? Que papel julga poderem ter, neste momento, as tendências que de modo geral têm sido chamadas “progressistas” e “integristas”?

A meu ver, o actual momento da Igreja poderia qualificar-se de positivo, e, ao mesmo tempo, de delicado, como todas as crises de crescimento. Positivo, sem dúvida, porque as riquezas doutrinais do Concílio Vaticano II colocaram a Igreja inteira - todo o Povo sacerdotal de Deus - perante uma nova etapa, sumamente esperançosa, de renovada fidelidade ao propósito divino da salvação que se lhe confiou. Momento delicado também, porque as conclusões teológicas a que se chegou não são de carácter - passe a expressão - abstracto ou teórico: trata-se de uma teologia sumamente viva, quer dizer, com imediatas e directas aplicações de ordem pastoral, ascética e disciplinar, que chegam ao mais íntimo da vida interna e externa da comunidade cristã - liturgia, estruturas orgânicas da Hierarquia, formas apostólicas, Magistério, diálogo com o mundo, ecumenismo, etc. - e, portanto, também da vida cristã e da própria consciência dos fiéis.

Uma e outra destas realidades trazem respectivamente à nossa alma, por um lado, o optimismo cristão - a jubilosa certeza de que o Espírito Santo fará frutificar abundantemente a doutrina com que enriqueceu a Esposa de Cristo - e, ao mesmo tempo, a prudência por parte de quem investiga ou governa, porque, especialmente agora, a falta de serenidade ou de ponderação no estudo dos problemas poderia ocasionar um dano imenso.

Quanto às tendências a que chama integristas e progressistas na sua pergunta, torna-se-me difícil dar opinião sobre o papel que podem desempenhar neste momento, porque, desde sempre, repeli a conveniência e inclusivamente a possibilidade de se poderem fazer catalogações ou simplificações deste tipo. Essa divisão - que às vezes é levada a extremos de verdadeiro paroxismo, ou se procura perpetuar, como se os teólogos e os fiéis em geral estivessem destinados a uma contínua orientação bipolar - parece-me que obedece, no fundo, ao convencimento de que o progresso doutrinal e vital do Povo de Deus terá de ser resultante de uma perpétua tensão dialéctica. Eu, pelo contrário, prefiro acreditar - com toda a minha alma - na acção do Espírito Santo, que sopra onde quer e em quem quer.

Em Espanha, o Opus Dei orgulha-se de reunir pessoas de todas as classes sociais. Esta afirmação é válida também para o resto do Mundo, ou deve admitir-se que nos outros países os sócios do Opus Dei procedem antes de meios ilustrados, como os estados-maiores da Indústria, da Administração, da Política e das Profissões Liberais?

De facto, pertencem ao Opus Dei, tanto em Espanha como em todo o mundo, pessoas de todas as condições sociais: homens e mulheres, velhos e jovens, operários, industriais, empregados, camponeses, representantes das profissões liberais, etc. A vocação é Deus quem a dá e para Deus não há acepção de pessoas.

Mas o Opus Dei não se orgulha de coisa nenhuma: não e às forças humanas que as obras de apostolado devem o seu crescimento, é ao sopro do Espírito Santo. Numa associação com fins temporais, é lógico publicar estatísticas que ostentem o número, a condição e as qualidades dos sócios, e assim costumam fazer as organizações que buscam prestígio temporal; mas este modo de actuar, quando se procura a santificação das almas, favorece a soberba colectiva: ora Cristo quer a humildade para cada um dos cristãos e para todos os cristãos.