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Há 4 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Dignidade humana  → amor e respeito pela liberdade .

Como está organizado o Opus Dei1 em Espanha? Como está estruturado o seu governo e como funciona? Intervém V. Rev.ª pessoalmente nas actividades do Opus Dei em Espanha?

O trabalho de direcção no Opus Dei é sempre colegial, nunca pessoal. Detestamos a tirania, que é contrária à dignidade humana. Em cada país a direcção do nosso trabalho é da competência de uma comissão, composta na sua maior parte por leigos de diversas profissões, e presidida pelo Conselheiro do Opus Dei no país. Em Espanha o Conselheiro é o Rev.º P.e Dr. Florencio Sánchez Bella.

Como o Opus Dei é uma organização sobrenatural e espiritual, o seu governo limita-se a dirigir e a orientar o trabalho apostólico, com exclusão de qualquer tipo de finalidade temporal. A direcção da Obra, não só respeita a liberdade dos seus membros, como lhes faz tomar viva consciência dela. Para conseguir a perfeição cristã na profissão ou no ofício que cada um exerce, os membros da Obra necessitam de estar formados de modo que saibam administrar a sua liberdade: com presença de Deus, com piedade sincera, com doutrina. Esta é a missão fundamental dos directores da nossa Obra: tornar acessível a todos os sócios o conhecimento e a prática da fé cristã, para que a tornem realidade na sua vida, cada um com plena autonomia. Sem dúvida que é necessária, pelo que se refere ao terreno estritamente apostólico, uma certa coordenação mas ainda aqui a coordenação se limita ao mínimo indispensável para facilitar a criação de centros educativos, sociais ou de beneficência, que realizam um eficaz serviço cristão.

Os mesmos princípios que acabo de expor se aplicam ao governo central da Obra. Eu não governo sozinho. As decisões são tomadas no Conselho Geral do Opus Dei, que tem a sua sede em Roma e é composto actualmente por pessoas de catorze países. O Conselho Geral limita-se por seu lado a dirigir, em linhas fundamentais, o apostolado da Obra em todo o mundo, deixando uma amplíssima margem de iniciativa aos Directores de cada país. Na Secção Feminina existe um regime análogo. Do seu Conselho Central fazem parte associadas de doze nacionalidades.

Por outro lado, o progresso da história da Igreja levou a superar um certo clericalismo, que tende a desfigurar tudo o que se refere aos leigos atribuindo-lhes segundas intenções. Tornou-se mais fácil, agora, entender que o que o Opus Dei vivia e proclamava era nem mais nem menos isto: a vocação divina do cristão corrente, com um compromisso sobrenatural determinado.

Espero que chegue o momento em que a frase os católicos penetram nos ambientes sociais se deixe de dizer e que todos reparem que é uma expressão clerical. Seja como for, não se aplica em nada ao apostolado do Opus Dei. Os sócios da Obra não têm necessidade de penetrar nas estruturas temporais, pelo simples facto de que são cidadãos correntes, iguais aos outros, e portanto já lá estavam.

Se Deus chama ao Opus Dei uma pessoa que trabalha numa fábrica, ou num hospital, ou no parlamento, quer dizer que, daí em diante, essa pessoa estará decidida a pôr os meios para santificar, com a graça de Deus, essa profissão. Não é mais do que uma consciencialização das exigências radicais da mensagem evangélica, relativamente à vocação recebida.

Pensar que essa consciencialização significa deixar a vida normal, é uma ideia legítima apenas para os que recebem de Deus a vocação religiosa, com o seu contemptus mundi, com o desprezo ou a desestima das coisas do mundo; mas querer fazer deste abandono do mundo a essência ou o ponto culminante do cristianismo, é evidentemente, uma monstruosidade.

Não é, pois, o Opus Dei que introduz os seus sócios em determinados ambientes: já lá estavam, repito, e não há razão para saírem. Além disso, as vocações para o Opus Dei - que surgem da graça de Deus e desse apostolado de amizade e confidência, de que falava antes - dão-se em todos os ambientes.

Talvez essa mesma simplicidade da natureza e do modo de actuar do Opus Dei seja uma dificuldade para os que estão cheios de complicações e parecem incapacitados para compreender tudo o que é genuíno e recto.

Naturalmente, sempre haverá quem não compreenda a essência do Opus Dei, e isso não nos causa estranheza, porque já o Senhor preveniu os seus contra estas dificuldades, comentando-lhes que non est discipulus super Magistrum (Mat. 10, 24), o discípulo não é mais do que o Mestre. Ninguém pode pretender que todos o apreciem, ainda que tenha direito a que todos o respeitem como pessoa e como filho de Deus. Infelizmente, há fanáticos que querem impor totalitariamente as suas ideias, e estas nunca poderão entender o amor que os sócios do Opus Dei têm à liberdade pessoal dos outros e depois à sua própria liberdade pessoal, sempre com responsabilidade pessoal também.

Lembro-me de um facto particularmente expressivo. Em certa cidade, de que não seria delicado dizer o nome, a Câmara deliberava sobre a oportunidade de conceder uma ajuda económica a uma instituição educativa dirigida por sócios do Opus Dei, que, como todas as obras corporativas que a Obra leva a cabo, tem uma clara função de utilidade social. A maioria dos vereadores era favorável a essa ajuda. Explicando as razões dessa posição, um deles, socialista, comentava que tinha conhecido pessoalmente a actividade que se fazia nesse centro: “É uma actividade - disse - que se caracteriza por que aqueles que a dirigem são muito amigos da liberdade pessoal: nessa residência vivem estudantes de todas as religiões e de todas as ideologias”. Os vereadores comunistas votaram contra. Um deles, explicando o seu voto negativo, disse ao socialista: “Opus-me porque, se as coisas são assim, essa residência constitui uma eficaz propaganda do catolicismo”.

Quem não respeita a liberdade dos outros ou deseja opor-se à Igreja, não pode apreciar uma actividade apostólica. Mas ainda nestes casos, eu, como homem, tenho obrigação de o respeitar e de procurar orientá-lo para a verdade; e, como cristão, de o amar e de rezar por ele.

Como fundador do Opus Dei e impulsionador de uma ampla gama de instituições universitárias em todo o Mundo, poder-nos-ia descrever que motivações levaram o Opus Dei a criá-las e quais são os traços principais do contributo do Opus Dei para este nível de ensino?

O fim do Opus Dei é fazer com que muitas pessoas em todo o Mundo saibam, na teoria e na prática, que é possível santificar a sua actividade corrente, o trabalho de cada dia; que é possível buscar a perfeição cristã no meio da rua, sem abandonar as actividades a que Nosso Senhor nos quis chamar. Por isso, o apostolado mais importante do Opus Dei é aquele que é realizado individualmente pelos seus sócios, através da sua actuação profissional exercida com a maior perfeição humana - apesar dos meus erros pessoais e dos que cada um possa ter - em todos os ambientes e em todos os países: porque pertencem ao Opus Dei pessoas de umas setenta nações, de todas as raças e condições sociais.

Além disso, o Opus Dei, como corporação, promove, com o concurso de um grande número de pessoas que não estão associadas à Obra - e que muitas vezes não são cristãs - trabalhos corporativos, com que procura contribuir para a resolução dos problemas que o mundo actual enfrenta: centros educativos, assistenciais, de promoção e habilitação profissional, etc.

As instituições universitárias são apenas um aspecto destas actividades. As linhas que as caracterizam podem resumir-se assim: educação na liberdade pessoal e na responsabilidade também pessoal. Com liberdade e responsabilidade trabalha-se com gosto, rende-se, não há necessidade de controles nem de vigilância, porque todos se sentem em sua casa e basta um simples horário. Depois, o espírito de convivência, sem discriminações de nenhuma espécie. É na convivência que se formam as pessoas, até que cada qual aprenda que, para poder exigir que respeitem a sua liberdade, deve saber respeitar a liberdade dos outros. Finalmente, o espírito de fraternidade humana: os talentos próprios devem ser postos ao serviço dos outros, pois sem isso de pouco valem. As obras corporativas que o Opus Dei promove em todo o Mundo estão sempre ao serviço dos outros, porque são um serviço cristão.

Mas esse cristão não se lembra nunca de pensar ou de dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja, e que as suas soluções são as soluções católicas daqueles problemas. Isso não pode ser, meus filhos! Isso seria clericalismo, catolicismo oficial, ou como quiserdes chamar-lhe. De qualquer modo, seria violentar a natureza das coisas. Tendes de difundir por toda a parte uma verdadeira mentalidade laical, que há-de levar os cristãos a três consequências:

- a serem suficientemente honrados para arcarem com a sua responsabilidade pessoal;

- a serem suficientemente cristãos para respeitarem os seus irmãos na fé que proponham - em matérias discutíveis - soluções diversas das suas

- e a serem suficientemente católicos para não se servirem da Igreja, nossa Mãe, misturando-a com partidarismos humanos.

Vê-se claramente que, neste terreno como em todos, não poderíeis realizar o programa de viver santamente a vida diária se não gozásseis de toda a liberdade que vos é reconhecida - simultaneamente - pela Igreja e pela vossa dignidade de homens e de mulheres criados à imagem de Deus. A liberdade pessoal é essencial para a vida cristã. Mas não vos esqueçais, meus filhos, de que falo sempre de uma liberdade responsável.

Interpretai, portanto, as minhas palavras como o que são: um chamamento a exercerdes - diariamente!, não apenas em situações de emergência - os vossos direitos; e a cumprirdes nobremente as vossas obrigações como cidadãos - na vida política, na vida económica, na vida universitária, na vida profissional -, assumindo com coragem todas as consequências das vossas decisões, arcando com a independência pessoal que vos corresponde. E essa mentalidade laical cristã permitir-vos-á fugir de toda a intolerância, de todo o fanatismo. Di-lo-ei de um modo positivo: far-vos-á conviver em paz com todos os vossos concidadãos e fomentar também a convivência nos diversos sectores da vida social.

Notas
1

Cfr. a nota do n.º 35

Referências da Sagrada Escritura